domingo, 30 de setembro de 2012

Cirkus Columbia, de Danis Tanovic (2010)


Há pouco mais de dez anos o nome de Danis Tanovic saltou para os holofotes da fama ao arrecadar inúmeros prémios, entre os quais o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, com a sua estreia «Terra de Ninguém», um drama passado nas trincheiras da Guerra da Jugoslávia. O conflito que marcou a Europa na década de 1990 volta a estar representado no mais recente filme do bósnio, mas desta vez a guerra ainda não ganhou os contornos que iria ganhar mais tarde. O próprio filme, apesar de também ser um pouco dramático, tem uma base um pouco mais leve e com tons de comédia que quase que podiam remeter para um filme de Emir Kusturica, sem todo o exagero do universo do autor de «Underground».

Tudo se passa no período imediatamente anterior ao início do conflito, quando Divko (Miki Manojlovic) regressa à sua terra natal, rico e com esperança de iniciar uma nova vida, depois de um longo período na Alemanha para onde fugiu devido a questões políticas. Consigo vem a jovem Azra (Jelena Stupljanin), com quem pretende casar depois de conseguir obter o divórcio da sua esposa. Este regresso do filho pródigo vai desencadear um conjunto de episódios e a memória de tempos passados leva o caos à pequena localidade onde decorre a acção. Em pano de fundo começa a aumentar a tensão entre os grupos étnicos que irá levar mais tarde à Guerra da Jugoslávia.

«Cirkus Columbia» é o retrato de uma comunidade que vive tempos conturbados, contado a partir deste regresso de Divko, num registo de comédia com tons de drama. Sem nunca abusar num estilo burlesco, que se nota mais no cinema do já referido Kusturica, este é um filme que aborda questões complexas, algumas das quais ainda estão vivas na memória dos países da ex-Jugoslávia, envolvendo não só a família de Divko, mas também a própria comunidade. A forma como são tratados os assuntos burocráticos por parte do presidente da Câmara ou a entrada em cena dos militares são bons exemplos de uma certa crítica aos costumes da altura.

Ancorado em boas interpretações, nomeadamente a de Miki Manojlovic e a de Boris Ler, que interpreta o filho de Divko, Martin, «Cirkus Columbia» apenas peca por ter uma história pouco desenvolvida e que poderia ir mais fundo no desenvolvimento das personagens, o que o coloca uns furinhos abaixo de «Terra de Ninguém».

Classificação: 3/5

Os novos Suspeitos do Costume




Não, estes não são os elencos de um possível remake do filme «Os Suspeitos do Costume», apesar de os remakes de filmes de culto estarem um pouco na moda em Hollywood. Apenas versões alternativas dos posters do filme de Bryan Singer com personagens de filmes de terror.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Crime e Pecado, de Rowan Joffe (2010)

Dois anos depois, chega às salas portuguesas «Crime e Pecado», a estreia na realização de Rowan Joffe, responsável por argumentos de filmes como «O Americano» ou «28 Semanas Depois». Para a sua primeira obra o filho de Roland Joffe escolheu realizar um remake de «Brighton Rock», um filme de John Boulting de 1947, desconhecido por estes lados, mas que tem boas referências e eventualmente será visto no futuro, tal é a curiosidade que alguns comentários têm gerado.

Centremos então as atenções na estreia de Rowan Joffe, que começa bem o filme, com uma bela cena que dá mote a todo o filme: a morte do líder de um grupo de criminosos de Brighton às mãos de um gangue rival, numa sequência bem filmada e com banda sonora a condizer. Banda sonora que neste início do filme está quase perfeita, com um assobio sinistro q.b., mas aos poucos começa a perder um pouco a sua força. Na tentativa de vingar a morte do chefe, os restantes elementos do grupo vão atrás do executor e a perseguição acaba também com a morte deste. Contudo, antes de a vingança ser posta em prática surge no meio dos planos a jovem Rose (Andrea Riseborough) que testemunha indirectamente o crime. É nesta relação entre Rose e Pinkie (Sam Riley), um dos membros do grupo que pretende substituir o chefe assassinado no início do filme, custe o que custar, que vai estar concentrado o resto do filme, pois Pinkie tenta silenciar Rose, sem olhar a meios.

Tecnicamente «Crime e Pecado» é uma boa estreia, mas o resultado final parece um objecto sem alma. Temos uma boa recriação de época, sobretudo na forma como explora os confrontos entre Mods e Rockers na Inglaterra dos anos 1960 numa das cenas, acompanhada por uma boa fotografia, mas o argumento acaba por ser um pouco vazio e confuso. Tudo avança demasiado depressa, sem que as personagens sejam devidamente exploradas, mesmo que tenham personalidades bastante fortes e vincadas, como é o caso do próprio Pinkie, uma personagem que merecia mais, apesar de a interpretação de Sam Riley estar assombrosa. Nem sequer vale a pena referir a maior parte dos secundários, que mal tem tempo para respirar.

Falta qualquer coisa neste remake para estarmos perante um grande filme ou pelo menos para ser um daqueles filmes que nos lembremos daqui por uns tempos, quando quisermos dar exemplos de bons filmes sobre criminosos. Mas tal não significa que «Crime e Pecado» não tenha bons indícios para manter Rowan Joffe debaixo de olho numa futura longa-metragem. É esperar para ver.

Classificação: 3/5

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola (1979)

A loucura da guerra ou a loucura do Homem. É difícil identificar o tema principal de «Apocalypse Now», um dos filmes com a rodagem mais atribulada na carreira de Francis Ford Coppola. Levemente inspirado no livro «Corações das Trevas», de Joseph Conrad, o filme leva-nos aos confins da Guerra do Vietname onde o Capitão Willard (Martin Sheen), farto de estar fechado num quarto de hotel em Saigão, recebe a missão de encontrar e assassinar o Coronel Kurtz (Marlon Brando), um militar norte-americano que desertou do Exército.

Tal como referi no início do texto, não é fácil identificar um único tema nesta obra-prima do realizador da saga «O Padrinho», tal é a variedade de questões que nos são colocadas. Podíamos pegar na personagem de Willard, que quis voltar à guerra porque já não conseguia estar nos EUA depois de ter passado por uma primeira experiência no Vietname, ou na complexidade de Kurtz e o seu assombroso discurso final, passando pela própria guerra que se encontra em pano de fundo com as inúmeras personagens secundárias, quase todas memoráveis. E sim, tenente Kilgore (Robert Duvall), estou a lembrar-me de ti e de como gostas de sentir o cheiro do napalm pela manhã.

