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sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

China - Um Toque de Pecado, de Zhangke Jia (2013)

As listas de melhores do ano são tramadas. Perdemos uma enormidade de tempo a recordar as memórias de um ano de estreias cinematográficas para chegar a uma lista com o melhor que vimos em sala e logo a seguir vemos um daqueles filmes que devíamos ter visto a tempo e horas para integrar a dita lista. Serve esta breve introdução para dizer que «China - Um Toque de Pecado», o mais recente filme de Zhangke Jia, com jeitinho bem podia ter integrado a lista de melhores do ano deste blogue. Mas, como não foi visionado a tempo e horas, ficou de fora, talvez injustamente. Ou não.

Para os cinéfilos mais atentos o nome de Zhangke Jia não será de todo desconhecido. Há alguns anos atrás o IndieLisboa dedicou um ciclo inteiro à sua obra, quando o festival lisboeta ainda tinha uma das suas secções mais memoráveis, entretanto extinta. Como Herói Independente homenageado, o festival apresentou nessa edição do certame uma obra curta, mas bastante interessante. Desde então raramente a obra do cineasta chinês ficou de fora do circuito comercial e «China - Um Toque de Pecado» é o seu mais recente filme a ter honra de estreia. Trabalhando sempre na (cada vez mais) ténue fronteira entre a ficção e o documentário, Zhangke tem vindo a apresentar um retrato da China dos dias de hoje um pouco diferente da imagem que poderíamos ter do chamado milagre económico. É que para lá do milagre económico daquela que é uma das grandes potências mundiais, há pessoas, pessoas essas que têm sido retratadas nos filmes deste cineasta através de um olhar ficcional, que bem podia ser oriundo do real.

Em «China - Um Toque de Pecado» (título que consiste num trocadilho, assumido pelo próprio realizador, com «A Touch of Zen», clássico das artes marciais realizado por King Hu) o olhar do cineasta chinês parte de quatro histórias de crimes, todas baseadas em acontecimentos reais, para nos mostrar uma outra realidade da China. Cada episódio, com as suas particularidades específicas, acaba por nos apresentar algo mais do que 'simples' crimes, porque, tal como nas obras anteriores de Zhangke Jia, há muita coisa para desvendar por detrás de cada camada. Neste caso cada crime funciona quase como o ponto de partida para mostrar aspectos de uma sociedade que está por detrás do tal milagre económico chinês, seja a corrupção instalada nas pequenas localidades ou as condições laborais nas grandes fábricas chinesas, retratadas no primeiro e no quarto episódio, respectivamente.

E são estes dois, curiosamente, os episódios que melhor funcionam em «China - Um Toque de Pecado», pois não retratam simples crimes, mas algo que vai muito para lá do mero apresentar de um crime violento, apresentando em pano de fundo a tal realidade social de uma China menos conhecida e que nem sempre surge nas notícias. Não que este seja um filme desequilibrado, antes pelo contrário. Apesar de as histórias serem independentes (apenas uma personagem aparece em dois dos segmentos), acabam por formar um todo coerente. E a única diferença em relação às anteriores obras de Zhangke Jia é uma certa violência que salta (literalmente) para a frente do ecrã e pode eventualmente deixar-nos desconfortáveis durante o visionamento, pois este é um elemento que não encontramos em obras anteriores do cineasta, onde a violência talvez estivesse mais 'escondida' nas entrelinhas. Como se nos filmes anteriores do realizador essa violência estivesse de certa forma reprimida e de repente acabasse por explodir. Há muito sangue a jorrar em «China - Um Toque de Pecado», mas esta dose massiva de hemoglobina apenas serve para mostrar que nem tudo é perfeito num milagre económico e as injustiças também existem em certos modelos de sociedades que se dizem perfeitas. Ou quase perfeitas.

Nota: 4/5

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Tal Pai, Tal Filho, de Hirokazu Koreeda (2013)

Há qualquer coisa no olhar de Hirokazu Koreeda que nos fascina. Não serão apenas os belos filmes que nos tem apresentado ao longo dos últimos anos, mas a forma serena e terna como filma as histórias que nos traz e volta e meia temos o prazer de ver em estreia comercial. Pequenas pérolas vindas do Japão, criadas por um dos dignos sucessores do génio de Ozu (recomenda-se o visionamento de «Andando», uma espécie de variação de «Viagem a Tóquio» passada nos dias de hoje, para o confirmar), que quase passam sem darmos por elas, mas que se lhes dermos atenção acabam por ser experiências memoráveis. «Tal Pai, Tal Filho» não é excepção e foi uma das mais agradáveis fitas a passar pelas salas portuguesas no final do ano passado.

A história de um pai que descobre, seis anos depois, que o seu filho foi trocado por outro no hospital, facilmente poderia ser um dramalhão de primeira, com lágrima a espreitar ao canto do olho. Mas Koreeda foge disso como o diabo da cruz e o resultado é algo completamente diferente. Um filme sincero, que retrata o drama de alguém que a dado momento e a partir de uma situação em específico se coloca perante inúmeras questões que no limite põem em causa toda a sua vida. Não só o que fazer quando descobre que o seu filho natural não é o que criou durante seis anos, mas um miúdo criado por uma família de menos recursos do que a dele, mas também o que falhou ao longo dos mesmos seis anos para que se sinta tão longe do menino que criou e ao mesmo tempo incapaz de acarinhar e aproximar-se do seu verdadeiro filho quando este vai viver com o casal natural.

Mais do que um belo filme, «Tal Pai, Tal Filho» acaba por ser um retrato da época em que foi feito (já Fritz Lang na sua extraordinária conversa com Jean-Luc Godard - Le dinosaure et le bébé -  dizia que todos os filmes são como que documentários de uma determinada época), algo que já acontecia nos filmes anteriores de Hirokazu Koreeda, onde a família é sempre o centro da trama. Os dilemas de alguém que sempre deu tudo o que tinha a dar no emprego, descurando dessa forma a família e os que o rodeiam, da esposa ao pai, passam em pano de fundo. O final é aparentemente feliz, mas não sabemos se esta experiência limite pela qual todos passaram será suficiente para algo mudar ou se tudo irá continuar na mesma. O que não mudou, de certeza, foi o olhar sereno de Koreeda perante as suas personagens, que não deixa de nos fascinar desde que vimos pela primeira vez um dos seus filmes. Mais do que recomendável, «Tal Pai, Tal Filho» é um dos filmes obrigatórios em exibição por estes dias.

