Ao quarto filme o chileno Pablo Larraín volta a dar provas de ser um dos cineastas actuais a ter debaixo de olho. Se «Tony Manero» e «Post Mortem» já tinham sido obras bastante recomendáveis, sobretudo a primeira, o talento de Larraín explodiu no ano passado com «Não», um filme sobre a campanha política que afastou Pinochet do Governo no Chile e abriu as portas à democracia naquele país, depois de 15 anos de ditadura militar. Além de ser um excelente estudo sobre os meandros da propaganda política na década de 1980, «Não» é um retrato dos últimos dias de um regime, através do olhar de um publicitário que a princípio não quer estar ligado a questões políticas, mas acaba por se ver envolvido no olho do furacão ao tomar as rédeas de uma campanha destinada a defender o voto no Não num referendo criado pelo governo chileno para legitimar o poder de Pinochet.
Candidato chileno na última edição dos Óscares ao galardão de Melhor Filme Estrangeiro (acabaria por perder para «Amor», de Michael Haneke), «Não» podia ficar-se pelo simples retrato histórico de uma época. E a utilização de uma fotografia que faz lembrar o vídeo (efeito que vimos recentemente num outro filme completamente diferente: «Computer Chess», de Andrew Bujalski) está lá para isso, para nos relembrar que o filme 'é' daquela época. Mas não, vai muito mais além do simples retrato histórico. Não é só a representação do que aconteceu de ambos os lados da campanha, com especial enfoque na campanha de oposição à ditadura militar chilena que pensava estar a defender uma causa perdida à partida. Há todo um universo paralelo que volta a ser explorado por Pablo Larraín, tal como fizera nos seus filmes anteriores, que lhe deram fama.
Neste caso «Não» parte da campanha para nos mostrar o que se passava no Chile naquela altura e é curiosa a relação entre o protagonista René (Gael Garcia Bernal) e Lucho (Alfredo Castro, habitual colaborador de Larraín com mais uma excelente interpretação, apesar de não ser o protagonista, como acontecera nos dois filmes anteriores do realizador), o chefe da agência publicitária para quem o jovem trabalha e que acaba por ter um papel de relevo na campanha do Sim devido às suas relações com o governo de Pinochet. É esta relação que acaba por ser a outra face do filme e que vai culminar numa sequência final, também ela bastante curiosa e que faz espelho com a abertura, em que ambos apresentam uma nova campanha publicitária e um deles diz «agora o Chile já está preparado para uma coisa destas», algo que não acontecia na primeira campanha a um refrigerante, onde a presença de um mimo, um elemento de certa forma alegre, era bastante criticada. E o olhar desencantado de René antes de entrar o genérico final (o olhar de alguém desiludido, ficamos com essa sensação) é de uma força tremenda, dando a «Não» uma nova panóplia de leituras até então escondidas com o rabo de fora.
Classificação: 4/5
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segunda-feira, 6 de maio de 2013
sábado, 27 de abril de 2013
IndieLisboa 2013, Dia 9: Geeks ao poder
O nono dia de IndieLisboa trouxe algumas desilusões («A Batalha de Tabatô», de João Viana, e «Ape», de Joel Potrykus) e uma boa comédia indie que recupera o espírito geek da década de 1980 («Computer Chess», de Andrew Bujalski).
Praticamente chegado de Berlim, onde recebeu uma menção especial naquele que é um dos principais festivais de cinema do mundo, «A Batalha de Tabatô» era à partida mais um dos filmes obrigatórios do IndieLisboa este ano. Estreia de João Viana nas longas metragens, o filme relata a chegada de um homem à Guiné Bissau para assistir ao casamento da filha e que aos poucos começa a reviver o seu passado de guerra colonial que o fez abandonar o país. Filmado a preto e branco, com excepção de algumas sequências onde a guerra é representada em tons de vermelho, «A Batalha de Tabatô» é um filme onde os fantasmas do passado e do presente andam lado a lado e procuram uma certa reconciliação que acaba por chegar através da música, na aldeia remota de Tabatô, onde decorre parte da acção.