Apesar de todas as contrariedades que envolveram a produção de «Apocalypse Now», com problemas atrás de problemas a porem em risco aquele que será um dos melhores e mais ousados filmes que retrataram a Guerra do Vietname, e exemplos de filmes que lidaram com este conflito não faltam, aquilo que vemos neste brilhante filme de Coppola é ao mesmo tempo um excelente retrato daquela época, sem nunca criticar ou vangloriar um determinado ponto de vista, seja favorável ou contrário à violência. Aguentar as mais de 3 horas de «Apocalypse Now», na sua versão redux, editada e lançada posteriormente por Coppola, é quase como ir ao Inferno e voltar para contar. Mas é uma daquelas viagens que vale bem a pena fazer.

Classificação: 5/5

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Para Roma com Amor, de Woody Allen (2012)

Woody Allen é como o Natal: goste-se ou não, sabemos que uma vez por ano temos sempre direito a uma aparição do cineasta nova-iorquino. Desta vez, continuando a explorar a sua 'fase europeia', Allen leva-nos a Roma, cidade onde têm lugar quatro histórias diferentes protagonizadas por personagens que vivem na capital italiana ou vêm de fora, umas para recordar o passado, outras para conhecerem novos familiares ou a cidade. Cada uma destas histórias explora diferentes aspectos e faz lembrar um pouco certos filmes de sketches que já foram populares no Cinema italiano, com a diferença de que neste caso as histórias são contadas em simultâneo, apesar de o tempo da acção não coincidir (há histórias que decorrem durante um dia e outras que têm uma maior duração), e não em separado, como se fossem episódios.

E temos um pouco de tudo em «Para Roma com Amor»: uma história inspirada em «Sheik Branco», o primeiro filme realizado por Fellini a solo, que pode ser vista quase como uma homenagem ao realizador italiano, um episódio sobre relações (o episódio protagonizado por Jesse Eisenberg e Ellen Page) e que talvez seja o mais Alleniano dos segmentos, uma sátira à forma como os italianos lidam com a fama, onde um pobre cidadão comum passa a famoso de um dia para o outro (um regresso em grande forma do desaparecido Roberto Benigni) e um quarto episódio que conta com a presença de Woody Allen em mais um dos seus típicos papéis de neurótico, algo que já não acontecia desde 2006, mas é sempre um prazer ver, pois sentimos que estamos na presença de um velho amigo que já não encontramos há anos.

Mas se as histórias até têm partes curiosas, que nos fazem rir com coisas sérias, e as interpretações estão todas no sítio certo, características habituais nos filmes de Woody Allen (salvo raras excepções), esta dispersão acaba por prejudicar o resultado final de «Para Roma com Amor», sobretudo por um aspecto que, a meu ver, joga contra o filme: a opção de contar os quatro episódios em simultâneo, como se de um filme mosaico se tratasse, onde no final todas as personagens se encontram por um acaso do destino, algo que não é. A mais recente obra do cineasta nova-iorquino talvez tivesse tido melhor resultado se seguisse pelo estilo tradicional dos episódios contados cada um à sua vez. Assim acaba por ser um objecto algo confuso e pouco coeso. E todos os episódios podiam ter sido explorados como apenas um filme e ao serem encurtados acabam por perder alguma força. Em suma, «Para Roma com Amor» é um filme que irá agradar aos fãs de Woody Allen, mas não deixa de ser isso: apenas mais um filme de Woody Allen.


Classificação: 3/5

domingo, 23 de setembro de 2012

10 Filmes: Vampiros

O objectivo desta rubrica é apresentar 10 filmes temáticos. Não são necessariamente obras-primas, nem estes posts pretendem ser tops definitivos. A ordem é a cronológica, precisamente para não dar mais ou menos destaque a um determinado filme. São simplesmente os dez primeiros filmes que me vieram à cabeça sobre um determinado tema e quase todos bastante recomendáveis. A proposta de hoje são filmes protagonizados por vampiros. Convido-vos também, se quiserem, a partilharem na caixa de comentários outras propostas. Estas são as minhas:
Nosferatu, o Vampiro, de F. W. Murnau (1922)

Drácula, de Tod Browning (1931)

Vampiro, de Carl Theodor Dreyer (1932)

O Horror de Drácula, de Terence Fisher (1958)

Por Favor Não Me Morda o Pescoço, de Roman Polanski (1967)


Blacula, de William Crain (1972)

Fome de Viver, de Tony Scott (1983)

Drácula de Bram Stoker, de Francis Ford Coppola (1992) 

Vampiros, de John Carpenter (1998) 

Sombras da Escuridão, de Tim Burton (2012)

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

E o Cinema Mudo, esqueceram-se?

Foi hoje apresentado o muito falado Plano Nacional de Cinema, uma iniciativa da Secretaria de Estado da Cultura e do Ministério da Educação e da Ciência cujos principais objectivos serão promover a formação de novos públicos e combater a iliteracia em relação ao Cinema. Não pretendo com este post criticar ou não o mérito da iniciativa, à qual desejo os melhores resultados pois toda e qualquer iniciativa destinada a incentivar os mais novos a gostarem de Arte, seja ela qual for, é bem-vinda. Mas neste caso concreto, no qual vão participar numa espécie de ano-piloto 23 escolas espalhadas pelo país, a lista suscita desde já algumas dúvidas, a começar por uma.

Se o objectivo é incentivar a descoberta do Cinema (ainda não consegui perceber em que moldes e se os filmes vão ser apenas projectados ou também discutidos e apresentados, para que os espectadores saibam pelo menos o contexto em que foram feitos ou a sua importância para estarem no dito Plano) onde está o Cinema Mudo? Aparentemente deste período os autores das escolhas apenas conhecem Chaplin, Mélies, Manoel de Oliveira e um documentário de Aurélio Paz dos Reis, um dos pioneiros do Cinema em Portugal. Tudo o resto, desde Keaton a Griffith, passando pelo expressionismo alemão ao cinema soviético, para focar apenas géneros mais importantes deste período, ficou na gaveta.