Nota: 4/5

sábado, 3 de agosto de 2013

Batalha do Pacífico, de Guillermo del Toro (2013)

Os filmes sobre Kaijus (monstros marinhos, em japonês) nunca tiveram grande tradição fora do cinema oriental, mas de vez em quando surgem filmes feitos por cineastas oriundos de outras latitudes que tentam recuperar esse espírito, cujo expoente máximo (ou talvez mais popular) será a célebre série de filmes protagonizada por Gojira, também conhecido como Godzilla. Se este monstro nipónico foi recuperado no final dos anos 1990 por Roland Emmerich, com Godzilla a invadir Manhattan, desta vez foi o mexicano Guillermo del Toro a prestar homenagem ao género, com «Batalha do Pacífico», projecto que agarrou depois de abandonar a adaptação de «O Hobbit».

A abordagem de del Toro vai um pouco mais além da de Emmerich, ao focar o filme num confronto entre a Humanidade e um conjunto de monstros que emerge das profundezas do Pacífico para tomar conta do planeta Terra. A resposta dos humanos contra esta ameaça está nas mãos de um grupo de equipas especiais que controlam gigantescos robots denominados jaegers para defrontar os kaijus. O filme acompanha o confronto final, quando os governos mundiais decidem cortar os fundos desta espécie de projecto militar numa altura em que os monstros estão mais fortes do que nunca. Resta ao líder do projecto um último esforço para derrotar de vez os kaijus, com a ajuda de um antigo piloto de robots caído em desgraça, numa batalha final sem precedentes.

No seu âmago, «Batalha do Pacífico» é uma homenagem sincera a este tipo de cinema fantástico oriundo de terras orientais. Quem cresceu a ver na televisão a série Power Rangers, já uma adaptação norte-americana de um produto japonês, perceberá a lógica deste universo. Mas, tal como geralmente acontece com todas imitações, não é perfeito e acaba por falhar ao tentar alcançar a tal perfeição do material de origem. Aqui tudo é em grande e carregou-se em força no campo dos efeitos especiais para criar excelentes criaturas e robots, esquecendo-se del Toro de algo que parece andar esquecido ultimamente nos blockbusters dos últimos tempos: um equilíbrio bem conseguido entre divertimento e um lado mais sério. O que há em excesso (o lado mais sério, que dá um tom bastante negro à história), falta no campo da diversão. Não há momentos divertidos em «Batalha do Pacífico». E os que há (basicamente as cenas protagonizadas pela dupla de cientistas loucos ao serviço dos heróis e pelo enorme Ron Pearlman, com uma personagem que entra a matar mas acaba por ser desperdiçada), falham um bocado o alvo.

Uma pena, pois apesar de as expectativas em torno de «Batalha do Pacífico» não serem tão grandes quanto isso, esperávamos um pouco mais de Guillermo del Toro, um cineasta que raramente nos desiludiu no passado e regressa à cadeira de realizador cinco anos depois do segundo episódio de «Hellboy». Não é um mau filme para este Verão, onde os blockbusters têm sido bastante fracos, mas podia ser melhor tendo em conta o historial do seu autor. Se há algo que nos deixa é saudades do bom velho del Toro, que esperamos ver de novo em forma no futuro.

Nota: 3/5

segunda-feira, 27 de maio de 2013

O Grande Gatsby, de Baz Luhrmann (2013)

É fácil embirrar com um filme como «O Grande Gatsby», a versão de Baz Luhrmann do clássico escrito por Francis Scott Fitzgerald considerado por muitos como um dos grandes livros sobre o período dos loucos anos 20 do século passado e uma das principais obras da literatura norte-americana. Tal como fizera com «Romeu e Julieta», o realizador australiano continua a dar a volta às regras do jogo e recria o material de origem à sua maneira, com um estilo bastante peculiar. Se na versão da peça de Shakespeare Luhrmann traz a tragédia do bardo inglês para os dias de hoje, desta vez a acção permanece no período dos anos 1920 originais, mas, como é apanágio do cineasta, com alguns elementos estranhos à tal época. Um desses elementos é a banda sonora, onde as loucas festas por onde andam as principais personagens de «O Grande Gatsby» deixam de ter a música de época, substituída por ritmos mais actuais, com algum pendor nos ritmos hip hop.

Baz Luhrmann já tinha feito algumas 'experiências' musicais anteriormente em «Moulin Rouge», mas nesse caso o estranho até se entranha. Em «O Grande Gatsby», pelo contrário, a banda sonora acaba por não funcionar de todo e tem o efeito contrário, provocando até algum efeito de distracção que não é sequer suficiente para esconder o que o filme é: um objecto oco, onde a revisitação da obra de Fitzgerald, mesmo que seja adaptada de forma bastante fiel, é uma pálida versão do original. Numa das sequências, a festa no apartamento de Nova Iorque onde Tom se encontra com a amante, chegamos mesmo a temer começar a ouvir os acordes de «Harlem Shake», um dos fenómenos virais mais recentes.

O resto é puro estilo Luhrmann: muita cor a invadir o ecrã por todos os lados (até percebemos que se pretenda enfatizar esse lado mais excêntrico da personagem de Gatsby e das suas loucas festas, mas a partir de certa altura começa a enjoar) e pouco se entra dentro das personagens que passam pelo universo da genial obra de Fitzgerald, onde estaria o grande desafio de adaptar um livro destes. E se há livros com personagens interessantes para explorar, logo a começar pela que dá título ao livro, «O Grande Gatsby» é um desses livros. Pena que nem Leonardo DiCaprio, que podia ter sido uma boa escolha para interpretar o papel de Gatsby, consiga uma interpretação à altura de outras que conseguiu recentemente, optando por um estilo demasiado exagerado para dar vida à personagem.

Em suma, se tivéssemos de escolher uma frase para definir «O Grande Gatsby» segundo Baz Luhrmann optaríamos pelo ditado popular «muita parra e pouca uva». Mas preferimos deixar um conselho de amigo: se tiver oportunidade leia o livro, a experiência será muito melhor.

Classificação: 2/5

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Um Planeta Solitário, de Julia Loktev (2011)

Com dois anos de atraso, depois de uma passagem pela edição de 2012 do IndieLisboa, chega às salas de cinema portuguesas «Um Planeta Solitário». Nesta segunda obra de Julia Loktev a relação de um jovem casal em viagem pela Geórgia, protagonizado por Hani Furstenberg e Gael García Bernal, é posta em causa depois de um encontro acidental com membros de uma comunidade local. A partir desse estranho incidente, que coloca em risco a vida dos dois sem que o guia que os acompanha possa fazer algo (e também nunca chegamos a saber bem o que se passa, pois a única personagem capaz de entender as intenções do grupo, o próprio guia, não revela o que eles disseram), o comportamento dos dois muda e a cumplicidade da relação deixa de estar presente, como se o par tivesse passado um ponto de não retorno.

