terça-feira, 30 de abril de 2013

IndieLisboa 2013: O Bom, o Mau e o Vilão

Para terminar o acompanhamento de mais um IndieLisboa, desta vez com cobertura alargada aqui no blogue, fica um post com o melhor, o pior e o péssimo da última edição do festival. Não podia deixar de agradecer à organização pela atribuição de uma acreditação ao blogue, o que me permitiu assistir a um maior número de sessões e assim fazer uma cobertura diária do IndieLisboa com posts sobre os filmes visionados ao longo do festival.

O Bom: Ao contrário do que aconteceu noutras edições do IndieLisboa, este ano não houve nenhum filme que tenha considerado excepcional. Mesmo assim encontrei alguns filmes que gostei bastante e foram poucas as desilusões. Do conjunto de filmes visionados durante os últimos dias destaco cinco (que serviram de base a um top publicado num post de balanço do IndieLisboa do CINEdrio, do Luís Mendonça, um dos bloggers que acompanhou de perto o festival e pediu a vários bloggers uma lista com as suas escolhas para fazer um top 5 da blogosfera cinéfila): «Museum Hours», de Jem Cohen, «The Act of Killing», de Joshua Oppenheimer, «Leviathan», de Lucien Castaing-Taylor e Véréna Paravel, «Gimme the Loot», de Adam Leon e «Starlet» de Sean Baker. E uma menção honrosa: a curta-metragem «O Facínora», de Paulo Abreu.


O Mau: Seguindo a mesma lógica, há que dar espaço ao que de pior vi pelo IndieLisboa este ano. Tirando algumas desilusões, como o regresso fraco da dupla Gustave de Kervern e Benoît Delépine («Le Grand Soir») ou o sobrevalorizado «A Batalha de Tabatô», de João Viana, o lote de filmes que vamos colocar na lista de 'filmes que mais valia termos trocado por outra sessão à mesma hora' é o seguinte: «The First Winter», de Ryan McKenna, «Animal Love», de Ulrich Seidl, «Doméstica», de Gabriel Mascaro, «Ape», de  Joel Potrykus, e «Not In Tel Aviv», de Nony Geffen.

O Vilão: Quem está habituado a ir ao cinema habituou-se (infelizmente) a ter de aturar comportamentos que roçam a má educação. Também no IndieLisboa há público que não sabe estar numa sala de espectáculos. Apesar de em anos anteriores ter sido pior, este ano continuamos a encontrar pessoas que comentam os filmes entre si como se estivessem em casa a ver a novela, sem se preocuparem com o facto de que algumas das pessoas presentes na sala estão ali para ver um filme. Este ano ainda assisti a uma situação quase surreal de troca de cadeiras por parte de tantos espectadores numa das sessões que me questionei se não teriam organizado um jogo das cadeiras e me esqueceram de avisar. Faz lembrar os festivais de verão onde a maior parte do público está lá 'para o convívio' e nem sequer se importa em saber quem é o artista que está no palco, desrespeitando não só o próprio artista, mas sobretudo quem veio assistir ao espectáculo. Em suma: o público dá prémios, mas não merece prémio. Haja paciência.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

IndieLisboa 2013, Dia 11: Dores de crescimento

O último dia de IndieLisboa em 2013 acabou em grande, mas com mais uma pequena desilusão: «Frances Ha», de Noah Baumbach, cujas expectativas estavam tão em alta que acabou por desiludir um pouco. Antes houve tempo para conhecer a história de Yang Ja, no documentário «When Night Falls», de Liang Ying. O festival terminou com «Starlet», um filme belo e simples de Sean Baker, um dos repetentes do IndieLisboa.


A pena de morte foi o tema de um dos momentos fortes do IndieLisboa (as duas sessões dedicadas a «Death Row», o projecto televisivo de Werner Herzog sobre a pena capital nos EUA) e é o pano de fundo da história de Yang Jia, um jovem chinês condenado à morte em 2008, ano em que Pequim recebeu as Olimpíadas. «When Night Falls» recupera o processo pouco claro que levou à condenação do jovem através do olhar da mãe, com o recurso a sequências encenadas, pois as únicas imagens relativas ao julgamento e ao crime cometido por Yang Ja são fotografias que surgem no início do filme para contextualizar a história com a ajuda de legendas e uma voz off.

Filme de denúncia, «When Night Falls» é mais um retrato de uma justiça cega num país onde os direitos humanos são desrespeitados. O caso de Yang Jia dá conta de um processo onde o jovem poucas hipóteses teve para se defender e evitar a condenação à morte, segundo nos relata o documentário, que contou com o aval da mãe de Yang Jia e utilizou como fontes alguns dos textos de Yang Jia e do activista Ai Wei Wei, publicados na Internet, um dos principais palcos de contestação às políticas chinesas, mesmo que seja altamente controlada pelas autoridades. E por várias vezes o filme refere que os principais apoiantes da causa da mãe do condenado são precisamente estes ciber-activistas.

Apesar de alguns aspectos interessantes, sobretudo na forma como Liang Ying utiliza as imagens oficiais no início do filme para fazer o contexto do processo, «When Night Falls» acaba por perder alguma força à medida que vai avançando e as sequências encenadas não acrescentam muito mais à história. Funciona como retrato do que pretende denunciar, mas talvez tenha sido demasiado longo para as suas intenções finais.

Classificação: 3/5


(com spoilers)
Aguardar um filme com as expectativas demasiado em alta pode ser uma chatice. Foi o que aconteceu com «Frances Ha», um daqueles filmes que queremos tanto gostar e depois acabamos por gostar assim assim. Não que o mais recente filme de Noah Baumbach seja um mau filme, longe disso. A culpa de não termos gostado tanto como queríamos foi da expectativa criada em torno da história de Frances (Greta Gerwig), uma jovem de 27 anos a atravessar um período complicado em que todos à sua volta começam a assentar, menos ela, que continua a viver no seu universo e aparentemente não quer crescer. Não é propriamente a jovem que era quando conheceu a sua melhor amiga na universidade, com quem partilha apartamento no início do filme, mas também ainda não é a adulta 'responsável' que todos acham que já devia ser. A eterna 'encalhada', como a define um dos amigos.

O que move Frances são os seus sonhos, de ser uma bailarina bem sucedida, continuar a viver com os amigos e a fazer o que lhe apetece como sempre fez (ela não é desarrumada, é ocupada, como gosta de sublinhar ao longo do filme sempre que é criticada por não arrumar o quarto), até ao momento em que todos deixam de ser assim, em prol de uma realidade mais 'sólida', mas que ao mesmo tempo apenas é atingível se abdicarem de parte de si. E o exemplo da melhor amiga de Frances é paradigmático disso mesmo. Mas Frances não faz parte desse universo e de certa forma consegue fugir desse destino, pois apesar de eventualmente atingir o sucesso continua a ser igual a si própria no final do filme, a jovem desenrascada que arranja solução para tudo.

É fácil gostar de «Frances Ha» e apaixonar-mo-nos pela criação de Gerwig, que além de interpretar a personagem principal assinou o argumento em conjunto com Baumbach. Tem uma protagonista fantástica (Frances), Nova Iorque fotografada magnificamente a preto e branco e uma música de David Bowie que acabou por se tornar a banda sonora oficial do último dia do IndieLisboa. Mas no final ficamos com uma ligeira sensação de desilusão. Apenas porque queríamos mesmo gostar (mesmo) muito de «Frances Ha».