Já para não falar que não há um único exemplo do cinema italiano do pós-guerra, nomeadamente o neo-realismo, e mesmo os exemplos do cinema clássico norte-americano são escassos. Destaca-se contudo a presença de obras portuguesas, que estão em grande maioria e bem representadas. Mas se é com esta lista que pretendem levar os mais novos a gostar da Sétima Arte, temo que o efeito não será alcançado. Depois deste pequeno desabafo, resta deixar-vos a lista completa dos filmes presentes no plano:

(texto actualizado com a referência a Manoel de Oliveira na lista dos autores de filmes mudos)

"Estória do Gato e da Lua", de Pedro Serrazina (Potugal, 1995)
"O Estranho Mundo de Jack", de Henry Selick (EUA, 1993)
"A Bola", de Orlando Mesquita Lima (Moçambique, 2001)
"Com Quase Nada", de Margarida Cardoso e Carlos Barroco (Portugal e Cabo Verde, 2000)
"Aniki-Bobó", de Manoel de Oliveira (Portugal, 1942)
"As coisas lá de Casa", de José Miguel Ribeiro (Portugal, 2003)
"O Garoto de Charlot", de Charles Chaplin (EUA, 1921)
"ET, o Extraterrestre", de Steven Spielberg (EUA, 1982)
"Diz-me Onde Fica a Casa do Meu Amigo", de Abbas Kiarostami (Irão, 1987)
"História Trágica com Final Feliz", de Regina Pessoa (Portugal, 2005)
"A Noiva Cadáver", de Tim Burton (EUA, 2005)
"Saída de Pessoal Operário da Camisaria Confiança", de Aurélio da Paz dos Reis (Portugal, 1896)
"A Invenção de Hugo", de Martin Scorsese (EUA, 2011)
"Serenata à Chuva", de Stanley Donen (EUA, 1952)
"Shane", de George Stevens (EUA, 1953)
"Adeus, Pai", de Luís Filipe Rocha (Portugal, 1996)
"Eduardo, Mãos de Tesoura", de Tim Burton (EUA, 1990)
"Romeu + Julieta", de Baz Luhrman (EUA, 1996)
"A Suspeita", de José Miguel Ribeiro (Portugal, 1999)
"O Barão", de Edgar Pêra (Portugal, 2011)
"Um Outro País", de Sérgio Tréfault (Portugal, 1999)
"Persepolis", de Marjane Satrapi e Vicent Paronnaud (França, 2004)
"A Noite", de Regina Pessoa (Portugal, 1999)
"Douro, Faina Fluvial", de Manoel de Oliveira (Portugal, 1931)
"Jaime", de António Reis (Portugal, 1974)
"Rafa", de João Salaviza (Portugal, 2012)
"Luzes na Cidade", de Charles Chaplin (EUA, 1931)
"Os 400 Golpes", de François Truffaut (França, 1959)
"Senhor X", de Gonçalo Galvão Teles (Portugal, 2010)
"A Esquiva", de Abdelatlif Kechiche (França, 2004)
"Belarmino", de Fernando Lopes (Portugal, 1964)
"Fado Lusitano", de Abi Feijó (Portugal, 1995)
"Os Respigadores e a Respigadora", de Agnès Varda (França, 2000)
"Viagem à Lua", de Georges Méliès (França, 1902)
"Os Salteadores", de Abi Feijó (Portugal, 1993)
"A Cortina Rasgada", de Alfred Hitchcock (EUA, 1966)

Descubra as diferenças #1

 O Beijo Fatal, de Robert Aldrich (1955)

Pulp Fiction, de Quentin Tarantino (1994)

Com esta rubrica, que irá surgir regularmente consoante as minhas descobertas cinéfilas, pretendo apresentar algumas cenas semelhantes que aparecem em diferentes filmes. Para começar nada como escolher uma cena de um filme de Quentin Tarantino, realizador que actualmente é capaz de ser o melhor na arte de 'pilhar' cenas dos seus filmes favoritos para as integrar nas suas obras. Neste caso a cena pertence a «Pulp Fiction» e envolve uma estranha mala que Jules (Samuel L. Jackson) e Vincent (John Travolta) vão buscar a casa de um grupo de jovens que enganaram o seu patrão, Marsellus Wallace (Ving Rhames). O conteúdo da mala, que irradia uma estranha luz, nunca é desvendado e ainda hoje os fãs do filme debatem o que estaria dentro da mala.

A inspiração de Quentin Tarantino veio de um excelente film noir dos anos 1950 realizado por Robert Aldrich chamado «Kiss Me Deadly» («O Beijo Fatal», no título em português) que é considerado um dos melhores filmes do cineasta e uma das melhores obras dentro deste género. Neste filme também uma estranha mala com algo luminoso dentro tem um papel importante e é o motivo que leva as personagens a tomarem determinadas acções. Também aqui não se sabe ao certo o que está dentro da mala e quem a abre tem uma surpresa desagradável. 

Se para muitos a obra de Quentin Tarantino é mais do que conhecida e já terá sido analisada e vista ao pormenor mais do que uma vez, o filme de Robert Aldrich merece também um visionamento atento. E caso ainda seja um filme desconhecido, fica aqui a recomendação, que decerto irá agradar os fãs do film noir.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Pulp Fiction, de Quentin Tarantino (1994)

Corria o ano de 1992 quando um jovem realizador, de seu nome Quentin Tarantino, realizou a sua primeira longa-metragem oficial, filme que cedo se tornou de culto. Dois anos depois desta auspiciosa estreia (o cineasta tem duas experiências anteriores no currículo, mas pouco conhecidas ou relegadas ao esquecimento) com «Cães Danados», Tarantino voltou à carga com um filme que se tornaria ainda mais importante na sua carreira e um dos principais clássicos do cinema da década de 1990, conquistando nesse ano a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Quase que corria o risco de espicaçar os fãs do realizador e afirmar que depois de «Pulp Fiction» Quentin Tarantino nunca mais conseguiu alcançar tamanha genialidade. O que não significa que o homem que saltou do videoclube para a cadeira de realizador, segundo reza a lenda, não seja um dos mais originais realizadores norte-americanos da actualidade, capaz de explorar e homenagear géneros ditos menores como ninguém. E com resultados bastante recomendáveis.

No caso de «Pulp Fiction», como o próprio nome indica, a homenagem é feita aos livros deste género, que normalmente relatam histórias de crime protagonizadas por personagens que vivem à margem da sociedade. E praticamente todas as personagens deste filme se tornaram míticas, desde a dupla Jules (Samuel L. Jackson) e Vincent (John Travolta) ao par de ladrões Pumpkin (Tim Roth) e Honey Bunny (Amanda Plummer), passando por Zed (Peter Greene) ou o gangster Marsellus Wallace (Ving Rhames). A juntar a estas personagens que alcançaram o estatuto de ícone, «Pulp Fiction» inclui ainda diálogos memoráveis que são praticamente conhecidos de fio a pavio por todos os fãs do filme.