«Um Planeta Solitário» parte de uma boa premissa e conta com uma realização competente de uma cineasta praticamente desconhecida, com apenas duas outras obras no currículo, uma das quais também chegou a passar pelo IndieLisboa há uns anos. Mas acaba por falhar quando podia dar um resultado melhor. Apesar da excelente química entre o par protagonista, a que se junta uma outra boa prestação de Bidzina Gujabidze, que interpreta o guia, o filme pouco mais é do que o vaguear das três personagens pelas montanhas georgianas, que custa a arrancar (apesar de muito andarem as personagens do filme), como se Julia Loktev quisesse enfatizar a força da paisagem perante a pequenez daqueles três viajantes. E os próprios dilemas que assolam as personagens, sobretudo a partir do momento em que se dá o tal encontro com os habitantes das montanhas, são pouco explorados quando havia uma enorme margem de manobra para nos mostrarem um pouco mais das personagens.

Por muito que nos fascinem as belas paisagens do Cáucaso filmadas por Julia Loktev, o resultado final acaba por se tornar de certa forma um objecto enfadonho e «Um Planeta Solitário» mais um daqueles filmes que bem podia ter perdido alguns minutos na sala de montagem.

Classificação: 2/5

domingo, 19 de maio de 2013

Photo, de Carlos Saboga (2012)

Casos de argumentistas que arriscam saltar da escrita para a realização não são raros no mundo do Cinema. O mais recente a entrar neste clube é Carlos Saboga, que começou nestas andanças ao assinar o argumento de «O Lugar do Morto», de António-Pedro Vasconcellos, e ultimamente esteve envolvido nos argumentos de dois filmes de cariz histórico: «Mistérios de Lisboa» e «As Linhas de Wellington». «Photo» é um filme completamente diferente destes dois últimos projectos de Raul Ruiz (o segundo acabou por ser terminado pela viúva do cineasta chileno, que faleceu antes do arranque das filmagens), mas a História não deixa de estar presente. Na sua estreia na cadeira de realizador Carlos Saboga conta-nos a história de Elisa (Anna Mouglalis), uma mulher que resolve ir à procura das suas raízes depois de tomar conhecimento da morte da mãe. Essas raízes, recuperadas através de inúmeras fotografias que encontra em casa da mãe, trazem-na a Portugal para tentar descobrir quem foi o seu pai. E é em Portugal que acaba por desenterrar um punhado de fantasmas que estiveram envolvidos na luta contra a ditadura de Salazar, todos com ligações à sua mãe na década de 1970.

Não sendo um grande filme, longe disso, «Photo» consegue ser uma estreia simpática para Carlos Saboga que não se espalha ao conciliar a História com H grande e a pequena história, de algumas das personagens que a viveram, mesmo que a partir do olhar de alguém que vem duplamente de fora: Elisa não só é uma estrangeira a desenterrar fantasmas longe de casa, mas também é alguém mais novo, que não viveu os factos relatados pelos homens que estiveram ligados à sua mãe. Entre ajustes de contas com o passado e diálogos que abordam os dilemas da geração que derrotou a ditadura (são vários os comentários que apontam a uma certa crítica a quem passou da idolatria a Mao a idolatrar ideologias completamente opostas para chegar a cargos políticos - só falta dar-lhes os nomes, mas quem conhece a realidade portuguesa conhecerá sem dúvida alguns exemplos), a primeira obra de Saboga enquanto realizador não desilude, pois não vai mais além do que lhe é pedido. Talvez o seu maior defeito seja essa simplicidade e falta de medo em arriscar ir um pouco mais longe. Não será um filme para ombrear com as grandes fitas portuguesas, mas passa no teste.

Classificação: 3/5

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Só Precisamos de Amor, de Susanne Bier (2012)

É difícil encontrar nos dias de hoje um filme romântico que não caia nos clichés da lamechice. E «Só Precisamos de Amor» tinha tudo para cair nessa armadilha do género, a começar pelo título. Mas o que nos dá a dinamarquesa Susanne Bier, no filme realizado após «Num Mundo Melhor», o vencedor do Óscar para Melhor Filme Estrangeiro em 2010, é uma comédia romântica bastante sincera sobre uma cabeleireira que sofre de cancro e descobre, na véspera do casamento da filha em Itália, que o marido a trai com uma mulher bastante mais nova. A caminho do aeroporto tem um acidente que envolve o pai do futuro genro e a partir daqui nasce uma relação de amizade entre duas pessoas descontentes com o mundo à sua volta, mas com diferentes perspectivas sobre a vida.

«Só Precisamos de Amor» está a milhas de distância de outros filmes do género estreados recentemente em sala e que mais não fazem do que repetir, até à náusea, clichés e modelos que cansam. E assim de repente lembramo-nos de dois filmes visionados há poucas semanas: «O Grande Dia», de Justin Zackham, cujo elenco recheado de estrelas veteranas acaba por salvá-lo do descalabro, e «Fintar o Amor», de Gabriele Muccino, protagonizado por um Gerald Butler claramente em formato peixe fora de água (o actor está muito melhor em «Assalto à Casa Branca», um filme de acção estreado na semana passada onde um grupo de terroristas toma de assalto a residência oficial do presidente dos EUA). 

Susanne Bier podia optar por contar a história da coitadinha, que sofre de uma doença complicada e ainda tem de aguentar com a traição do marido numa altura em que devia estar mais concentrada em travar a luta contra o cancro e apoiar a filha no momento mais feliz da sua vida. Mas não o faz, preferindo contar a história de uma forma em que nada parece forçado, apesar de o primeiro encontro entre o par protagonista (composto por dois actores que se complementam na perfeição: Trine Dyrholm e Pierce Brosnan) poder indicar que estamos prestes a entrar no perigoso mundo das comédias românticas cheias de lugares comuns. É esta a única vez em que tememos pelo regresso de Bier após o sucesso alcançado com o seu filme anterior, pois tudo o resto acaba por ser uma agradável surpresa, mesmo que este não seja o género favorito por estes lados. Mas quando nos surpreendem, como aconteceu com «Só Precisamos de Amor», acabamos por gostar.