Talvez o facto de «A Batalha de Tabatô» ter chegado ao festival com uma aura de filme especial tenha elevado demasiado as expectativas em relação ao filme. A verdade é que não há nenhum rasgo que o torne um dos grandes filmes que passaram pelo IndieLisboa este ano. Antes um objecto curioso que continua a desbravar territórios como os de «Tabu», de Miguel Gomes, que nos levou a olhar de novo para África, mas com menos sucesso. Neste caso João Viana não conta uma história de amor protagonizada pelos colonos, antes uma história alicerçada na cultura local, como que um regresso às origens, num conto pacifista em que defende as tradições locais, destruídas com a colonização. Tem alguns bons pormenores, é certo, mas ao mesmo tempo as suas fragilidades saltam à vista, em grande parte graças a interpretações demasiado simples, que acabam por se tornar o pior aspecto do filme.
Classificação: 3/5
Completamente diferente é o universo de «Computer Chess». Passado num fim de semana da década de 1980, o mais recente filme de Andrew Bujalski tem como cenário um torneio onde várias equipas de informáticos apresentam os seus programas de xadrez mais recentes. O objectivo é descobrir qual o melhor programa de xadrez em competição, através de várias partidas onde as máquinas se defrontam entre si, sendo que além do prémio final o vencedor irá ter a oportunidade de defrontar um jogador humano, como tem acontecido nas anteriores edições do torneio anual. Desta vez os computadores estão mais evoluídos e não se sabe se pela primeira vez as máquinas vão conseguir bater o homem ou não.
Povoado pelas mais estranhas personagens, entre as quais um grupo de auto-ajuda que escolheu o mesmo hotel para se reunir naquele fim de semana, «Computer Chess» é a comédia geek por excelência e dificilmente terá rival à altura neste campo. Todo o universo dos programadores informáticos daquela época é recriado magistralmente por Andrew Bujalski, não só na forma como o filme nos é apresentado (a preto e branco e em vídeo), mas também nos delirantes diálogos entre as personagens, que vivem apenas para aquilo que fazem. As rivalidades, a presença de um estranho programador independente, aparentemente não tão geek como os outros concorrentes, e o destaque dado à primeira mulher a participar no torneio (a grande curiosidade daquela edição do torneio, sempre a ser destacada pelo apresentador), está tudo lá para nos mostrar o maravilhoso mundo da programação informática nos seus primórdios. Continua a não ser uma obra-prima que vamos levar do Indie em 2013, mas de certeza que vai ser uma das boas recordações que vamos levar do festival este ano.
Classificação: 4/5
Continuando nos EUA, o nono dia de IndieLisboa terminou com «Ape», uma comédia negra sobre um jovem comediante sem sucesso, que tem mais jeito para atear fogos do que para contar piadas. A obra de estreia de Joel Potrykus, também ele um ex-comediante sem sucesso, pertence ao mesmo universo de «The First Winter»: um filme completamente independente, feito por amigos através de uma produtora própria. E, tal como o filme canadiano, não vive para as expectativas, mesmo sendo um filme um pouco melhor. Por muito que se esforce o actor principal, Joshua Burge, que encarna na perfeição o comediante pirómano azarado, «Ape» foi um dos filmes mais fracos a passar pelo festival. Mas não deixa de ser a prova de que quando um grupo de amigos se junta para fazer um filme (rodado ao longo de três meses, durante fins de semana e folgas de todos os envolvidos, e com um orçamento baixíssimo - 2 mil dólares, mais algum dinheiro para pós-produção -, segundo explicou o produtor no final da sessão) consegue fazê-lo. Mesmo que o resultado não seja bom, tem esse mérito de manter o espírito indie.
Classificação: 2/5
Praticamente chegado de Berlim, onde recebeu uma menção especial naquele que é um dos principais festivais de cinema do mundo, «A Batalha de Tabatô» era à partida mais um dos filmes obrigatórios do IndieLisboa este ano. Estreia de João Viana nas longas metragens, o filme relata a chegada de um homem à Guiné Bissau para assistir ao casamento da filha e que aos poucos começa a reviver o seu passado de guerra colonial que o fez abandonar o país. Filmado a preto e branco, com excepção de algumas sequências onde a guerra é representada em tons de vermelho, «A Batalha de Tabatô» é um filme onde os fantasmas do passado e do presente andam lado a lado e procuram uma certa reconciliação que acaba por chegar através da música, na aldeia remota de Tabatô, onde decorre parte da acção.