«Pulp Fiction» quase que pode ser visto como um upgrade a «Cães Danados», pois todos os elementos que já eram explorados na primeira longa-metragem de Tarantino (a banda sonora com músicas que ficam no ouvido, apesar de não serem grandes clássicos, personagens marcantes, excelentes diálogos, uma história contada através de várias perspectivas, etc.) são aqui levados mais a fundo. Nota-se que o realizador já conta com mais meios, tem um elenco de actores com algumas estrelas, algumas que na altura estavam um pouco esquecidas, como é o caso de Travolta, que viu a sua carreira relançada com este filme, e estrelas em ascensão, como aconteceu com Uma Thurman, que posteriormente se tornou uma das musas de Tarantino em «Kill Bill». E a forma de filmar, com vários longos travellings que nos levam literalmente a percorrer os cenários de uma LA marginal atrás destas personagens fora da lei, já começa a ser aquela que iria ser umas das imagens de marca do cineasta.

Actualmente, quase 20 anos após a sua estreia, «Pulp Fiction» continua a ser um filme de culto e uma das obras mais importantes do cinema norte-americano da década de 1990, com a particularidade de ser também um daqueles filmes que não perdeu o brilho. Apesar de alguns aspectos nos remeterem para aquela época, a segunda longa-metragem de Quentin Tarantino envelheceu bem e continua a fascinar os fãs do realizador a cada novo visionamento.

Classificação: 5/5

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Terapia a Dois, de David Frankel (2012)

Juntar dois grandes actores no mesmo filme nem sempre dá bom resultado. Um bom exemplo disso é «Terapia a Dois», uma espécie de comédia romântica assinada por David Frankel, realizador de «O Diabo Veste Prada», que reúne Meryl Streep e Tommy Lee Jones. A dupla forma um casal onde o sexo já deixou de existir há muito tempo. Quando nos são apresentados estão prestes a celebrar o 31º aniversário de casamento e Kay (Meryl Streep) resolve oferecer ao marido uma terapia conjugal para recuperar a chama de tempos passados.

Esta é a premissa de um filme que desperdiça completamente o talento de dois veteranos que merecem todo o respeito, mas aqui tanto podiam ser eles como quaisquer outros actores de segunda. De cliché em cliché, sem trazer nada de novo que não seja mais um bocejo, «Terapia a Dois» é um daqueles casos em que tudo é tão previsível que a única coisa que não conseguimos adivinhar (também melhor era) são as falas das personagens. Até as músicas, melosas na maior parte dos casos, são aquelas que imaginaríamos que iriam começar naquela determinada cena. Claramente, e nota-se nas expressões da personagem de Tommy Lee Jones, este foi apenas um filme para cumprir calendário e receber o cheque no final.

Classificação: 1/5

terça-feira, 18 de setembro de 2012

13ª Festa do Cinema Francês: destaques da programação

Foi hoje apresentada em Lisboa, no Instituto Franco-Português, a programação oficial da 13ª edição da Festa do Cinema Francês, que este ano vai decorrer em 10 cidades (Almada, Coimbra, Estarreja, Évora, Faro, Guimarães, Lisboa, Porto, Seixal e Setúbal) entre 4 de Outubro e 9 de Novembro. Com duas dezenas de ante-estreias, 10 das quais com distribuição prevista no circuito comercial, a edição deste ano da Festa vai ainda prestar homenagem a dois realizadores, que terão direito a retrospectivas bastante completas: Olivier Assayas (na Cinemateca Portuguesa) e Jacques Audiard (Cinema Nimas). Em ambos os casos os ciclos terminam com as suas mais recentes obras, «Après Mai» e «De Rouille et d'Os», respectivamente.

Quem também vai ser homenageada durante a festa é Maria de Medeiros, que foi escolhida como a madrinha do evento. A actriz e realizadora portuguesa vai apresentar seis filmes escolhidos pela própria, entre os quais duas obras que realizou: «Capitães de Abril» e «Je t'aime, moi non plus - artistes et critiques». Destaque ainda para a realização de um ciclo de Cinema de Animação onde serão apresentadas sete obras deste género, todas realizadas por autores gauleses, e para a projecção de uma nova cópia restaurada do clássico «Lola», de Jacques Demy, que encerrará a 13ª Festa do Cinema Francês, em Guimarães, cidade que este ano é a Capital Europeia da Cultura.

Tal como em edições anteriores, a Festa vai também ter espaço no pequeno ecrã da RTP 2, onde a programação da Sessão Dupla e do Onda Curta serão dedicadas ao cinema francês. Para quem quiser acompanhar melhor um dos principais eventos dedicados ao Cinema francês promovido em Portugal, fruto do esforço do Instituto Franco-Português, fica aqui uma breve apresentação da programação, que pode ser vista com mais detalhe no site oficial da Festa.

Poulet aux Prunes, de Vicent Paronnaud e Marjane Satrapi


Ante-estreias (a negrito os filmes com distribuição comercial prevista)

Paulette, de Jérôme Enrico
Fragments d’une revolution, de Collectif Anonyme
Le fils de l’autre, de Lorraine Levy
Sur la Piste du Marsupilami, de Alain Chabat 
Je me suis fait tout petit, de Cécilia Rouaud
De bon matin, de Jean-Marc Moutout
Un heureux évènement, de Rémi Bezançon 
Toi, Moi, Les autres - Leila, de Audrey Estrougo
Journal de France, de Raymond Depardon e Claudine Nougaret
Captive, de Brillante Mendoza
Présumé Coupable, de Vincent Garenq
Elles, de Malgorzata Szumowska
Indignados, de Tony Gatlif
L’exercice de l’état, de Pierre Schoeller
Está no Ar / Parlez-moi de vous, de Pierre Pinaud 
Le Cochon de Gaza, de Sylvain Estibal 
L'art d'Aimer, de Emmanuel Mouret 
Poulet aux Prunes, de  Vicent Paronnaud e Marjane Satrapi
La Pirogue, de Moussa Touré
De Rouille et d'os, de Jacques Audiard


Maria de Medeiros - A Madrinha

À l’abri de la tempête, de Camille Brottes Beaulieu
Capitães de Abril, de Maria de Medeiros
Je t'aime, moi non plus - artistes et critiques, de Maria de Medeiros
Je ne suis pas mort, de Mehdi Ben Attia
Três Irmãos, de Teresa Villaverde
Viagem a Portugal, de Serge Tréfaut

Après Mai, de Oliver Assayas (2012)