Classificação: 4/5


Para terminar esta edição do IndieLisboa arriscamos um outro nome conhecido. Tal como no primeiro filme optámos por começar com dois velhos amigos conhecidos no festival lisboeta (a dupla Gustave de Kervern e Benoît Delépine) o último filme ficou reservado para o regresso de um nome que já andou pelo IndieLisboa: Sean Baker, cujo anterior «Prince of Broadway» esteve presente na Competição Internacional na edição de 2009. Na altura este simpático filme, sobre um imigrante ilegal em Nova Iorque que não sabe o que fazer quando de repente se vê a tomar conta de um filho de dois anos cuja existência desconhecia, foi suficiente para que o nome de Sean Baker nos ficar retido na memória.

Em «Starlet» as ruas de Nova Iorque são trocadas pelo sol da Califórnia, o estado onde decorre a acção do filme que relata a história de Jane (Dree Hemingway), uma jovem que se torna amiga de Sadie (Besedka Johnson) depois de esta pouco simpática senhora idosa lhe vender um termo em segunda mão, termo esse que esconde uma quantia generosa de dinheiro. Aos poucos a relação improvável entre as duas vai crescendo e Sadie encontra em Jane uma companheira com quem partilha os seus segredos depois de uma desconfiança inicial, ao mesmo tempo que Jane encontra em Sadie uma nova amiga, que nada tem a ver com o casal com quem partilha casa.

«Starlet» volta a não ser a obra-prima do IndieLisboa (apesar de este ano ter gostado de muitos dos filmes visionados, nenhum conseguiu atingir o estatuto de excepcional), mas conseguiu ser uma agradável surpresa na recta final do festival. Um filme belo e simples, que não vai além do que aquilo que é suposto ser e sem qualquer pretensiosismo, factor que por vezes acaba por jogar contra este tipo de obras. E coloca Sean Baker no lote de nomes a seguir em futuras edições do festival.

Classificação: 4/5

domingo, 28 de abril de 2013

IndieLisboa 2013, Dia 10: Um dia no Museu

No penúltimo dia de IndieLisboa houve espaço para um pouco de tudo: uma competente primeira obra vinda do Brasil («Eles Voltam», de Marcelo Lordello), um documentário sobre um dos maiores segredos da história nuclear da ex-União Soviética («Metamorphosen», de Sebastian Mez), uma bela obra com o museu de História de Arte de Viena em pano de fundo («Museum Hours», de Jem Cohen) e uma comédia surreal sobre a procura de amor («Not in Tel Aviv», de Nony Geffen).


Tal como uma equipa de futebol é composta por 11 elementos, 11 foram os filmes que vieram representar o Brasil na edição deste ano do IndieLisboa. Depois do fraco documentário «Doméstica» resolvemos arriscar «Eles Voltam», a longa-metragem de estreia de Marcelo Lordello que levou para casa o prémio de distribuição do festival e poderá eventualmente vir a estrear comercialmente em Portugal. Mesmo não sendo o melhor filme visto nos últimos dias (outros filmes que passaram pelo Indie mereciam estreia comercial e muito provavelmente não terão), a primeira obra de Marcelo Lordello é uma competente estreia.

Girando em torno de Cris (Maria Luiza Tavares), uma adolescente que é abandonada pelos pais à beira de uma estrada perdida no Interior do Brasil, «Eles Voltam» é outro retrato do Brasil através do olhar de uma jovem. Neste caso uma jovem que é abandonada (nunca chegamos a saber a razão que levou os pais de Cris a abandonarem a jovem e o seu irmão mais velho, que acaba mais tarde por abandoná-la também quando parte à procura de ajuda) e acaba por ser ajudada por uma família de origens mais modestas. Esta experiência vai ser fundamental para a adolescente se aperceber de uma outra realidade, bem diferente da sua (basta comparar a casa da família que a acolhe e a sua própria casa), e mudar a sua percepção do mundo à sua volta.

É verdade que «Eles Voltam» podia ir um pouco mais longe e aprofundar melhor uma questão como as divisões sociais numa sociedade bastante desigual (vêm-nos de novo à memória, por exemplo, alguns dos retratos apresentados em «Doméstica») e se o filme fosse um pouco mais curto não se perdia muito. Não fosse esta falta de vontade em aprofundar o tema que pretende explorar e o filme de Marcelo Lordello poderia ter sido uma boa surpresa. Assim acaba por ser mais um filme mediano a passar pelo Indie.

Classificação: 3/5


Algumas das boas surpresas que encontrámos no IndieLisboa em 2013 vieram do universo documental. Não estando à altura de objectos como «The Act of Killing» ou «Leviathan», «Metamorphosen», do mexicano Sebastian Mez, é o retrato de um dos maiores segredos da história nuclear da ex-União Soviética e não pelas melhores razões. Situada na região sul da Rússia a central nuclear de Mayak foi o palco de uma das maiores catástrofes nucleares da história da Humanidade, comparada aos acidentes de Chernobyl e Fukushima, mas que esteve afastada do conhecimento público durante mais de três décadas. Mais recentemente a mesma central, que ainda se encontra em funcionamento, esteve à beira de uma nova catástrofe, relatada por um dos intervenientes no final do filme.

Ao longo de pouco menos de uma hora e meia a câmara de Sebastian Mez mostra-nos os efeitos do acidente original na região, através de relatos da população que continuou a viver na zona afectada, alguns dos quais ainda hoje sofrem das consequências da exposição a níveis de radiação surpreendentes. Filmado a preto e branco, que dá uma força enorme às imagens das paisagens desoladoras da região, «Metamorphosen» é um filme simples, que não vai além daquilo que pretende mostrar: os malefícios do nuclear e os perigos representados por um tipo de energia que pode ter efeitos devastadores em caso de acidente. Tal como no caso de «Eles Voltam», falta um pouco mais para este ser um bom filme, que acaba por ter o mérito de mostrar ao mundo um caso praticamente desconhecido.

Classificação: 3/5


O melhor do dia (e um dos melhores momentos do festival)  ficou reservado para uma pequena pérola chamada «Museum Hours», de Jem Cohen, este sim um daqueles filmes que merecia distribuição comercial. Mas como a distribuição portuguesa é uma daquelas 'ciências' inexplicáveis, «Museum Hours» vai ser mais um daqueles filmes que vimos em contexto de festival e muito provavelmente vamos perder-lhe o rasto. Mas felizardos os que tiveram oportunidade de assistir às três passagens no IndieLisboa, a última das quais numa sessão esgotada cujo início mais parecia uma versão do jogo das cadeiras, tal o número de pessoas que se levantaram e mudaram de lugar durante a projecção. Infelizmente ver pessoas que não sabem estar numa sala de Cinema é uma realidade cada vez mais comum e o por incrível que pareça o IndieLisboa costuma ser palco deste tipo de atitudes, que apenas se compreenderão se especularmos que estes espectadores só entram numa sala de Cinema em ocasiões especiais, como é o caso dos festivais de Cinema.

