sábado, 26 de abril de 2014

IndieLisboa 2014, Dia 25 de Abril: Regresso ao passado

O título deste post poderá ser antagónico, mas por estes lados não se pretende um regresso ao passado pré-25 de Abril de 1974, antes um regresso precisamente aos dias em que a população portuguesa saiu às ruas e deu asas à sua alegria e sonhos reprimidos durante uma longa ditadura. Desabafos à parte, vamos ao que interessa: o início da cobertura do Indie. Ontem foi dia de viajar no tempo através de duas obras completamente diferentes, tanto no género, como na origem: um documentário histórico, realizado por um cineasta de Leste, e um clássico norte-americano assinado por um dos maiores realizadores de sempre.

No papel Al Doilea Joc, do romeno Cornelius Porumboiu, tinha tudo para ser interessante. Mas falha redondamente, tal como os avançados do Steaua e do Dínamo de Bucareste que se defrontam ao longo do jogo de futebol que é mostrado no filme. A partida, realizada a 3 de Dezembro de 1988, foi arbitrada por Adrian Porumboiu, pai do realizador, que dias antes tinha sido ameaçado de morte através de um telefonema anónimo atendido precisamente por Cornelius, na altura uma criança. Vivia-se ainda sob a ditadura de Ceausescu, que acabaria no ano seguinte, e o medo pairava sobre a sociedade romena.

O telefonema e o jogo de futebol, que acabou por acontecer com o árbitro previsto, foram os pretextos para Cornelius Porumboiu realizar Al Doilea Joc. Ao longo de 94 minutos pelo ecrã passa o jogo de futebol entre as duas equipas, bastante ligadas ao regime (uma representava o Exército e a outra a Polícia), enquanto pai e filho vão comentando o que se passa dentro de campo e algumas questões fora das quatro linhas. À partida o documentário podia ser um interessante regresso ao passado, não só para ambos os protagonistas recordarem o que viveram naqueles dias, mesmo sendo bastante imprevisível o que poderia ser dito (e partimos do princípio que a conversa foi feita sem cortes ao longo da partida, como se os dois estivessem a comentar o jogo ao nosso lado), mas também para nós, enquanto espectadores e de certa forma voyeurs, podermos escutar aquela conversa.

Mas, tal como o jogo, bastante chato (estamos nos antípodas do futebol espectáculo dos dias de hoje) e rijo, a conversa é bastante monótona. Cornelius bem tenta tirar nabos da púcara do pai, mas este esquiva-se sempre às questões e por vezes nem sequer responde, ficando apenas as imagens do jogo em silêncio. Por vezes é o próprio Adrian a perguntar ao filho a quem é que interessará uma partida de futebol como outra qualquer, ocorrida há mais de duas décadas. E o diálogo travado em Al Doilea Joc tem o mesmo destino. Podia ser o ponto de partida para o debate de inúmeras questões, desde o que mudou na situação do país desde aquela altura até às diferenças entre o futebol que se praticava nos anos 1980 e o panorama actual, mas é tudo muito escasso. Há aspectos curiosos focados na conversa dos dois intervenientes, mas tudo muito pela rama. 

Termina assim o desafio, com ambas as equipas a saírem de campo, os resultados da jornada a passarem no ecrã da transmissão. E uma tremenda desilusão face ao resultado final, dentro e fora das quatro linhas. Apenas poderá ter algum interesse para os saudosistas do futebol que se praticava na altura, que podem comparar o futebol que se jogava na altura e o que se pratica nos dias de hoje (há regras que já não existem por exemplo), e para quem tem curiosidade em rever um dérby do futebol romeno onde pontuavam estrelas como o mítico Gheorghe Hagi (conhecido em tempos como o Maradona dos Cárpatos) ou Florin Raducioiu, nomes que mais tarde singraram em grandes emblemas do futebol europeu.


O melhor deste primeiro dia de IndieLisboa acabou por ser a segunda parte, com um dos pratos fortes da secção Director's Cut deste ano: Chamada Para a Morte, de Alfred Hitchcock, na versão 3D, como filmada pelo mestre do suspense na década de 1950. E o que mais espanta nesta versão do clássico é que há 60 anos atrás foi possível utilizar, de forma magistral, o 3D. O filme, visto como uma experiência da Warners para tentar lançar esta nova tecnologia, não cativou os estúdios na altura e o 3D voltou para a gaveta praticamente até James Cameron o resgatar em todo o seu esplendor, já no século XXI, com Avatar, relançando a tecnologia, para o bem e para o mal. 

Mas esta versão de Chamada Para a Morte é tudo menos uma experiência falhada e talvez seja uma das melhores utilizações do 3D da História do Cinema, mesmo comparando com algumas produções actuais, que utilizam esta tecnologia apenas para aproveitar uma nova moda. Na altura o clássico de Hitchcock talvez tivesse sido filmado em 3D precisamente nesta lógica, de criar um novo incentivo para levar as pessoas para as salas de Cinema. Mas nota-se que neste caso o 3D é utilizado não apenas como um simples efeito especial (que não deixa de o ser), mas quase como que um elemento do próprio filme. E tudo é construído tendo em conta este elemento, que dá uma profundidade estrondosa aos cenários e nos envia para dentro da tela como poucos. 

É fabulosa a forma como os objectos surgem no ecrã e nos dão essa noção de profundidade ou como em algumas cenas as mãos dos actores quase nos tocam na cara. Curiosamente este efeito acontece poucas vezes o que poderá indicar que Hitchcock já teria uma noção de que seria demasiado invasivo para o espectador se estivesse sempre a abusar do 3D, como que a dizer 'olhem, isto é em 3D'!. Ou seja, mesmo sendo uma primeira utilização da tecnologia num grande filme de estúdio, já havia essa noção de que o muito nem sempre é o ideal. Percebe-se que é uma experiência, mas sabe-se o que se está a fazer. Não se está a fazer só porque sim.

Se a versão original de Chamada Para a Morte já era bastante recomendável (estamos em puro terreno hitchcockiano, onde o humor negro impera na história de um homem que tem o plano perfeito para matar a sua esposa, mas o plano acaba por correr mal), esta versão em 3D é mais do que recomendável. Diria quase obrigatória. Em suma: goleada do mestre Alfred Hitchcock, que nos deixou com uma enorme vontade de ver de seguida a versão 2D do filme

Al Doilea Joc repete no dia 1 de Maio às 00:00 e 2 de Maio às 23h55, sempre na Sala 3 do Cinema City Campo Pequeno.

Chamada Para a Morte repete no dia 29 de Abril às 16h30 e no dia 2 de Maio às 23h50, sempre na Sala 1 do Cinema City Campo Pequeno. 

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