Retrospectiva: Oliver Assayas


Désordre (1986)
Paris s'eveille (1991)
L'Eau Froide (1994)
Irma Vep (1996)
HHH Portrait de Hou Hsiao-Hsein (1997)
Les Destinées Sentimentales (2000)
Clean (2004)
Demonlover (2002)
Boarding Gate (2007)
L’heure d’été (2008)
Carlos (série) (2010)
Après Mai (2012)


De Rouille et d'Os, de Jacques Audiard (2012)

Retrospectiva: Jacques Audiard


Regarde les hommes tomber (1994)
Un Héros très discret (1996)
Sur mes lévres (2001)
De battre mon coeur s'est arrêté (2005)
Un prophète (2009)
De Rouille et d'Os (2012)

Zarafa, de Rémi Bezançon e Jean-Christophe Lie (2012)

O Universo da Animação
Gwen, le livre de sable, de Jean-François Laguionie (1985)

L'île de Black Mór, de Jean-François Laguionie (2004)
Le tableau, de Jean-François Laguionie (2011)
La planète sauvage, de René Laloux (1973)
L'apprenti Père Noël, de Luc Vinciguerra (2010)
Zarafa, de Rémi Bezançon e Jean-Christophe Lie (2012)
Couleur de peau : Miel, de Laurent Boileau e Jung Henin (2012)


Trois Couleurs: Bleu, Blanc et Rouge, de Krzysztof Kieslowski (1993-1994)

RTP2 – Sessão Dupla
Le Gamin au Velo, de Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne (2011) 6 de Outubro
Trois couleurs: Bleu, de Krzysztof Kieslowski (1993) 6 de Outubro
The Dreamers, de Bernardo Bertolucci (2003) 13 de Outubro
Trois couleurs: Blanc, de Krzysztof Kieslowski (1994) 13 de Outubro
Monsieur Batignole, de Gérard Jugnot (2002) 20 de Outubro
Trois couleurs: Rouge, de Krzysztof Kieslowski (1994) 20 de Outubro
Les bien-aimés, de Christophe Honoré (2011) 27 de Outubro
Une vieille maîtresse, de Catherine Breillat (2007) 27 de Outubro

Le voyage dans la lune, de Georges Méliès (1902)

RTP2 – Onda Curta
Jean-Luc persécuté, de Emmanuel Laborie (2011) 7 de Outubro
Babioles, de Mathieu Auvray (2012)  10 de Outubro
505g, de JérémyAzencott (2012) 10 de Outubro
Babioles, de Mathieu Auvray (2012) 21 de Outubro
Elvis de Nazareth, de  Rani Masalha (2011) 21 de Outubro
[R], de  Julie Rembauville e Nicolas Bianco-Levrin (2011) 21 de Outubro
La part de Franck, de Dominique Baumard (2011) 21 de Outubro
Babioles, de Mathieu Auvray (2012) 28 de Outubro
La Meilleure façon de tracer L’amicale du réel (2010) 28 de Outubro
The extraordinary voyage, de  Serge Bromberg e Eric Lange (2011) 4 de Novembro
Le voyage dans la lune, de Georges Méliès (1902) 4 de Novembro




domingo, 16 de setembro de 2012

O Túmulo Vazio, de Robert Wise (1945)


Para a maioria dos cinéfilos o nome de Robert Wise talvez seja mais conhecido por filmes como «Música no Coração» ou «Amor Sem Barreiras» («West Side Story»). Mas a carreira de Wise foi muito além destes dois clássicos e andou pelos mais variados géneros, incluindo o terror. Um desses exemplos é «O Túmulo Vazio», o seu terceiro filme, produzido por Val Lewton, um lendário produtor de filmes de série B em Hollywood, daqueles que gostava de controlar os seus filmes sem pedir licença aos realizadores, que foi recentemente 'homenageado' por Edgar Pêra no seu último filme, «O Barão». Neste filme, baseado num conto de Robert Louis Stevenson, a história centra-se num negócio obscuro, mas de certa forma comum, na Edimburgo do século XIX: a venda de cadáveres para as universidades de Medicina, onde os corpos que não eram reclamados nas morgues iam parar aos auditórios.

Com a escassez de matéria-prima começaram a surgir formas alternativas de encontrar cadáveres e o caso da dupla Burke e Hare (dois destes comerciantes que começaram a matar pessoas para venderem os corpos às universidades e mais tarde acabaram condenados à morte - o caso é relatado na comédia negra «Burke and Hare», o último filme realizado por John Landis e que passou no ano passado no Motelx) terá servido de base a «O Túmulo Vazio». Se no filme de Landis é a própria dupla a protagonizar o filme, no caso da obra de Robert Wise os protagonistas são o Dr. MacFarlane (Henry Danniel), um professor de Medicina, e John Gray (Boris Karloff), o seu fornecedor de cadáveres. Esta relação irá atravessar todo o filme num arco narrativo tão simples como eficaz, o suficiente para conseguir atingir o objectivo: contar uma boa história com poucos meios.

Estes poucos meios permitem criar cenários, tão ao gosto dos filmes de série B, que nos remetem para ambientes obscuros, desde pequenas ruelas pouco recomendáveis a salas onde são guardados cadáveres onde aparentemente a luz não se sente à vontade. A forma como estes cenários e as luzes são exploradas, basta ver a brutal sequência (em todos os sentidos) da morte de uma das vítimas de Gray, que não mostra o que se passa, mas ao mesmo tempo é um não mostrar que acaba por dizer tudo, ajuda bastante a levar-nos até à Edimburgo do século XIX.

Depois temos ainda direito à presença de dois 'monstros' do cinema de terror: Boris Karloff, naquela que é considerada por muitos como uma das suas melhores interpretações, e o seu grande rival Bela Lugosi, que não tem tanto destaque no filme. Apesar de ter a sua importância, o seu papel acaba por ser mínimo. Mas, reza a lenda, este foi bastante cortado na sala de montagem.

Em suma, este filme de Robert Wise tem vários atractivos que o tornam bastante recomendável: não só é uma obra muito diferente dos filmes mais conhecidos do cineasta, mas também um bom filme de terror, que conta com a presença de um dos seus maiores nomes, Boris Karloff, também ele num registo bastante diferente do seu mais conhecido Frankenstein. Só é pena não ter havido mais espaço para Bela Lugosi, com quem nunca terá tido uma grande relação, apesar de ambos terem participado juntos noutros filmes.