Desabafos à parte, vamos ao que interessa. Olhando apenas para o título, «Museum Hours» poderia indicar que estamos perante um daqueles filmes chatos, passado num museu onde nada se passa e o silêncio é rei. Mas não poderíamos estar mais equivocados, pois o filme de Jem Cohen vai muito para além da história de um simples segurança de museu vienense que percorre os corredores e se habituou a (re)descobrir o que se passa nos seus quadros. Durante estes seus 'passeios' Johann (Bobby Sommer) vai reflectindo, através de monólogos interiores que partilha connosco, sobre a arte e os mais variados aspectos a partir dos quadros que tem à sua guarda. A chegada de uma visitante estrangeira, que vem a Viena para visitar uma familiar hospitalizada, acaba por influenciar os seus passeios, que de repente passam também a incluir as ruas da capital austríaca que mostra à sua nova amiga, que encontrou um dia no museu.

Tão simples quanto isto, «Museum Hours» é um daqueles filmes que não nos quer ensinar nada, nem sequer nos impõe uma qualquer resposta para o que estamos a ver. Tal como às tantas a guia presente numa das sequências responde a um dos visitantes, que discorda das suas opiniões, aquela é a sua visão e qualquer um pode ter a sua. A que vemos em «Museum Hours» é a de Johann e é essa que nos guia ao longo do filme, onde cabe tudo um pouco, incluindo um belíssimo final onde o protagonista descreve de forma fabulosa uma cena do quotidiano como se estivesse a descrever um quadro, tal e qual como a gravação de um audio-guia. Se houve filme na presente edição do IndieLisboa pelo qual nos deixámos ir, «Museum Hours» foi sem dúvida alguma esse filme.

Classificação: 4/5


«Not in Tel Aviv» foi o filme escolhido para terminar o penúltimo dia de IndieLisboa. Comédia surreal israelita, o filme realizado por Nony Geffen foi um dos objectos mais estranhos a passar pela edição deste ano do festival e um daqueles que se gosta ou odeia. Protagonizado por Mischa (interpretado pelo realizador, que também assina o argumento), «Not in Tel Aviv» é a história de um jovem professor que é despedido na cena inicial e resolve raptar uma das alunas. A partir daqui entramos numa estranha descida aos infernos que mais não é do que a procura do amor por parte de Mischa, uma personagem tão confusa como nos pareceu todo o filme, que nos faz lembrar as comédias independentes norte-americanas (nem falta a fotografia a preto e branco), mas numa variante surrealista. Tem alguns pormenores curiosos e bem conseguidos, incluindo uma boa banda sonora, bastante simpática, mas pouco mais do que isso. Uma enorme desilusão depois do anterior «Museum Hours».

Classificação: 2/5

sábado, 27 de abril de 2013

IndieLisboa 2013: os vencedores


Foram hoje anunciados os vencedores da edição de 2013 do IndieLisboa. Sem grandes surpresas os filmes «Lacrau», de João Vladimiro, e «Leviathan», de Lucien Castaing-Taylor e Véréna Paravel, conquistaram os principais prémios do festival: Melhor Longa Metragem Portuguesa e Grande Prémio de Longa Metragem Cidade de Lisboa, respectivamente. «Lacrau» venceu ainda o Prémio Árvore da Vida para Filme Português. O prémio do público para melhor longa metragem foi atribuído a «Amsterdam Stories USA», de Rob Rombout e Rogier Van Eck. No campo das curta-metragens os principais vencedores foram «Da Vinci», de Yuri Ancarani (Grande Prémio de Curta Metragem), «Gingers», de António da Silva (Melhor Curta Metragem Portuguesa) e «Le Libraire de Belfast», de Alessandra Celesia (Prémio do Público).

A lista completa dos vencedores é a seguinte:

Grande Prémio de Longa Metragem Cidade de Lisboa
Leviathan, de Lucien Castaing-Taylor e Véréna Paravel (Reino Unido, E.U.A., França)

Prémio de Distribuição TVCine
Eles Voltam, de Marcelo Lordello (Brasil)

Prémio Digimaster para Melhor Longa Metragem Portuguesa
Lacrau, de João Vladimiro (Portugal)

Grande Prémio de Curta Metragem
Da Vinci, de Yuri Ancarani (Itália)
Menções Honrosas
Animação: Comme des Lapins (Chroniques da la Poisse, chap. 2), de Osman Cerfon (França)
Documentário: Resistente, de Renate Costa Perdomo e Salla Sorri (Dinamarca, Finlândia, Paraguai)
Ficção: Noelia, de María Alché (Argentina), e El Ruido de las Estrellas me Aturde, de Eduardo Williams (Argentina)

Prémio Pixel Bunker para Melhor Curta Metragem Portuguesa
Gingers, de António da Silva (Reino Unido, Portugal)
Menção Honrosa
Má Raça, de André Santos e Marco Leão (Portugal)

Prémio Novo Talento FNAC
Má Raça, de André Santos e Marco Leão (Portugal)

Prémio Novíssimos
Outro Homem Qualquer, de Luís Soares (Portugal)

Prémio Culturgest Pulsar do Mundo
La Chica del Sur, de José Luis García (Argentina)
Menção Honrosa
Donauspital - SMZ Ost, de Nikolaus Geyrhalter (Áustria)

Prémio Amnistia Internacional
The Act of Killing, deJoshua Oppenheimer (Dinamarca)
Menção Honrosa
The Devil, de Jean-Gabriel Périot (França)

Prémio Árvore da Vida para Filme Português
Lacrau, de João Vladimiro (Portugal)
Menção Honrosa
Rhoma Acans, de Leonor Teles (Portugal)

Prémio TAP para Longa Metragem Portuguesa de Ficção
É o Amor, de João Canijo (Portugal)

Prémio TAP para Documentário Português
Torres & Cometas, de Gonçalo Tocha (Portugal)

Prémio do Público
Longa Metragem
Amsterdam Stories USA, de Rob Rombout e Rogier Van Eck (Bélgica)
Curta Metragem
Le Libraire de Belfast, de Alessandra Celesia (Reino Unido, França, Irlanda)
IndieJúnior
De Club van Lelijke Kinderen/O Clube das Crianças Feias, de Jonathan Elbers (Holanda)

IndieLisboa 2013, Dia 9: Geeks ao poder

O nono dia de IndieLisboa trouxe algumas desilusões («A Batalha de Tabatô», de João Viana, e «Ape», de Joel Potrykus) e uma boa comédia indie que recupera o espírito geek da década de 1980 («Computer Chess», de Andrew Bujalski).


Praticamente chegado de Berlim, onde recebeu uma menção especial naquele que é um dos principais festivais de cinema do mundo, «A Batalha de Tabatô» era à partida mais um dos filmes obrigatórios do IndieLisboa este ano. Estreia de João Viana nas longas metragens, o filme relata a chegada de um homem à Guiné Bissau para assistir ao casamento da filha e que aos poucos começa a reviver o seu passado de guerra colonial que o fez abandonar o país. Filmado a preto e branco, com excepção de algumas sequências onde a guerra é representada em tons de vermelho, «A Batalha de Tabatô» é um filme onde os fantasmas do passado e do presente andam lado a lado e procuram uma certa reconciliação que acaba por chegar através da música, na aldeia remota de Tabatô, onde decorre parte da acção.