Classificação: 3/5

quinta-feira, 4 de abril de 2013

A Caça, de Thomas Vinterberg (2012)

(crítica com spoilers)
Algo vai mal no Reino da Dinamarca é uma das mais famosas expressões de «Hamlet», a popular peça de teatro de William Shakespeare. Se o bardo inglês fosse vivo e gostasse de Cinema talvez não dissesse o mesmo sobre o actual estado do cinema que se faz por terras dinamarquesas. Em poucas semanas estrearam dois bons filmes oriundos daquele país: «Um Caso Real», de Nikolaj Arcel, filme que foi a escolha dinamarquesa para os Óscares, e «A Caça», de Thomas Vinterberg. E se ambos os filmes são recomendáveis, mesmo sendo completamente diferentes e eventualmente dirigidos a públicos diferentes (um é um drama histórico e o outro um drama bastante actual), o regresso de Thomas Vinterberg, companheiro de von Trier nos tempos do Dogma 95, merece ser destacado pois é até agora a melhor obra que tive oportunidade de ver em sala este ano.

Tendo como cenário uma pequena localidade, onde todos se conhecem, o filme relata o que acontece a Lucas (Mads Mikkelsen), um funcionário de um jardim de infância, quando uma das crianças afirma ter tido contactos sexuais com ele. Numa comunidade pequena como aquela o rumor espalha-se num instante e o antigo cidadão exemplar acaba por ser posto de parte e ninguém acredita na sua versão dos acontecimentos, condenando-o por algo que não fez (uma acusação gravíssima, tendo em conta o tipo de crime de que Lucas é acusado) e com base num relato confuso. No final tudo leva a crer que o assunto ficou resolvido, a comunidade está de novo junta, mas as últimas sequências, em jeito de epílogo, provam que não será bem assim e há certas coisas que não voltarão a ser as mesmas. Por muito que as aparências nos tentem contradizer é isso que nos quer dizer aquele brilhante final na floresta, apesar de ser de certa forma previsível, onde não sabemos quem é o caçador que ataca Lucas (podia ser qualquer um dos seus amigos ou um simples membro da comunidade).

E é aqui que Vinterberg, que disse em várias entrevistas que o objectivo de «A Caça» foi mostrar uma caça às bruxas nos dias de hoje, nos leva a pensar a sério no assunto. O que se passa ali podia passar-se em qualquer sítio. Não terá sido à toa que o realizador não quis dar um nome à localidade onde decorre a acção do filme, dizemos nós. E custa levar com um murro daqueles no estômago, pois é complicado saber o que fazer numa situação daquelas, onde a vítima não foi a criança, que como se fartam de dizer os membros da comunidade, não mente, mas sim um adulto, acusado de um dos piores crimes, acusação essa que dificilmente conseguirá limpar. Fica-lhe pegada à pele, como uma tatuagem que não sai. Estar do lado da comunidade (numa das entrevistas a propósito do filme Vinterberg admite que estas são inocentes naquilo que fazem - e no fundo talvez assim seja, pois têm uma reacção que muitos julgam ser a normal num caso daqueles e querem proteger os mais fracos) ou de alguém que é acusado de ter abusado de uma criança. No nosso lugar é relativamente fácil, pois sabemos que nada se passou, mas não é fácil ajuizar a reacção daquelas pessoas, pois não sabem que o que estão a fazer tem por base uma mentira.

No meio disto tudo temos uma excelente interpretação de Mads Mikkelsen, no papel de Lucas, que dá tudo o que tem para criar aquela personagem, sem nunca parecer demasiado forçado no papel do inocente condenado por algo que não cometeu. Faz-nos lembrar, com as devidas distâncias, um outro inocente condenado por um crime que não cometeu: o Joe Wilson, de «Fúria», o clássico de Fritz Lang. Mas em «A Caça» o tema é muito mais actual e os acontecimentos relatados no filme de Vinterberg bem poderiam ter lugar noutras latitudes, pois no fundo o filme não é mais do que um retrato de uma comunidade (e porque não um retrato de pessoas) a braços com um caso específico. E dá que pensar, mesmo passadas várias horas após o visionamento, sobre o que uma mentira inocente pode fazer para destruir a vida de alguém.

Classificação: 5/5

quinta-feira, 28 de março de 2013

Sete Psicopatas, de Martin McDonagh (2012)

Quando estreou a sua primeira obra, o fabuloso «Em Bruges», Martin McDonagh provou ser dono de um refinado humor negro. Quatro anos depois o realizador britânico regressou e trouxe consigo uma dose ainda maior desse humor negríssimo, tão ao gosto das terras de sua majestade. Tal como o seu filme anterior, «Sete Psicopatas» conta com a presença de Colin Farrell no papel principal, mas como brinde o cineasta conseguiu ainda reunir um elenco de luxo onde encontramos nomes como Sam Rockwell, Christopher Walken ou Woody Harrelson, para referir apenas os nomes mais sonantes. Podíamos ainda acrescentar os nomes de Michael Pitt, Harry Dean Stanton ou Tom Waits, mas o texto acabaria por se tornar chato.

E chato não é um bom adjectivo para definir «Sete Psicopatas», a história de Marty (Farrell), um argumentista com problemas de álcool que está com dificuldades para escrever o seu próximo filme, chamado precisamente «Sete Psicopatas». É aqui que entra em cena o seu melhor amigo Billy (Rockwell), que se oferece para o ajudar a escrever o argumento. Acontece que Billy é um fura vidas que neste momento se dedica à lucrativa actividade de rapto de cães, animais que rapta para depois entregar aos seus donos e assim receber a recompensa. O negócio começa a dar para o torto quando Billy e o seu comparsa Hans (Walken) raptam o animal de estimação de Charlie (Harrelson), um gangster mau como as cobras que faz tudo para recuperar o seu cão e coloca a dupla em apuros. O pobre Marty acaba por se ver metido no meio desta embrulhada, mas a experiência acaba por ser útil na escrita do seu argumento.