Classificação: 4/5

sábado, 15 de setembro de 2012

Motelx 2012: Ghost Story of Yotsuya, de Nobuo Nakagawa (1959) e Un Jour Sang, de Steven Pravong (2011)

Considerado como um dos primeiros filmes de terror japonês a inspirar o que se faz actualmente no Japão dentro do género, «Ghost Story of Yotsuya» é, a par de «Jingoku», uma das obras mais populares de Nobuo Nakagawa. O filme de 1959 foi uma das visitas ao passado proporcionadas pelo Motelx na edição de 2012 do festival, no âmbito da secção Japão Retro, dedicada aos grandes mestres nipónicos do terror. E  esta visita ao passado acabou por compensar, não só por permitir ver um sala um bom filme de terror, mas também por dar a descobrir um nome que por estes lados era praticamente desconhecido, com excepção do já referido «Jingoku», filme que passou pelas telas do Motelx em 2010.

Inspirado num conto clássico japonês, «Ghost Story of Yotsuya» relata a história de Iemon (Shigeru Amachi), um samurai sem escrúpulos que começa a ser visitado pelos fantasmas das suas vítimas que procuram vingança pelos actos cometidos por Iemon. Quem estiver à espera de gore ou cenas demasiado violentas, não vale a pena aventurar-se neste filme. Apesar de algumas cenas algo fortes (e nestes casos temos sempre de ter em conta a época em que o filme foi realizado, numa altura em que os efeitos especiais e a caracterização ainda eram um pouco rudimentares, sobretudo os primeiros, pois a caracterização até nem está mal no filme), «Ghost Story of Yotsuya» vive muito do ambiente criado por Nobuo Nakagawa. A forma como elementos como a água ou o nevoeiro são utilizados, nomeadamente no final do filme, ajudam a criar uma atmosfera bem conseguida para esta história de fantasmas.

Apesar de parecer um pouco datado, como outros espectadores referiram no final, (mas uma vez mais convém referir que estes filmes devem ser vistos à luz da época em que foram realizados), esta é uma boa obra de terror, ideal para quem não é grande fã do género, mas gosta de conhecer filmes mais clássicos, como é este o caso, onde o sangue não tem necessariamente de aparecer em 9 em cada 10 fotogramas para proporcionar uma boa experiência.

Classificação: 4/5


(com spoilers)
Antes do 'prato principal', a curta-metragem «Un Jour Sang», de Steven Pravong, foi o 'aperitivo' da sessão. Vindo de França, país que nos últimos anos tem apresentado algumas obras que têm dado que falar dentro do género do terror, este pequeno filme aposta em não mostrar o que se passa numa longa sequência de tortura, mas somos 'obrigados' a ouvir o que se passa algures. Apesar de não ser demasiado visual, o som dos instrumentos e dos gritos da vítima são utilizados para provocar o efeito de terror no espectador. Mas o que à partida até seria uma ideia boa ideia acaba por falhar, pois as imagens da montagem paralela, que mostram vítima e carrasco em cenas anteriores ou posteriores à tortura, não conseguem atingir o objectivo. Resta a originalidade de uma tentativa que podia e merecia ter melhor resultado.

Classificação: 3/5

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

‎2 Dias em Nova Iorque, de Julie Delpy (2012)

Quando se soube que «2 Dias em Paris» ia ter uma sequela, por estes lados começou a soar o alarme e não foi pelas melhores razões. Não tendo gostado particularmente do filme realizado e protagonizado por Julie Delpy em 2007, foi um bocado de pé atrás que resolvi ver «2 Dias em Nova Iorque», mais por curiosidade do que por outra coisa. E talvez tenha sido a falta de expectativas que me levou a gostar mais desta continuação das aventuras conjugais de Marion (Julie Delpy), desta vez em Nova Iorque, do que do filme anterior.

Cinco anos após os acontecimentos de «2 Dias em Paris» encontramos Marion separada, com um filho nos braços e numa nova relação com Mingus (Chris Rock). A propósito da inauguração de uma nova exposição  de fotografia, Marion recebe a sua família, vinda directamente de Paris: o pai Jeannot (Albert Delpy), a irmã Rose (Alexia Landeau) e o namorado dela Manu (Alexandre Nahon). E é este reencontro familiar que vai colocar de novo à prova a relação de Marion, com Mingus a sofrer na pele o choque de culturas entre três parisienses meio extravagantes.

Apesar de os dois filmes serem um pouco parecidos na sua premissa, um casal com os seus problemas normais que de repente tem que lidar com a família da mulher, «2 Dias em Nova Iorque» consegue ser mais cómico do que o seu antecessor. Não é uma comédia para rir a bandeiras despregadas, mas uma comédia mais simples, onde os principais gags surgem com o tal choque de culturas, personalizado pela tripla francesa e o pobre Mingus, que às tantas não sabe o que fazer e pede conselhos a uma figura bastante peculiar. Esta personagem é um dos pontos fortes do filme, pois Chris Rock consegue interpretá-la bastante bem, sem cair na sua forma mais habitual de representar. Talvez a maior surpresa de «2 Dias em Nova Iorque» tenha sido ver um actor que estamos habituados a ver em papéis de comédias mais populares e com o humor a roçar a idiotice, num papel um pouco mais sério. Apesar de ter os seus momentos onde deixa libertar a sua veia de stand up, universo do qual é originário o actor, consegue estar num registo menos cómico quando é necessário. E Julie Delpy marca mais alguns pontos na sua carreira atrás das câmaras.

Classificação: 4/5

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Leitura recomendada: «Stanley Kubrick», de Enrico Ghezzi

Stanley Kubrick é um daqueles cineastas que se gosta ou odeia. Por isso, se estão no segundo campo, este post não vos diz respeito. Pelo contrário, se são fãs do autor de «Laranja Mecânica», estão no sítio certo, pois este serve para vos apresentar um livro onde a obra de Kubrick é analisada por Enrico Ghezzi, programador, cineasta e escritor italiano. Ou seja, leitura mais do que recomendada para quem quiser aprofundar conhecimentos na obra do cineasta que afirmou um dia odiar «que me peçam para explicar como 'funciona' o filme, qual era a minha intenção, etc.», uma das várias citações que servem de apresentação ao ensaio de Ghezzi propriamente dito.