Talvez o facto de «A Batalha de Tabatô» ter chegado ao festival com uma aura de filme especial tenha elevado demasiado as expectativas em relação ao filme. A verdade é que não há nenhum rasgo que o torne um dos grandes filmes que passaram pelo IndieLisboa este ano. Antes um objecto curioso que continua a desbravar territórios como os de «Tabu», de Miguel Gomes, que nos levou a olhar de novo para África, mas com menos sucesso. Neste caso João Viana não conta uma história de amor protagonizada pelos colonos, antes uma história alicerçada na cultura local, como que um regresso às origens, num conto pacifista em que defende as tradições locais, destruídas com a colonização. Tem alguns bons pormenores, é certo, mas ao mesmo tempo as suas fragilidades saltam à vista, em grande parte graças a interpretações demasiado simples, que acabam por se tornar o pior aspecto do filme.

Classificação: 3/5


Completamente diferente é o universo de «Computer Chess». Passado num fim de semana da década de 1980, o mais recente filme de Andrew Bujalski tem como cenário um torneio onde várias equipas de informáticos apresentam os seus programas de xadrez mais recentes. O objectivo é descobrir qual o melhor programa de xadrez em competição, através de várias partidas onde as máquinas se defrontam entre si, sendo que além do prémio final o vencedor irá ter a oportunidade de defrontar um jogador humano, como tem acontecido nas anteriores edições do torneio anual. Desta vez os computadores estão mais evoluídos e não se sabe se pela primeira vez as máquinas vão conseguir bater o homem ou não.

Povoado pelas mais estranhas personagens, entre as quais um grupo de auto-ajuda que escolheu o mesmo hotel para se reunir naquele fim de semana, «Computer Chess» é a comédia geek por excelência e dificilmente terá rival à altura neste campo. Todo o universo dos programadores informáticos daquela época é recriado magistralmente por Andrew Bujalski, não só na forma como o filme nos é apresentado (a preto e branco e em vídeo), mas também nos delirantes diálogos entre as personagens, que vivem apenas para aquilo que fazem. As rivalidades, a presença de um estranho programador independente, aparentemente não tão geek como os outros concorrentes, e o destaque dado à primeira mulher a participar no torneio (a grande curiosidade daquela edição do torneio, sempre a ser destacada pelo apresentador), está tudo lá para nos mostrar o maravilhoso mundo da programação informática nos seus primórdios. Continua a não ser uma obra-prima que vamos levar do Indie em 2013, mas de certeza que vai ser uma das boas recordações que vamos levar do festival este ano.

Classificação: 4/5


Continuando nos EUA, o nono dia de IndieLisboa terminou com «Ape», uma comédia negra sobre um jovem comediante sem sucesso, que tem mais jeito para atear fogos do que para contar piadas. A obra de estreia de Joel Potrykus, também ele um ex-comediante sem sucesso, pertence ao mesmo universo de «The First Winter»: um filme completamente independente, feito por amigos através de uma produtora própria. E, tal como o filme canadiano, não vive para as expectativas, mesmo sendo um filme um pouco melhor. Por muito que se esforce o actor principal, Joshua Burge, que encarna na perfeição o comediante pirómano azarado, «Ape» foi um dos filmes mais fracos a passar pelo festival. Mas não deixa de ser a prova de que quando um grupo de amigos se junta para fazer um filme (rodado ao longo de três meses, durante fins de semana e folgas de todos os envolvidos, e com um orçamento baixíssimo - 2 mil dólares, mais algum dinheiro para pós-produção -, segundo explicou o produtor no final da sessão) consegue fazê-lo. Mesmo que o resultado não seja bom, tem esse mérito de manter o espírito indie.

Classificação: 2/5

sexta-feira, 26 de abril de 2013

IndieLisboa 2013, Dia 8: Amor, Morte e Sexo

Depois de um dia mais fraco, o oitavo dia de IndieLisboa foi de emoções fortes: uma história sobre a descoberta do amor («Ma Belle Gosse», de Shalimar Preuss), uma descida aos infernos na Indonésia («Act of Killing», de Joshua Oppenheimer) e as aventuras sexuais de uma mulher europeia à procura de amor numas férias no Quénia («Paradise: Love», de Ulrich Seidl).


«Ma Belle Gosse», um dos filmes presentes na competição internacional do IndieLisboa, marca a estreia de Shalimar Preuss na realização de longas metragens. É um filme sobre a descoberta do amor por parte de uma adolescente de 17 anos que mantém uma relação epistolar com um homem mais velho que se encontra preso. A acção decorre durante umas férias em família e a jovem Maden tenta a todo o custo esconder essa relação, que acaba eventualmente por ser descoberta pelas suas primas. Filmado sempre com a câmara à mão, seguimos a jovem e os seus companheiros de férias como se fossemos um deles, com especial foco na jovem protagonista e num dos seus primos, com quem partilha o segredo no início.

Ao contrário de algumas propostas mais arriscadas que costumam aparecer na competição oficial do festival, «Ma Belle Gosse» é uma antítese desse tipo de obras, tal a simplicidade com que Shalimar Preuss filma a história de Maden. E é essa simplicidade e falta de capacidade para arriscar que acaba por jogar contra o filme, que aos poucos se torna pouco mais do que algo banal, que vemos sem pensar muito no que estamos a ver. Precisava de um pouco mais de garra para nos cativar e tornar «Ma Belle Gosse» uma estreia mais auspiciosa, apesar de ser bastante competente no que pretende ser.

Classificação: 3/5


De uma história de amor, passamos para uma história de terror: o documentário «The Act of Killing», de Joshua Oppenheimer, um dos filmes mais difíceis de digerir nesta edição do IndieLisboa. Estávamos preparados para um filme forte, mas não estávamos de todo preparados para o que iria passar pelo grande ecrã durante as duas horas e meia de duração do documentário, que se debruça sobre o massacre dos comunistas na Indonésia nos anos 1965-1966, massacre esse que vitimou mais de um milhão de pessoas cujos autores continuam sem ser responsabilizados. Estes acontecimentos são relatados por vários dos responsáveis pelos massacres, entre os quais Anwar Congo, 'personagem' principal de «The Act of Killing», que na altura passou de pequeno criminoso local (cuja principal actividade era a venda de bilhetes de cinema na candonga) a um dos principais carrascos e responsável por um esquadrão da morte que matou um número indeterminado de pessoas com a cumplicidade das autoridades oficiais.

Ao longo do filme acompanhamos Anwar Congo e alguns dos seus companheiros da altura, alguns dos quais acabaram por se tornar homens de negócios bem sucedidos e governadores, todos com estatuto de heróis nacionais, na recriação dos acontecimentos que levaram ao massacre de mais de um milhão de pessoas. Para a execução desta recriação o realizador do documentário deu luz verde aos protagonistas para encenarem os acontecimentos como bem entendessem. E o resultado é uma espécie de making of dessas cenas para um suposto filme, cujas sequências acabam por ser mais chocantes do que as horríveis descrições que os protagonistas de «The Act of Killing» fazem dos seus actos ao longo do filme, pois roçam um certo surrealismo. Como o facto de numa dessas sequências um actual ministro indonésio participar na direcção da cena, como se fosse um realizador de cinema.

Apesar de toda a glorificação das suas acções no filme dentro do filme, o comportamento de Anwar Congo vai mudando um pouco ao longo de «The Act of Killing». Começando como um fanfarrão, que se gaba do que fez e como o fazia com total impunidade, e acabando como alguém com enormes sentimentos de culpa que se vai apercebendo de tudo o que fez à medida que recria os acontecimentos. Esse reconhecimento culmina numa das cenas mais difíceis de digerir em «The Act of Killing», quando o protagonista regressa ao terraço de casa, onde anteriormente já tinha exemplificado um dos métodos que utilizava para matar as vítimas. Mas o mal já estava feito e por mais fantasmas que o visitem à noite, os seus actos continuam impunes.