No fundo «Sete Psicopatas» entra naquele género de filmes que costuma ser designado de «filme dentro do filme». À medida que a acção avança vamos travando conhecimento com a história dos sete psicopatas que serão depois as personagens do argumento de Marty. E aqui há personagens para todos os gostos: reais ou imaginárias, sempre dentro do universo do filme de Martin McDonagh. O resultado final acaba por ser uma comédia negra, que aponta em todas as direcções, e irá agradar aos amantes deste tipo de humor. Mesmo que à partida o argumento possa parecer confuso (e com tantas reviravoltas e personagens a entrar e sair do ecrã havia esse enorme risco), «Sete Psicopatas» consegue chegar incólume ao final, com todas as pontas soltas a ganharem sentido até ao arranque dos créditos finais. E com excelentes interpretações, sobretudo as de Rockwell, Walken (como há muito não o víamos) e Harrelson, que fazem deste um dos melhores filmes a chegar às salas portuguesas em 2013. E atenção às inúmeras referências cinéfilas que vão surgindo ao longo do filme.

Classificação: 4/5

terça-feira, 26 de março de 2013

Ferrugem e Osso, de Jacques Audiard (2012)

Jacques Audiard tem sido um dos melhores cineastas a sair de França nos últimos anos. Dono de uma curta, mas segura, carreira (seis filmes entre 1994 e 2012) o realizador gaulês chegou ao ano passado com a pesada tarefa de fazer algo a seguir a dois grandes filmes: «De Tanto Bater o Meu Coração Parou» e «Um Profeta». Este último valeu-lhe mesmo um mais do que merecido reconhecimento mundial ao ser nomeado para Melhor Filme Estrangeiro nos Óscares. Teve o azar de concorrer contra outra obra-prima do cinema recente: «O Laço Branco», de Michael Haneke, que acabou por conquistar a estatueta dourada. Por tudo isso, e por ser um dos realizadores favoritos cá da casa (os interessados podem seguir neste link uma espécie de especial que lhe dediquei durante a última edição da Festa do Cinema Francês, quando Jacques Audiard foi um dos homenageados), «Ferrugem e Osso» era aguardado com enormes expectativas. E como acontece na maior parte das vezes, com enormes expectativas, vêm enormes desilusões.

Dizer que «Ferrugem e Osso» é um mau filme é uma barbaridade, porque não é. Mas tendo em conta os filmes a que Audiard nos habituou ao longo da sua carreira, o seu mais recente filme acaba por saber a pouco. Muito pouco. Apesar de não fugir muito dos seus universos (a história centra-se em duas figuras que vivem à margem da sociedade dita normal), falta a «Ferrugem e Osso» uma certa tensão e nervosismo que existia nos outros filmes do cineasta, nomeadamente desde «Nos Meus Lábios», e se notava em cada plano dos três filmes anteriores de Audiard. E esta talvez seja a maior desilusão do filme, que nem a presença de Marion Coutillard (que apesar de ter uma forte interpretação, está longe do seu melhor) ajuda a melhorar um filme que se fica apenas pela mediania, precisamente por sentirmos a falta dessa tensão à flor da pele que Audiard nos habituara a sentir nos seus filmes.

Um dos principais problemas de «Ferrugem e Osso» é uma história um pouco frouxa, que ainda por cima avança aos abanões, como se alguém se tivesse esquecido de ler o capítulo 'como encadear a acção' nos manuais que ensinam a fazer bom Cinema. Esta falha faz com que certos pormenores não se percebam muito bem na história de Alain (Matthias Schoenaerts) e Stéphanie (Marion Cotillard), o par central de «Ferrugem e Osso», que fica bastante distante de outros pares presentes nas obras de Audiard (que nem sempre correspondem a um par amoroso, note-se). Este apontamento não é tanto dirigido à forma como o se optou por montar o filme, que funciona em certos filmes, mas não neste caso, onde o método se prova ineficaz. Parece-nos que ficou muito de fora por contar e acaba por ter um efeito oposto ao que talvez fosse o desejado. Mesmo que consigamos perceber por que razão determinada cena vem a seguir a outra e até faz sentido, nunca percebemos muito bem como fomos lá parar. Falta-lhe algo para conseguirmos compreender melhor o que se passa no universo de «Ferrugem e Osso».

Esta é a principal falha num filme de alguém que no passado nos habituou a obras mais seguras. Quanto à dureza do 'mundo' de Audiard, essa continua presente. Pena não estar à altura dos restantes filmes do cineasta.

Classificação: 3/5

segunda-feira, 18 de março de 2013

A Última Vez Que Vi Macau (2012) e Alvorada Vermelha (2011), de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata

«A Última Vez Que Vi Macau» é um daqueles objectos cinematográficos difíceis de catalogar. Metade documentário, metade ficção, o filme da dupla João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata leva-nos a Macau, onde ambos têm as raízes, depois de João Rui Guerra da Mata receber um pedido de ajuda por parte de uma amiga auto-exilada na antiga colónia portuguesa que se encontra em apuros. Enquanto aguarda por novo contacto da sua amiga, que se envolveu com uma misteriosa seita local, João Rui Guerra da Mata aproveita para visitar alguns dos locais da sua juventude. É entre estes dois elementos que «A Última Vez Que Vi Macau» balança: um documentário sobre o regresso a um local da juventude da dupla, fugindo do típico cartão postal que poderia ser um documentário deste tipo, e ao mesmo tempo uma aventura ficcional com alguns toques de Film Noir, onde as personagens principais são a dupla e a sua amiga. Que curiosamente são personagens que estão bastante ausentes. Tudo o que vemos são sombras, sons dos locais à medida que a história é contada pelo narrador, o próprio Guerra da Mata.

E se a premissa inicial podia ter tudo para dar mau resultado (juntar dois elementos completamente diferentes no mesmo filme poderia facilmente resultar em algo que não é carne, nem peixe), o resultado final acaba por ser uma aposta ganha. «A Última Vez Que Vi Macau» consegue escapar aos clichés do documentário de regresso às origens, sem querer puxar por um sentimento de nostalgia por uma antiga colónia portuguesa à força (que não há no filme, onde apenas vemos imagens da Macau que faz parte do imaginário da infância de Guerra da Mata e não a Macau histórica ou dos casinos), imprimindo-lhe um tom diferente do habitual, graças aos tons Noir que vão surgindo na segunda narrativa, relativa ao desaparecimento da amiga.

Classificação: 4/5

A acompanhar a estreia comercial do filme está a ser projectada a curta-metragem «Alvorada Vermelha», também assinada a meias pelos dois realizadores portugueses. Aqui entramos no domínio do documentário puro para vermos o que se passa no Mercado Vermelho de Macau. Filmada em Fevereiro de 2011, a curta é um olhar dos dois realizadores sobre aquele espaço macaense, onde há de tudo, tal como num mercado normal. Sem qualquer tipo de narração e utilizando quase sempre planos fixos, «Alvorada Vermelha» é como que um retrato filmado do Mercado Vermelho e as rotinas dos que lá trabalham.