Talvez o facto de «A Batalha de Tabatô» ter chegado ao festival com uma aura de filme especial tenha elevado demasiado as expectativas em relação ao filme. A verdade é que não há nenhum rasgo que o torne um dos grandes filmes que passaram pelo IndieLisboa este ano. Antes um objecto curioso que continua a desbravar territórios como os de «Tabu», de Miguel Gomes, que nos levou a olhar de novo para África, mas com menos sucesso. Neste caso João Viana não conta uma história de amor protagonizada pelos colonos, antes uma história alicerçada na cultura local, como que um regresso às origens, num conto pacifista em que defende as tradições locais, destruídas com a colonização. Tem alguns bons pormenores, é certo, mas ao mesmo tempo as suas fragilidades saltam à vista, em grande parte graças a interpretações demasiado simples, que acabam por se tornar o pior aspecto do filme.
Classificação: 3/5
Completamente diferente é o universo de «Computer Chess». Passado num fim de semana da década de 1980, o mais recente filme de Andrew Bujalski tem como cenário um torneio onde várias equipas de informáticos apresentam os seus programas de xadrez mais recentes. O objectivo é descobrir qual o melhor programa de xadrez em competição, através de várias partidas onde as máquinas se defrontam entre si, sendo que além do prémio final o vencedor irá ter a oportunidade de defrontar um jogador humano, como tem acontecido nas anteriores edições do torneio anual. Desta vez os computadores estão mais evoluídos e não se sabe se pela primeira vez as máquinas vão conseguir bater o homem ou não.
Povoado pelas mais estranhas personagens, entre as quais um grupo de auto-ajuda que escolheu o mesmo hotel para se reunir naquele fim de semana, «Computer Chess» é a comédia geek por excelência e dificilmente terá rival à altura neste campo. Todo o universo dos programadores informáticos daquela época é recriado magistralmente por Andrew Bujalski, não só na forma como o filme nos é apresentado (a preto e branco e em vídeo), mas também nos delirantes diálogos entre as personagens, que vivem apenas para aquilo que fazem. As rivalidades, a presença de um estranho programador independente, aparentemente não tão geek como os outros concorrentes, e o destaque dado à primeira mulher a participar no torneio (a grande curiosidade daquela edição do torneio, sempre a ser destacada pelo apresentador), está tudo lá para nos mostrar o maravilhoso mundo da programação informática nos seus primórdios. Continua a não ser uma obra-prima que vamos levar do Indie em 2013, mas de certeza que vai ser uma das boas recordações que vamos levar do festival este ano.
Classificação: 4/5
Continuando nos EUA, o nono dia de IndieLisboa terminou com «Ape», uma comédia negra sobre um jovem comediante sem sucesso, que tem mais jeito para atear fogos do que para contar piadas. A obra de estreia de Joel Potrykus, também ele um ex-comediante sem sucesso, pertence ao mesmo universo de «The First Winter»: um filme completamente independente, feito por amigos através de uma produtora própria. E, tal como o filme canadiano, não vive para as expectativas, mesmo sendo um filme um pouco melhor. Por muito que se esforce o actor principal, Joshua Burge, que encarna na perfeição o comediante pirómano azarado, «Ape» foi um dos filmes mais fracos a passar pelo festival. Mas não deixa de ser a prova de que quando um grupo de amigos se junta para fazer um filme (rodado ao longo de três meses, durante fins de semana e folgas de todos os envolvidos, e com um orçamento baixíssimo - 2 mil dólares, mais algum dinheiro para pós-produção -, segundo explicou o produtor no final da sessão) consegue fazê-lo. Mesmo que o resultado não seja bom, tem esse mérito de manter o espírito indie.
Classificação: 2/5
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