Mesmo sendo um dos melhores filmes passados nesta edição do IndieLisboa, o documentário de Joshua Oppenheimer não é fácil de se ver e prova como a banalização do mal consegue atingir níveis impensáveis. O facto de grande parte da ficha técnica do filme contar com inúmeros elementos anónimos denota que o tema, mesmo passados tantos anos, continua a ser polémico na Indonésia, onde os familiares das vítimas sabem que nada podem fazer contra os carrascos, que continuam protegidos pelas autoridades e ainda gozam com a simples possibilidade de um dia poderem vir a ser julgados em tribunais internacionais, como os criminosos de guerra nazis ou os autores dos genocídios no Ruanda. E pessoas como Anwar Congo continuam a ser vistos como 'heróis'.

Para ficar a conhecer um pouco mais sobre este projecto de Joshua Oppenheimer recomendo vivamente a visita ao site oficial do filme.

Classificação: 4/5


Para terminar o oitavo dia, depois de uma descida aos infernos, um regresso ao Paraíso de Ulrich Seidl para a última parte da trilogia «Paradise», desta vez com o primeiro capítulo da série, dedicado ao tema do Amor. Depois de nos mostrar a Fé de Anna Maria (protagonista de «Paradise: Faith») e a Esperança de Melanie (a personagem principal de «Paradise: Hope»), o cineasta austríaco leva-nos ao Quénia para acompanhar as férias de Teresa, irmã de Anna Maria e mãe de Melanie, que procura a todo o custo o Amor que (muito provavelmente) não encontra em casa, na sua Áustria natal, mas acaba por ter direito apenas a relações sexuais com diversos parceiros. Se de início a turista ocidental ainda quer acreditar que a sua primeira conquista está de facto apaixonada por ela, cedo se apercebe que o que o move é o dinheiro. E quando Teresa deixa de ter dinheiro para lhe pagar, este deixa de a 'amar'. A partir daqui Teresa deixa de ter fé no amor e todas as relações acabam por ser sexuais.

À semelhança do que constatáramos ao ver a terceira parte da trilogia (nota: apesar de lançados em alturas diferentes, os filmes não têm de ser vistos por ordem cronológica), também aqui ficamos com a sensação de que Seidl acaba por filmar o mesmo filme, mas com uma história diferente e com enfoque noutro tema. O que acaba por ser um pouco redutor, pois o efeito do primeiro filme acaba por ser perder aos poucos e acabamos por gostar mais de um ou outro determinado capítulo consoante a história ou o tema abordado. E «Paradise: Love» consegue estar ao nível de «Paradise: Faith», onde o olhar de Seidl volta a ser pouco simpático para as suas personagens (arriscamos mesmo dizer que o cineasta não tem qualquer pingo de amor pelas personagens dos seus filmes), sendo um filme que nos faz reflectir sobre coisas sérias a partir de tons de comédia negra. Como, aliás, provou ser todo o universo de Ulrich Seidl que nos trouxe o IndieLisboa este ano.

Classificação: 4/5

quinta-feira, 25 de abril de 2013

IndieLisboa 2013, Dia 7: O dia do Facínora

O sétimo dia de IndieLisboa foi o mais fraco do festival até à data. Com o visionamento de obras menores (as longas metragens «The First Winter», de Ryan McKenna, e «Orléans», de Virgil Vernier), o dia ficou ganho com uma sessão de curtas-metragens, com destaque para a portuguesa «O Facínora», de Paulo Abreu.


Ainda há quem faça manifestos de Cinema? Aparentemente sim e um dos mais recentes (e quiçá dos menos conhecidos) tem origem no Canadá. Baptizado de «Winnipeg Brutalism» o manifesto foi criado por Ryan McKenna, o realizador de «The First Winter» que por estes dias tem andado pelo IndieLisboa a apresentar a sua obra de estreia. Quem ler os sete pontos do manifesto (disponível aqui) constatará que os filmes que dali saírem são tudo menos alegres, tal como a paisagem urbana de Winnipeg no Inverno que aparece em «The First Winter», o primeiro filme a seguir as regras do manifesto que defende um tipo de humor bastante peculiar. Mas as piadas neste caso passam-nos ao lado, mesmo que por aqui paire o fantasma de Aki Kaurismaki, uma das influências assumidas por McKenna.

O filme, que relata o primeiro Inverno do português Roberto na cidade de Winnipeg, para onde foi depois de descobrir que uma rapariga que conheceu em Portugal ficou grávida, é de uma aridez completa, a todos os níveis. O argumento é pobre, as interpretações fracas e nem mesmo o facto de «The First Winter» nos fazer lembrar a espaços as obras do cineasta finlandês, sobretudo na primeira metade do filme, o salva. Moral da história: não é Kaurismaki quem quer.

Classificação: 1/5


O nível subiu um bocado na segunda sessão do dia, mas não tanto. «Orléans» é mais uma primeira obra e faz parte da competição internacional do IndieLisboa. Misto de ficção e documentário, a estreia nas longas-metragens de Virgil Vernier relata as andanças de duas jovens strippers que trabalham em Orléans, uma delas acabada de chegar à cidade com uma mala cheia de sonhos, durante um festival em honra de Joana D'Arc. Os diálogos entre as duas sobre os mais variados temas, desde os planos de futuro que têm a truques para seduzir os clientes do bar onde trabalham, podiam ser interessantes, mas não são mais do que banais.

O mesmo se pode dizer das imagens do festival, onde vemos uma procissão, rituais religiosos e jogos de luzes a passar na fachada da catedral local. A aparição de uma jovem Joana D'Arc na floresta ainda poderia dar um outro ar a «Orléans», mas passado pouco tempo o realismo do filme acaba por regressar quando descobrimos o papel da jovem no filme. Não sabemos mais sobre as personagens e pouco sabemos sobre as festividades ou a cidade que serve de palco ao filme. No final, mais um bocejo.

Classificação: 2/5


O melhor do dia acabou por ficar reservado para a segunda sessão de curtas da secção Cinema Emergente, com três filmes: «A Herdade dos Defuntos», de Patrick Mendes, «O Facínora», de Paulo Abreu, e «The Bookseller of Belfast», de Alessandra Celesia. Comecemos pela primeira, mais uma obra de Patrick Mendes que remete para o seu universo muito particular, povoado de personagens sinistras em ambientes desolados. À semelhança de «Sangue Frio», curta vencedora da edição de 2009 do festival Motelx, «A Herdade dos Defuntos» leva-nos a um local isolado (no caso um ferro velho) onde vive uma mulher que esconde um segredo num dos contentores. Sem diálogos, mas com um bom trabalho de som, a curta não nos convence de todo. Contudo, tendo em conta o que foi visto ao longo do dia, «A Herdade dos Defuntos» acabou por ser um bom prato de entrada para o que viria a seguir.