Por vezes demasiado visceral, sobretudo para quem possa ser mais sensível a imagens mais fortes (há por aqui muitos animais vivos a serem mortos à frente da câmara), a curta funciona na perfeição como complemento a «A Última Vez Que Vi Macau». Até porque ambos os filmes partilham um plano singular de um sapato de salto alto e a homenagem a Jane Russell, estrela de «Macau», o célebre Noir realizado por Josef von Sternberg em 1952 (mais explícita em «Alvorada Vermelha» do que em «A Última Vez Que Vi Macau»). Mas apenas há-de ser bem apreciada pelos adeptos do documentário. Quem não o for, como é o caso do autor deste blogue, poderá não gostar tanto deste prato de entrada para o regresso a Macau de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata.

Classificação: 3/5

sábado, 16 de fevereiro de 2013

The Master - O Mentor, de Paul Thomas Anderson (2012)

Verdade seja dita: depois de «Haverá Sangue», filme que por estes lados é considerado um dos melhores títulos norte-americanos da década passada, as expectativas em torno da chegada de «The Master - O Mentor» estavam elevadíssimas. A presença de dois excelentes actores no elenco (Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman) apenas ajudou a aumentar essas mesmas expectativas e no final da sessão o novo filme de Paul Thomas Anderson acabou por saber a pouco e a sensação de desilusão ficou no ar. Não que «The Master - O Mentor» seja um filme fraco. Não é. É um daqueles filmes que respira Cinema por todos os frames e tomara muitos realizadores actualmente levarem a cabo uma obra destas. Mas tendo em conta o que Thomas Anderson fez no passado, este ficou bastante aquém do que seria esperado.

A grande falha reside sobretudo num argumento um pouco atabalhoado, que torna a história de Freddie Quell (Phoenix num excelente regresso ao activo), um marinheiro veterano da II Guerra Mundial com problemas mentais e de álcool que tenta regressar à 'vida normal' em sociedade, mas sem grande sucesso, ainda mais confusa do que a cabeça da personagem principal. «The Master - O Mentor» podia ter sido um excelente filme se não se tivesse perdido entre a história de Freddie e a história de uma misteriosa seita liderada por Lancaster Dodd (Seymour Hoffman, também a assinar uma interpretação notável), conhecido como o Mestre (não se entende como os tradutores portugueses chamam Mestre à personagem e Mentor ao título do filme...). Quando estas duas personagens, bastante contraditórias entre si, se cruzam, o Mestre acaba por tornar Freddie a sua cobaia e é nele que vai testando alguns dos métodos utilizados nas sessões públicas onde apresenta a sua causa. Apesar de ambos os arcos narrativos terem algum potencial para andar por si só, nenhuma acaba por ser explorada bem para dar um objecto coeso e muito fica por explicar, tal como acontece com as estranhas teorias de Lancaster Dodd. E é aqui que Paul Thomas Anderson falha as expectativas.

O que é pena, pois «The Master - O Mentor» está em alta em todos os outros pontos. Ambos os protagonistas têm interpretações soberbas, sobretudo Joaquin Phoenix, que faz esquecer o seu passado recente e aquele que podia ter sido o suicídio da sua carreira enquanto actor (sim, Joaquin, estou a falar dessa experiência chamada «I'm Still Here»). A banda sonora, uma vez mais assinada por Jonny Greenwood, o guitarrista dos Radiohead que se tinha estreado nestas andanças do Cinema com a partitura de «Haverá Sangue», está bastante bem conseguida, com os seus tons minimalistas a fazerem todo o sentido ao longo da narrativa. A juntar a estes dois elementos temos ainda uma fotografia belíssima, que não fica nada atrás dos anteriores filmes de Thomas Anderson.

O elo mais fraco é mesmo a forma como a história é contada, que faz com que «The Master - O Mentor» não esteja ao nível de outras obras do realizador, como o já referido «Haverá Sangue» ou «Jogos de Prazer». Mesmo assim, não deixa de ser curioso que apesar das suas falhas continue a ser um daqueles filmes que lhe reconhecemos inúmeras qualidades e o colocam acima da mediania da produção de Hollywood nos dias de hoje. Talvez no futuro, num segundo visionamento mais distante da experiência de ter visto essa obra-prima chamada «Haverá Sangue», a minha opinião em torno de «The Master - O Mentor» seja melhor. Para já é esta.

Classificação: 3/5

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Lincoln, de Steven Spielberg (2012)

De vez em quando Steven Spielberg põe de parte o seu lado de contador de histórias para se focar na História com H grande. É o que acontece em «Lincoln», o seu mais recente filme, que este ano caiu nas boas graças da Academia e amealhou o maior número de nomeações para os Óscares. Nesta sua mais recente obra o realizador de «ET» adapta um livro sobre Abraham Lincoln (Daniel Day-Lewis), concentrando-se nos últimos quatro meses da vida daquele que foi um dos mais carismáticos presidentes dos EUA, para retratar dois episódios que ficaram para a História dos EUA: a assinatura da 13ª Emenda da Constituição, que previa a abolição da escravatura, e o fim da Guerra Civil, travada entre os estados do Norte e os secessionistas do Sul com base precisamente na questão da escravatura.

Curiosamente este não é o único filme a chegar à corrida pelas estatuetas douradas mais ambicionadas do ano (pelo menos em Hollywood) que aborda a escravatura. Quentin Tarantino também o fez em «Django Libertado» e com ele conquistou também um bom lote de nomeações. Mas o filme de Spielberg pouco ou nada tem a ver com o western de Tarantino, a começar pelo facto de ser um filme que se quer mais sério, bem longe do olhar mais lúdico sobre este tema, tão ao gosto da veia tarantinesca. E é isso que «Lincoln» é, sem tirar nem pôr. Um drama histórico, baseado em fortes interpretações, não só a de Day-Lewis, que uma vez mais consegue uma interpretação fenomenal, que nos convence mesmo que estamos perante Lincoln himself e não um actor a fazer de uma determinada personagem, mas também de um excelente cast secundário, onde se destaca Tommy Lee Jones, também ele numa das suas melhores interpretações e a merecer totalmente a nomeação que a Academia lhe deu (a quarta, terceira enquanto Melhor Actor Secundário).