Publicado originalmente em 1977, «Stanley Kubrick» apresenta um enorme ensaio sobre a obra do cineasta desde as curtas «Flying Padre» e «Day of the Fight» e da estreia «Fear and Desire», a primeira longa-metragem de Kubrick que sempre foi rejeitada pelo próprio, até «Barry Lyndon». Mais tarde, foi incluído um novo texto dedicado a «Shining», realizado já em 1980. A edição portuguesa, lançada pela Cinemateca Portuguesa em 2002 aquando a realização de uma retrospectiva quase integral do realizador (de fora ficou apenas «Fear and Desire». Diz quem teve a oportunidade assistir ao ciclo que este foi um dos mais concorridos na Barata Salgueiro. O autor deste blogue teve a sorte de se estrear nas lides da Cinemateca precisamente durante esse ciclo, numa das sessões de «Shining»), inclui o ensaio original, o texto sobre «Shining» e um apêndice com referências às duas obras de Kubrick realizadas posteriormente: «Nascido Para Matar» e «De Olhos Bem Fechados».

A primeira parte, o ensaio propriamente dito, é o melhor do livro. Com quase 150 páginas, escrutina todos os pormenores dos filmes realizados por Kubrick entre 1951 e 1980. Obviamente que é só uma análise de alguém que conhece muito bem a obra do cineasta, mas em simultâneo consegue admitir que aquela é só a sua visão sobre uma obra tão complexa como a que nos deixou o realizador de «2001: Odisseia no Espaço», que nunca se abriu demasiado para explicar os seus filmes. O apêndice, dedicado aos dois últimos filmes de Kubrick, é mais pobre. A ideia original era ter um novo texto de Enrico Ghezzi a tempo do ciclo, mas tal não foi possível.

No final temos ainda umas boas dezenas de páginas com informação bibliográfica, a ficha técnica completa de todos os filmes de Stanley Kubrick e uma secção dedicada à discografia que saiu dos filmes do cineasta. Em suma, este é um daqueles livros obrigatórios para quem venera o realizador e quer tentar perceber um bocadinho melhor o cineasta. E tem a vantagem de se ler num ápice.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Selvagens, de Oliver Stone (2012)

Oliver Stone sempre gostou de colocar o dedo na ferida quando é preciso falar de temas mais controversos. No seu mais recente filme a chegar às salas, «Selvagens», o realizador norte-americano resolveu centrar-se no tráfico de droga, contando a história de uma guerra entre um cartel mexicano e dois jovens californianos que têm a seu cargo a produção e distribuição daquela que é considerada a melhor cannabis dos EUA. Os elevados lucros da dupla, composta por dois amigos de juventude que não podiam ser mais opostos (o pacifista Ben - Aaron Johnson -, o cérebro do negócio, e o aguerrido Chon - Taylor Kitsch -, um ex-soldado com missões no Iraque e Afeganistão, onde fez fortuna, que funciona como a força para defender os interesses da parceria quando é preciso), atraem o cartel liderado por Elena (Salma Hayek), a responsável por um dos maiores cartéis mexicanos, que lhes propõe uma parceria. A proposta é rejeitada e a amante dos dois jovens, Ophelia (Blake Lively), é raptada pelo cartel mexicano. Este rapto desencadeia uma acção de salvamento organizada pelos jovens 'empreendedores' e serve de pretexto para Oliver Stone explorar este tema.

Uma das principais falhas de «Selvagens» é a dispersão por vários temas, sem se focar num só aspecto: tão depressa estamos perante um filme romântico como a seguir já estamos num filme de acção. Nota-se que Oliver Stone quis abordar vários assuntos ao mesmo tempo, desde a violência do tráfico de droga à corrupção, passando até ao de leve por uma pequena crítica ao espírito empreendedor de quem quer lucros a tudo o custo, mas o resultado fica um bocado perdido. Nesse sentido fica a anos luz de «Traffic», o filme de Steven Soderbergh que tão bem conseguiu retratar os problemas da droga nos EUA e México, sem recorrer a uma história que quase poderíamos dizer que parece um pouco forçada, como é a de «Selvagens».

Não poderia contudo deixar de destacar alguns pormenores que valem a pena neste filme. Para os fãs de filmes de acção, estas sequências estão bastante bem conseguidas e realistas, e de certo irão agradar a quem gosta deste género. E depois temos um Benicio del Toro num papel de vilão, curiosamente o completo oposto do que teve em «Traffic», que sobressai do restante elenco, mesmo quando se nota que o actor está em modo piloto automático. E não deixa de ser um filme de Oliver Stone, um realizador que apesar de já ter tido melhores dias, continua a ser um nome que vale a pena acompanhar.

Classificação: 3/5

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A primeira trilogia do Cinema português? (correcção)

Por estes dias anda meio mundo preocupado com o Cinema português. É normal, pois em duas semanas estrearam aqueles que muitos prometem ser os grandes blockbusters nacionais que vão salvar a Sétima Arte em Portugal: «Morangos com Açucar - O Filme» e «Balas e Bolinhos 3 - O Último Capítulo». Não discuto o mérito de nenhum dos dois, pois não cheguei a vê-los e ficaria mal fazer juízos de valor nesse sentido. Mas aparentemente são mais falados pelo comportamento na bilheteira, sobretudo o primeiro, do que pela sua qualidade. O que me fez escrever este post foi o facto de «Balas e Bolinhos 3» estar a ser promovido e considerado como o final da primeira trilogia do Cinema português. Não sei se houve alguma trilogia antes ou depois, mas para mim esse título (se é que podemos considerá-lo um título) cabe à trilogia de Deus, de João César Monteiro. Querer apagar esse pequeno pormenor para promover algo que muito provavelmente não lhe chegará aos calcanhares, por muitos espectadores que tenha em sala (e no dia em que a qualidade dos filmes for avaliada pelo resultado de bilheteira, seja em que país for, estaremos muito mal), é mau sinal. Quanto mais não seja porque está a ser apagado um pedaço da memória do Cinema português. Daí nada melhor do que recordar os três filmes de João César Monteiro protagonizados por João de Deus, que compõem a chamada trilogia de Deus.

Recordações da Casa Amarela (1989)

A Comédia de Deus (1995)

As Bodas de Deus (1999)

Para os interessados, o segundo capítulo da trilogia de Deus, «A Comédia de Deus», vai ser passar na Cinemateca na próxima sexta-feira, dia 13 de Setembro, às 19h00. Uma boa oportunidade para ver pela primeira vez ou rever em sala esta obra de um dos mais polémicos cineastas portugueses.