Classificação: 3/5


E o que estava para chegar foi o melhor filme visto no festival até agora: a curta-metragem «O Facínora», de Paulo Abreu, um projecto que teve como base uma encomenda de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura. Mais do que uma curta metragem de terror, «O Facínora» é uma bela homenagem ao Cinema mudo e a um filme realizado na década de 1920 em Guimarães por um Conrad Wilhelm Meyersick, um engenheiro e cineasta alemão amador que passou por Portugal e Espanha naquela década. Esse filme é considerado perdido, mas foi recuperado (de certa forma) nesta curta de Paulo Abreu. De certa forma quase que podemos colocar «O Facínora» no mesmo universo de «O Barão» de Edgar Pêra, mas o resultado neste caso é muito superior.

Se Pêra quis homenagear os filmes de série B, revisitando-os e experimentando através do seu olhar particular, Paulo Abreu preferiu seguir as regras do jogo e se entrássemos na sessão sem sabermos ao que íamos muito provavelmente acreditaríamos que estávamos perante um tesouro perdido do tempo do mudo. Filmado em Super 8 e a preto e branco, «O Facínora» remete-nos para o imaginário dos filmes alemães da década de 1920, na variante expressionista. A história é a de um frade vimaranense que à noite protege as ruas de Guimarães dos criminosos, qual monge justiceiro. Depois de um breve encontro com uma das mulheres mais belas da cidade, o frade cede à tentação e passa de herói a vilão.

Recheado de encontros sobrenaturais, onde não faltam mulheres em perigo, bruxas e o próprio demónio, «O Facínora» consegue ser o que filmes como «O Artista», para citar o exemplo mais conhecido de uma vaga de filmes que estão a revisitar o cinema mudo, não conseguem. Homenagear o cinema mudo sem soar a falso. E além do excelente trabalho de Paulo Abreu na realização, há que destacar a fabulosa música que acompanha o filme, assinada pela dupla Legendary Tigerman e Rita Redshoes, que cria a banda sonora e a atmosfera perfeita para o ambiente pretendido. Por tudo isso «O Facínora» merecia obter algum reconhecimento, pois é uma pequena pérola à espera de ser descoberta. Quanto mais não seja como curiosidade.

Classificação: 5/5


A terminar a sessão de curtas uma das mais aguardadas do festival por estes lados e que nos levou a optar por esta sessão: «The Bookseller of Belfast». E não podíamos estar mais distantes do universo das duas curtas anteriores, pois aqui não há criaturas sinistras para nos aterrorizar o serão, antes pessoas normais que vivem nos seus próprios mundos, sendo o protagonista (se assim se pode definir John Clancy neste filme) alguém a quem podemos chamar de uma 'personagem' local. Dono de uma enorme colecção de livros, a sua grande paixão, John Clancy é ao mesmo tempo alguém com uma enorme paixão pela vida e que gosta de ajudar os outros à sua volta.

É através da filosofia de vida de John Clancy que vamos conhecendo outras pessoas normais que com ele convivem em Belfast, desde o jovem punk apreciador de ópera à empregada de café que concorre a um concurso de talentos. Ambos são exemplos de pessoas com sonhos que recebem conselhos do livreiro de Belfast, que dá título à curta de Alessandra Celesia. «The Bookseller of Belfast» é um filme bastante simpático (é impossível não gostar da 'personagem' de Clancy) daí não ser de estranhar estar no topo das preferências do prémio do público do festival. Mas depois da surpresa causada por «O Facínora», não conseguimos gostar mais desta curta como talvez ela merecesse.

Classificação: 4/5

quarta-feira, 24 de abril de 2013

IndieLisboa 2013, Dia 6: Um 'monstro' chamado Leviathan

O sexto dia de IndieLisboa ficou marcado por um dos acontecimentos do festival: «Leviathan», de Lucien Castaing-Taylor e Verena Paravel, um documentário experimental sobre a pesca em alto mar. Antes foi tempo de entrar nos quadros de Edward Hopper, através do olhar de Gustav Deutsch, realizador de  «Shirley: Visions of Reality». O dia terminou com mais uma comédia seca (não confundir com secante) sobre questões sociais: «Workers», de José Luis Valle.


De certeza que muitos apreciadores de pintura já terão imaginado, ao olhar para os quadros dos seus pintores favoritos, o que vai na cabeça das 'personagens' representadas. É essa a proposta de Gustav Deutsch em «Shirley: Visions of Reality», um filme protagonizado por uma actriz e que tem como cenários diversos quadros de Edward Hopper (é fácil reconhecer a obra do pintor norte-americano, basta ver a imagem acima, tirada de um dos episódios de «Shirley...»). À partida o novo projecto do realizador de «Film ist a Girl & a Gun» teria tudo para dar um bom resultado.

E resulta, em alguns aspectos, como é o caso da composição dos planos e de uma excelente utilização dos cenários e cores, que fazem de facto lembrar os quadros de Edward Hopper. Ao vermos «Shirley...» temos a sensação de que estamos mesmo a ver os quadros do pintor em movimento. Aí não podemos apontar grandes falhas ao filme, sobretudo se gostarmos das obras de Hopper. O que já não resulta tão bem é o resto. A história de Shirley, interpretada por Stephanie Cumming num registo que por vezes parece demasiado teatral, que se nota mais nas cenas que contam com a presença de outras personagens, é demasiado vaga para preencher a imensidão dos quadros recriados. Uma oportunidade perdida para dar vida a um dos mais emblemáticos pintores do século XX, apesar de não deixar de ser uma obra curiosa.

Classificação: 3/5


Falar sobre «Leviathan» não é tarefa fácil. Apesar de ser considerado como um dos grandes acontecimentos do festival, o documentário realizado por Lucien Castaing-Taylor e Verena Paravel não fazia parte dos planos iniciais de visionamento, por ser um tipo de filme que não me atrai muito: um documentário experimental sobre pesca em alto mar. Mas depois do 'susto' apanhado com «Animal Love», de Ulrich Seidl, lá resolvemos arriscar e trocar a sessão de «Jesus, You Know» do austríaco por «Leviathan». E se a escolha de ver filmes em festivais por vezes é um risco, nunca sabemos bem ao que vamos em certos filmes, este foi um risco que valeu a pena correr.

«Leviathan» não é um filme fácil, mesmo enquanto documentário. Praticamente não tem falas, não há narrador, não há texto a complementar o que vamos ver a não ser um breve trecho bíblico no início do filme, tirado do livro de Job. A partir daqui somos transportados de imediato para alto mar e estamos por conta própria. Se há filmes que devem ser vistos em sala, «Leviathan» é um desses casos. Toda a experiência, tanto a nível visual como sonoro, ganha muito mais força neste contexto. Como alguém dizia no final da projecção, o único 'defeito' do filme é que é demasiado imersivo e poderá por vezes custar um bocado mais a 'aguentar'. É difícil recomendar um filme destes a alguém pois é também um filme que se vai gostar ou odiar. Se nos deixarmos levar pela experiência, sem grandes preconceitos, no final será gratificante, mesmo que continuemos durante algum tempo a matutar sobre o que vimos. Se, por outro lado, não gostarmos, o mais certo é amaldiçoarmos a hora em que entrámos naquele barco. Deste lado a viagem valeu a pena. Mas pelo sim, pelo não deixo uma recomendação à tripulação que decidir arriscar: antes do início da projecção tomem comprimidos para o enjoo.