Mas, se as interpretações e a reconstituição da época retratadas são os pontos fortes de «Lincoln», onde o novo filme de Spielberg acaba por perder pontos é numa das histórias paralelas. Os melhores momentos de «Lincoln» surgem curiosamente na parte onde o filme se poderia tornar um pastelão, daqueles de difícil digestão: as manobras de bastidores para tentar convencer os membros do Congresso a votarem favoravelmente a proposta do presidente antes que esta seja condenada, caso os estados secessionistas do Sul voltem a esse mesmo Congresso no final da Guerra Civil que está iminente com a assinatura de um tratado que irá colocar um ponto final ao conflito. Esta parte do filme é a que lhe dá força durante as duas horas e meia de duração.

Já o lado mais pessoal e familiar de Abraham Lincoln, que tem de lidar com uma esposa agarrada à morte de um dos filhos do casal e um outro filho que insiste em alistar-se no exército, mesmo contra o desejo dos pais, acaba por ser o elo mais fraco de «Lincoln». Não há interpretações de luxo (como a de Sally Field, por exemplo, mais uma excelente interpretação neste filme) que salvem esta parte do filme, mais maçuda e um pouco à margem de tudo o resto. Desta vez o olhar de Spielberg, que sempre se deu bem com as histórias de família, não resultou da melhor maneira. E «Lincoln» passou ao lado do grande filme que poderia ter sido, apesar de ser suficientemente bom para fazer esquecer o anterior «Cavalo de Guerra».

Classificação: 4/5

domingo, 27 de janeiro de 2013

Django Libertado, de Quentin Tarantino (2012)

Chegamos ao início de 2013 com a estreia de um dos filmes mais aguardados por muito boa gente. Ao nono filme Quentin Tarantino resolveu fazer o que melhor sabe e atirar-se de cabeça a mais um dos seus géneros favoritos. Desta vez a escolha foi o western mas, ao contrário do que muitos pensaram, o novo filme de Quentin Tarantino não é uma homenagem apenas aos western spaghettis de culto, apesar de as influências também estarem por lá para quem quiser ir à procura delas. A começar logo pelo título: «Django Libertado». Arriscaria mesmo dizer que tem mais de spaghetti (salvo seja) a brilhante sequência inicial de «Sacanas Sem Lei» do que todo o «Django Libertado».

A história do novo filme do autor de «Pulp Fiction» é simples e conta-se em poucas linhas. Depois de ser libertado pelo dentista/caçador de prémios Dr. King Schultz (Christoph Waltz) o escravo Django (Jamie Foxx) junta esforços ao seu novo amigo para ir à procura da sua esposa e tentar libertá-la do destino da escravidão, assunto que acabou por se tornar um dos temas fortes e mais polémicos do filme quando se fala dele. E se o realizador tem sido criticado pela forma como abordou este tema sensível há uma frase dita por Django, quase que profetizando essas mesmas críticas, que talvez justifique o ódio e as críticas que o filme tem gerado, quando às tantas a personagem principal do filme diz ao vilão de serviço que já está habituado aos costumes dos americanos à época, por isso não se sente tão chocado quanto o seu comparsa alemão, talvez habituado a costumes mais civilizados. Quiçá esta ferroada no orgulho americano tenha doído tanto a alguns que gostam de limpar a História para debaixo do tapete.

Mas o que Tarantino nos mostra é sobretudo a senda deste par de anti-heróis ao longo de quase três horas que não pesam tanto quanto isso. E o que é «Django Libertado»? Tudo aquilo que seria de esperar de um western feito por Quentin Tarantino: violência a rodos (não se percebe o porquê de tanto alarido em relação a este elemento do filme, quando a violência é algo que sempre fez parte do universo de Tarantino), sequências bem filmadas (a morte dos Brittle ou o massacre em casa de Calvin Candie, são dois dos exemplos maiores), personagens marcantes (sobretudo os três secundários: o já referido Dr. King Schultz, Stephen e Calvin Candie, interpretados por Samuel L. Jackson e Leonardo DiCaprio, respectivamente) e diálogos com frases que ficam na memória.

Contudo, «Django Libertado» não é um filme perfeito e está longe do melhor que Tarantino já nos deu. A começar por uma personagem principal que acaba por ser um pouco abafada pelo elenco secundário e não tem o carisma de, por exemplo, A Noiva de «Kill Bill», para referir um filme do cineasta com algumas semelhanças em relação a este western. Por muito que se tenha esforçado Jamie Foxx não consegue estar à altura de Christoph Waltz, que surge num registo bastante parecido ao anterior Hans Landa de «Sacanas Sem Lei», e muito menos de DiCaprio, um dos grandes injustiçados nas nomeações aos Óscares deste ano (o que será que falta ao actor fazer para cair nas boas graças da Academia?), que criou um dos vilões mais bem conseguidos da obra de Tarantino.

E depois temos alguns elementos que parecem um bocado fora do baralho, desde a sequência da perseguição dos encapuçados ao duo protagonista (tem piada, é certo, mas é um autêntico OVNI dentro do filme, no sentido em que o tom de comédia pura destoa um bocado de tudo o resto, e bem podia ter ficado na sala de montagem à espera de ser incluído como extra na previsível edição em DVD do filme) à utilização de hip hop numa das cenas capitais do filme, que sem som ficaria excelente, se não mesmo perfeita: a sequência final do massacre em casa de Calvin Candie (não é preciso ir mais longe, Sam Peckimpah fez algo semelhante em «A Quadrilha Selvagem» e com um resultado muito melhor). Por fim, o cameo de Quentin Tarantino é um pouco sofrível, que desta vez deveria ter ficado apenas atrás das câmaras.

Dito isto e para concluir um texto que já vai longo, «Django Libertado» é um filme que todos os fãs do cinema de Tarantino vão gostar, mas não deixa de ser mais do mesmo. Um filme competente, não há dúvidas em relação a isso, e uma boa homenagem a um determinado género, mas que muito provavelmente apenas irá agradar a 100 por cento aos que, como alguém disse há alguns anos e foi bastante criticado por causa disso, acreditam ou pensam que o Cinema nasceu com o autor de «Cães Danados». Não começou e há muito para conhecer antes dele. Mas se um filme como «Django Libertado» servir para estes cinéfilos irem atrás de um dos géneros históricos do cinema norte-americano, que tem centenas de obras à espera de serem (re)descobertas (este meu post de ontem, escrito um bocado a quente no final da visualização do filme de Tarantino, contém muito poucos exemplos), já é muito bom. E enquanto divertimento, mesmo partindo de um tema muito sério e pesado, «Django Libertado» também não vai nada mal.