Correcção: o filme «A Comédia de Deus» passa de facto na Cinemateca no dia 13, às 19h00, mas o dia 13 não é sexta, mas quinta-feira. Por este pequeno erro, peço desculpa aos leitores.

domingo, 9 de setembro de 2012

10 filmes: Preto e Branco fora de tempo

O objectivo desta 'rubrica', se assim se pode chamar, é apresentar 10 filmes temáticos. Não são necessariamente obras-primas, nem estes posts pretendem ser tops definitivos. Até porque estas coisas podem sempre variar consoante cada um. A ordem é a cronológica, precisamente para não dar mais ou menos destaque a um determinado filme. São simplesmente os dez primeiros filmes que me vieram à cabeça sobre um determinado tema e quase todos bastante recomendáveis. Para estrear, a propósito do recente visionamento de «O Homem Elefante», de David Lynch, ficam dez filmes a preto e branco lançados quando o cinema a cores já estava mais do que 'na moda'. Convido-vos também, se quiserem, a partilharem na caixa de comentários outras propostas. Estas são as minhas:

Psico, de Alfred Hitchcock (1960)

A Última Sessão, de Peter Bogdanovich (1971)

Manhattan, de Woody Allen (1979)

Toiro Enraivecido, de Martin Scorsese (1980)

O Homem Elefante, de David Lynch (1980)

La Vie de Bohème, de Aki Kaurismaki (1992)

Ed Wood, de Tim Burton (1994)

O Barbeiro, de Joel e Ethan Coen (2001) 

Boa Noite, e Boa Sorte, George Clooney (2005)

O Cavalo de Turim, de Béla Tarr (2011)

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

‎7 Dias em Havana, de Benicio Del Toro, Pablo Trapero, Julio Medem, Elia Suleiman, Gaspar Noé, Juan Carlos Tabío e Laurent Cantet (2012)

Nos últimos anos os filmes colectivos, compostos por curtos sketches realizados por diferentes cineastas, têm vindo a ser recuperados. Apesar de este género, se assim se pode chamar, remontar ainda ao período do mudo, terá sido nos anos 1950/1960 na Europa que teve o seu auge. O sucesso de «Paris Je T'Aime» em 2006, quando um conjunto de cerca de 20 realizadores foi convidado a criar uma curta para cada um dos bairros da capital francesa, terá contribuído para a exploração de um novo filão, que já seguiu viagem para Nova Iorque e, segundo as previsões, tem a próxima escala marcada para Xangai.

«7 Dias em Havana» não faz parte deste projecto amoroso, mas na sua génese a ideia é a mesma: sete realizadores, uma cidade como cenário (Havana), sete histórias diferentes, algumas que se cruzam, outras independentes. São os sete dias do título que correspondem a cada uma das curtas-metragens, realizadas por Benicio Del Toro, Pablo Trapero, Julio Medem, Elia Suleiman, Gaspar Noé, Juan Carlos Tabío e Laurent Cantet.

Um dos principais problemas neste tipo de produções é conseguir um resultado final coeso, mesmo quando todos os episódios são independentes, apesar de esse não ser necessariamente o principal objectivo destes filmes. No fundo estamos perante diferentes olhares ou sensibilidades e cada realizador tem a sua própria forma de filmar. Neste caso há uma mistura: dois dos episódios complementam-se, mas os restantes podem ser vistos de forma isolada, apesar de pontualmente surgirem personagens comuns.

Infelizmente, «7 Dias em Havana» acaba por não funcionar, nem como um todo, nem como a soma das várias partes. Temos cinema mais autoral, onde reconhecemos a marca de um determinado realizador (Gaspar Noé e Elia Suleiman), e filmes mais simples, como o belo episódio de Pablo Trapero que acompanha as desventuras de um Emir Kusturica (o próprio) completamente perdido em Havana e às voltas com problemas conjugais ou o segmento inicial, uma curiosa curta de Benicio Del Toro sobre um estudante de Cinema que se perde na noite da capital cubana. Este episódio falha por ser demasiado previsível, apesar de ter algumas curiosas referências que serão do agrado do cinéfilo mais atento aos pequenos pormenores. E depois temos segmentos que roçam as novelas, como é o caso do episódio realizado por Julio Medem, que chega a tornar-se cansativo de assistir, tal é o excessivo recurso aos clichés deste tipo de programas, tão ao estilo da América Latina.

Em suma, onde «7 Dias em Havana» falha é no facto de nenhum dos episódios sobressair. Mesmo a proposta de Elia Suleiman, que tanto prometia quando começa (e aquele início prova que o palestiniano é um digno sucessor de gente como Buster Keaton ou Jacques Tati), fica a perder por ser claramente um objectivo desenquadrado do resto do filme. Fora isso, podemos encontrar neste filme colectivo muito do que se espera de um filme passado em Havana: muito rum, música latina e as tradições da ilha dos irmãos Castro, tanto na vertente católica como na vertente pagã.

Classificação: 3/5

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Martha Marcy May Marlene, de Sean Durkin (2011)

Martha (Elizabeth Olsen) está confusa. Dois anos depois de fugir de casa e ter passado por uma estranha comunidade, liderada por um ainda mais estranho Patrick (John Hawkes), a jovem tenta regressar à normalidade com a ajuda da irmã Lucy (Sarah Paulson), entretanto casada. Em termos gerais é esta a história de «Martha Marcy May Marlene», a estreia de Sean Durkin nas longas metragens e um filme que nos vem provar que o cinema independente norte-americano (rótulo cada vez mais alargado, mas isso será tema para outras discussões) ainda tem espaço para nos surpreender de vez em quando.

A recuperação de Martha, que na comunidade era tratada por Marcy May, e a sua integração na sociedade 'normal', depois de um longo período de afastamento, é o centro do filme, onde Sean Durkin vai intercalando as cenas do presente com algumas recordações do passado recente da jovem, antes de ir ao encontro da irmã. Um dos pontos fortes de «Martha Marcy May Marlene» é precisamente a forma como este passado e presente conseguem conviver, se assim se pode dizer, sem cansar o espectador ou parecer algo forçado, quase como se um exercício de estilo. Ao encadear as cenas do presente com episódios da vida de Martha na comunidade, utilizando aspectos comuns (como por exemplo, um mergulho que tem lugar no presente e quando damos conta a sequência desse mergulho já está no passado), Sean Durkin espelha bem a confusão que vai na cabeça da jovem.

Uma das grandes surpresas, além da estreia do realizador, é a interpretação de Elizabeth Olsen, irmão mais nova da dupla Mary-Kate e Ashley Olsen, que no seu segundo papel consegue dominar todo o ecrã com a sua presença. É mais um daqueles casos em que o casting errado poderia deitar tudo a perder. Não sendo uma obra-prima, esta primeira obra de Sean Durkin acaba por ser uma das melhores estreias a chegar às salas portuguesas, num ano claramente fraco a este nível. E este será sem dúvida um nome a ter debaixo do radar nos próximos passos.

Classificação: 4/5