Classificação: 4/5

Depois de um peso pesado como «Leviathan» a melhor opção foi seguir para uma comédia em tons sérios oriunda do México. «Workers», de José Luis Valle, é mais um dos exemplos de filmes de cariz social que integra a programação deste ano do IndieLisboa. Nele acompanhamos as andanças de Rafael (Jesus Padilla), o empregado de limpeza de uma grande multinacional a quem é negada a reforma porque está ilegal e não tratou dos papéis a tempo, e Lidia (Susana Salazar), empregada doméstica de uma milionária que irá receber parte da herança da patroa apenas quando morrer a sua cadela de estimação. Apesar de nunca se encontrarem, sabemos ao longo do filme que no passado houve uma ligação entre as duas personagens.

Não sendo uma grande obra-prima (e este ano ainda não encontrámos nenhuma no Indie, apesar de já nos termos deparado com muitas obras simpáticas e recomendáveis, como é o caso de «Workers»), esta primeira longa-metragem de José Luis Valle consegue ser uma boa estreia para o cineasta mexicano. Abordando temas sérios de forma leve, «Workers» tem os seus pontos altos nas sequências protagonizadas por Rafael, o empregado perfeito, que faz tudo certinho e cumpre horários até ao dia em que lhe negam os seus direitos. Estas sequências acabam por ser uma crítica à forma como são tratados os trabalhadores em algumas situações. E não há como não estar do lado dele nas duas reuniões com a entidade patronal, que culminam com uma bofetada de luva branca, cerca de dez anos depois daquele que seria o primeiro dia da sua reforma.

Já a história de Lidia acaba por destoar um bocado do resto do filme, sendo mais cómica e com alguns momentos que caem num certo absurdo a partir do momento em que a patroa morre e os empregados que trabalhavam para ela têm de continuar a cuidar do seu animal de estimação para que possam vir a receber parte da herança. Acaba por ser um outro lado da moeda de «Workers», mas menos conseguido, pois ambos podiam ser filmes diferentes. E se fossem, o filme protagonizado por Rafael (mais uma excelente personagem que vai ficar na memória desta edição do festival) é bem melhor.

Classificação: 3/5

terça-feira, 23 de abril de 2013

IndieLisboa 2013, Dia 5: Pelas ruas de Nova Iorque

No quinto dia de IndieLisboa tivemos direito a duas surpresas agradáveis («Gimme The Loot», de Adam Leon, e «Eat Sleep Die», Gabriela Pichler) e a uma delirante autobiografia ficcional sobre a vida de Graham Chapman, o elemento dos Monty Python falecido no final da década de 1980.


As ruas de Nova Iorque já foram tão filmadas que quase fazem parte do património cinematográfico mundial. Quem conheceu a cidade que nunca dorme através dos filmes e já teve a oportunidade de visitá-la fisicamente terá sentido que aquelas ruas não lhe eram de todo desconhecidas. E são essas mesmas ruas que percorrem as personagens de «Gimme The Loot», o simpático filme de estreia de Adam Leon e um dos melhores filmes que vimos na edição deste ano do IndieLisboa. Não estamos na Nova Iorque de Woody Allen, apesar de o jovem realizador ter colaborado com o autor de «Manhattan» anteriormente, mas na de Spike Lee em início de carreira, por exemplo. «Gimme The Loot» conta a história de dois adolescentes, um rapaz e uma rapariga, que se dedicam a graffitar as paredes nova-iorquinas. Quando descobrem que a sua mais recente obra foi vandalizada por um grupo rival planeiam fazer um graffiti que lhes vai dar fama junto da comunidade: pintar a maçã gigante dos New York Mets que 'salta' das bancadas do estádio sempre que a equipa da casa faz um home run.

«Gimme The Loot» é tão simples quanto isto. E chega para nos divertir ao longo de cerca de uma hora e meia, período durante o qual não fazemos mais nada a não ser seguir a dupla enquanto tenta juntar dinheiro para pagar a um segurança que lhes irá garantir a entrada no estádio. Apesar de ter algumas falhas, sobretudo a nível do argumento (há pequenos pormenores que ficam em branco e mereciam estar mais bem explicados), a estreia de Adam Leon traz-nos de volta as ruas de Nova Iorque como há algum tempo não as víamos, povoadas por personagens de antologia, como o criminoso falhado Champion, e percorridas por uma dupla capaz dos mais hilariantes diálogos. Não é necessariamente um filme sobre street art, que está em pano de fundo e é o que faz mover o mundo dos dois protagonistas, mas sobre dois miúdos que querem deixar a sua marca nesse universo para serem reconhecidos, ao mesmo tempo que vão crescendo. Os melhores diálogos são precisamente os que abordam os temas favoritos dos adolescentes.

Adam Leon assina aqui uma bela obra de estreia, prestando em simultâneo uma boa homenagem às ruas de Nova Iorque e conseguindo escapar a alguns clichés que podiam minar um filme ambientado neste universo. A melhor finta que faz a estes clichés surge na banda sonora, que não vai atrás do mais comum hip hop, bastante associado à cultura a que pertencem os jovens, mas utiliza outras sonoridades que se adequam à história sem parecerem forçadas.

Classificação: 4/5


Um pouco mais real é a história de Rasa, a protagonista da primeira longa-metragem de Gabriela Pichler. Tem sido uma característica comum à maior parte dos filmes visionados no IndieLisboa este ano a presença de uma personagem principal a braços com problemas sociais. Talvez seja um sinal dos tempos e o caso de Rasa acaba por não ser excepção, pois uma vez mais é isso que encontramos na história desta jovem imigrante de Leste a viver na Suécia que de repente é despedida da fábrica onde trabalha, emprego que lhe garante o salário para se sustentar e ao seu pai doente. Com a sua obra de estreia a sueca Gabriela Pichler aborda o problema do desemprego numa pequena localidade e várias questões associadas a um tema que faz parte do dia-a-dia de cada vez mais pessoas no Ocidente.

Claramente influenciado pela obra dos irmãos Dardenne, «Eat Sleep Die» consegue contudo não dramatizar em excesso a problemática do desemprego, pois é mais do que um filme sobre esse tema. Sempre com foco na personagem de Rasa, Gabriela Pichler foge como o diabo da cruz da história da coitadinha e mesmo que o título aponte para uma realidade difícil de engolir (perto do final do filme há uma personagem mais velha que defende que Rasa merece algo melhor do que uma vida 'normal' em que vivemos para comer, dormir e morrer), acaba com um pequeno sinal de esperança. Outro dos pontos fortes do filme sueco, presente na competição internacional, é a interpretação de Nermina Lukac no papel de Rasa. A juntar à de Melissa Leo («Francine») e a de Dan Chiorean («Rocker») quase que podemos afirmar que este ano o melhor do festival está no capítulo das actuações.

Classificação: 4/5


E agora algo completamente diferente. A frase é dos Monty Python e o último filme visto no quinto dia de IndieLisboa foi precisamente sobre um dos membros da trupe de comediantes britânica mais conhecida em todo o mundo: Graham Chapman. «A Liar's Autobiography: The Untrue Story of Monty Python's Graham Chapman», de Bill Jones, Jeff Simpson e Ben Timlett, é um filme para os fãs do grupo e o título diz logo ao que vamos. Se não é fã dos Monty Python, não vale a pena continuar a ler. Se é, seja bem-vindo a uma viagem à mirabolante autobiografia de Graham Chapman, narrada pelo próprio (a partir de cassetes que gravou a ler a sua autobiografia alguns anos antes de morrer em 1989) e considerada como o melhor filme em que Chapman entrou desde a sua morte.