Nota:3/5

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

00:30 A Hora Negra, de Kathryn Bigelow (2012)

A chamada Guerra ao Terror volta a estar no centro do mais recente filme de Kathryn Bigelow. Depois de ter conquistado os Óscares em 2008, com «Estado de Guerra», a realizadora norte-americana voltou ao teatro de operações, desta vez para nos mostrar por dentro os detalhes da caça a Osama Bin Laden, o líder da Al-Qaeda responsável por um dos mais terríveis ataques terroristas de sempre, que resultou na morte de cerca de 3 mil pessoas: os ataques às Torres Gémeas. E é precisamente no dia 11 de Setembro de 2001 que começa «00:30 A Hora Negra», com um fundo negro e as vozes de gravações de algumas das vítimas do que se passou naquele trágico dia em Nova Iorque, vozes essas cuja audição ainda hoje causa arrepios. As imagens dos ataques ficaram de fora, mas o impacto está lá.

Depois desta ligação à realidade, em jeito de prólogo, começa a ficção, baseada em factos relatados em primeira mão, segundo uma nota que surge no início do filme. A caça ao homem relatada em «00:30 A Hora Negra» arranca a sério num local desconhecido onde um prisioneiro é interrogado e torturado por agentes da CIA à procura de pistas que possam ajudar a identificar o paradeiro daquele que era na altura o homem mais procurado do mundo. A partir daqui o filme acompanha o trabalho da equipa de agentes que procura Bin Laden, nos vários cenários onde a investigação decorre, desde as cidades paquistanesas às bases da CIA escondidas na Europa, passando pelos corredores de Washington onde se decide o que fazer com os resultados da investigação, nem sempre baseados em factos concretos.

Como não poderia deixar de ser, um filme que abordasse este tema dificilmente iria escapar a alguma polémica, sobretudo se nos lembrarmos que ainda não passaram dois anos desde que Bin Laden foi morto durante a operação que é retratada no final do filme. Acusado de ser defensor dos métodos de tortura por uns ou simples propaganda por outros, o novo filme de Bigelow acaba por não defraudar as expectativas dos fãs da cineasta. Polémicas à parte, «00:30 A Hora Negra» é apenas um retrato de uma operação de dez anos que culminou na morte do líder da Al-Qaeda. Fiel ou não nunca saberemos, mas o filme de Bigelow consegue cativar-nos tanto nas cenas de bastidores, num registo próximo do documentário, como nas cenas de acção, como é a meia hora final do assalto ao reduto de Bin Laden, que nos faz lembrar a espaços a tensão de «Estado de Guerra» e de outros filmes da cineasta. E o que podia ser algum desequilíbrio entre os dois tipos de cenários (bastidores e operações no terreno) mal se nota, no que acaba por ser um dos melhores aspectos do filme de Bigelow, que bem poderia ter estado no lote dos cinco realizadores nomeados para a estatueta dourada.

Merecida é a nomeação de Jessica Chastain, que carrega o filme às costas e prova uma vez mais ser uma das grandes actrizes norte-americanas que surgiu nos últimos anos. Desta vez num registo diferente do que tem feito noutros filmes, a actriz mostra uma faceta mais fria em relação a esses papéis anteriores e representa na perfeição uma agente que não olha a meios e enfrenta tudo e todos para atingir o seu objectivo, apostando tudo mesmo quando as probabilidades de sucesso são uma incógnita.

Classificação: 4/5

domingo, 13 de janeiro de 2013

Decisão de Risco, de Robert Zemeckis (2012)

Há cerca de dez anos atrás Robert Zemeckis resolveu começar a realizar filmes em animação digital. Desde 2000, ano de estreia de «O Náufrago» e «A Verdade Escondida», o responsável pela popular série «Regresso ao Futuro» apresentou três longas metragens animadas, terreno que não lhe era de todo desconhecido. Basta recordarmos o extraordinário «Quem Tramou Roger Rabbit?», ainda hoje um dos grandes clássicos dos anos 1980. No final do ano passado chegou às salas norte-americanas «Decisão de Risco», o seu mais recente trabalho e o regresso à imagem real. Neste filme, que seria o filme ideal para um domingo à tarde, se a maior parte dos filmes que passam num domingo à tarde na televisão fosse minimamente decente, Whip Whitaker (Denzel Washington) é um piloto de avião que se torna o herói do dia depois de conseguir salvar a vida à maior parte dos passageiros e tripulação que viajavam no voo 227, através de uma manobra bastante arrojada. O pior acontece no dia em que uma investigação ao incidente descobre que Whip tinha consumido álcool e drogas antes de entrar no avião que ia pilotar.

«Decisão de Risco» acompanha o piloto no seu dia-a-dia após o acidente que o tornou herói e a sua luta contra o alcoolismo, ao mesmo tempo que decorre a investigação no final da qual pode vir a ser condenado a uma pena de prisão, se se provar que Whip estava alcoolizado no dia em que tinha era responsável pelo voo 227. E não sendo o típico feel good movie para agradar às audiências à espera de deixarem cair uma pequena lágrima no final, e talvez por isso não tenha caído nas boas graças da Academia que apenas o nomeou em duas categorias na presente edição dos Óscares (Melhor Actor Principal e Argumento Original), este regresso de Zemeckis à live action é uma boa surpresa. Ancorado numa excelente interpretação de Denzel Washington, que merece justamente a nomeação para as estatuetas douradas, o filme aborda mais as questões com que se debate alguém viciado no álcool do que a investigação propriamente dita. Ao lado do protagonista, não há como deixar em claro a prestação de um bom conjunto de secundários, a começar por John Goodman (por onde terá andado este excelente actor nos últimos anos, perguntamos nós quando o vemos entrar em cena pela primeira vez) e Kelly Reilly (uma das actrizes de «A Residência Espanhola», que tem vindo a cimentar uma curiosa carreira desde então).

O resultado final é um filme simples, que deixa de lado questões mais complicadas relacionadas com a investigação e a audiência ao piloto, que podiam ser outro dos 'ângulos de abordagem' do filme, mas certamente mais chatos (ou difíceis de lidar, pelo menos, para tornar «Decisão de Risco» menos maçudo) para se focar no lado humano de alguém que é visto por todos como herói, mas afinal tem um lado negro escondido. E este lado é sempre mostrado, até ao final, para que nos caiba a nós decidir se Whip é o herói ou o vilão da história.

Classificação: 3/5