«A Liar's Autobiography...» não é um documentário convencional e nem sequer sabemos se tudo o que nos é contado é verdade ou não. O que podemos ter a certeza é que todo o humor surreal que deu fama aos Monty Python, mesmo que este não seja um filme oficial do grupo, está presente nos vários episódios da suposta vida de Chapman relatados no filme. Piadas idiotas (mas geniais), referências a alcoolismo e à homossexualidade do comediante, a tudo e mais alguma coisa, por vezes sem qualquer sentido, como era apanágio das melhores piadas do Python está neste filme, feito com recurso a diferentes tipos de animação que resulta num dos mais estranhos biopics dos últimos anos. Que ainda conta com a presença de inúmeros convidados especiais, incluindo os colegas de Chapman, Rod Stewart, Keith Moon e Sigmund Freud. Este com a voz de...Cameron Diaz.

Para quem é fã dos Monty Python e por estes dias andar pelos lados do Indie «A Liar's Autobiography...» é um pequeno brinde. Não é a obra-prima que as votações do público levam a crer (à data de escrita deste texto o filme liderava as preferências dos espectadores do festival), mas vale a pena recordar o universo surreal da trupe.

Classificação: 4/5

segunda-feira, 22 de abril de 2013

IndieLisboa 2013, Dia 4: Da Maternidade filipina à Esperança austríaca

O quarto dia de IndieLisboa trouxe-nos um regresso aguardado (Brillante Mendoza com «Thy Womb»), um exemplo da vitalidade do cinema romeno («Rocker», de Marian Crisan) e mais um capítulo da trilogia Paradise do austríaco Ulrich Seidl («Paradise: Hope»).


O mais recente filme de Brillante Mendoza chega ao IndieLisboa quando ainda podemos ver em sala o seu anterior «Cativos», um filme que desilude tendo em conta aquilo que o cineasta filipino nos mostrou em obras anteriores, como foi o caso do excelente «Lola». «Thy Womb» não se aproxima tanto desse filme protagonizado por Isabelle Huppert (analisado aqui), mas mais de «Lola», apesar de ser um tema um pouco diferente. Em «Thy Womb» o cineasta filipino acompanha um casal cuja mulher é infértil à procura de uma nova esposa para o marido, para que dessa forma possam cumprir o sonho de poderem ter um filho.

Não estando à altura de «Lola», esta obra de Brillante Mendoza acaba por marcar um regresso ao que ele fez com esse filme, o primeiro da sua obra que chegou a estrear comercialmente a Portugal. Partindo de uma história enraizada na cultura local, «Thy Womb» apresenta-nos belíssimas imagens da paisagem filipina (algumas a fazer lembrar precisamente «Lola») e de algumas tradições locais, ao mesmo tempo que acompanhamos a 'saga' do casal. Esse é um dos pontos fortes do filme, sempre filmado com o mesmo estilo de câmara à mão tão caro a Mendoza, que acaba por compensar um argumento onde a história não tem a força que poderia ter tendo em conta a premissa. Sobretudo a partir do momento em que o marido é colocado perante um dilema complicado (contá-lo seria estragar a surpresa do filme) cujo desenlace terá consequências duras para o casal. Mesmo assim não deixa de ser uma agradável surpresa constatar que o realizador não se deixou levar pelos excessos de «Cativos» e soube regressar às origens.

Classificação: 3/5


Outro dos filmes bastante aguardados por estes lados era «Rocker», o único representante do cinema romeno na edição deste ano do IndieLisboa. Realizado por Marian Crisan, que apresentou há uns anos no festival a sua primeira longa-metragem («Morgen»), «Rocker» é a história de Victor, o pai do vocalista de uma banda de rock à procura de fama que faz tudo para ajudar o filho toxicodependente. Esta segunda obra de Marian Crisan é mais um exemplo do bom cinema que se tem feito na Roménia nos últimos anos, assente num realismo social bastante forte, apesar de estar longe da qualidade de títulos mais consagrados, como «A Morte do Senhor Lazarescu» ou «Quatro Meses, Três Semanas e Dois Dias», para referir apenas dois bons exemplos.

Contudo, apesar de alguns bons pormenores, «Rocker» não faz parte do mesmo campeonato do melhor que se fez na Roménia ultimamente e que foi alvo de uma homenagem há uns anos no Indie. Faz lembrar um outro filme que já assistimos este ano no festival, o norte-americano «Francine». Aqui em vez de acompanharmos uma ex-presidiária à procura de regressar à normalidade, temos um pai a tentar ajudar um filho. Todo o filme é centrado na personagem de Victor, numa excelente interpretação a cargo de Dan Chiorean, alguém que está à beira de explodir e acaba por fazê-lo apenas no último momento para depois voltar a estar ao lado do filho e ajudá-lo quando é preciso. E o olhar desencantado de Victor no plano final de «Rocker» acaba por fazer eco com o olhar de Francine no final de «Francine». Falta esperança a estas personagens, mas a Roménia continua a provar que tem muito para dar ao Cinema, mesmo quando produz obras que não são tão boas como outras que já foram apresentadas no passado.

Classificação: 3/5


O final do quarto dia de Indie ficou reservado para mais um capítulo da trilogia Paradise, de Ulrich Seidl, desta vez dedicado ao tema da Esperança e protagonizado por Melanie (Melanie Lenz), a filha de Teresa (protagonista de «Paradise: Love») e sobrinha de Anna Maria (protagonista de «Paradise: Faith»). Neste capítulo acompanhamos a adolescente Melanie durante a estadia num campo de emagrecimento, onde a jovem vai travar conhecimento com novas amigas e a maior parte das conversas acaba por ir parar ao tema
do sexo e a partilha de experiências. Aos poucos Melanie começa a aproximar-se de um dos médicos do campo por quem acaba por se apaixonar. A relação entre ambos vai evoluindo até que o médico acaba por se aproveitar da jovem. Seidl não mostra o que realmente se passou entre os dois em dois momentos em que ambos estão isolados, mas dá a entender que algo de pouco inocente se passou nesses momentos.

Em «Paradise: Hope» voltamos ao mesmo território de «Paradise: Faith»: uma comédia negra sobre um tema forte, que nos faz rir com coisas sérias, filmada através do olhar pouco inocente de Ulrich Seidl. Os planos utilizados são semelhantes, bem filmados e certinhos, criando quase que quadros protagonizados pelas personagens, e a fotografia recorre aos mesmos tons que já tínhamos visto em «Paradise: Faith». E uma vez mais o cineasta austríaco torna-nos voyeurs de uma determinada situação. Nada de novo em relação ao capítulo anterior da trilogia, apenas uma transgressão um pouco mais difícil de engolir pois apesar de o tema ser a Esperança (Melanie procura sempre algo melhor do que tem nas situações que enfrenta ao longo do filme), o filme foca também um tema mais complicado de aceitar como é o caso dos abusos contra menores, no caso contra uma jovem inadaptada, com problemas em relação a si própria e em casa (é das poucas que não consegue falar com os pais na chamada hora do telemóvel) que acaba por se apaixonar por alguém que pensa ser o amor da sua vida e apenas vai ser alguém que se aproveita dela e se afasta no final. Provavelmente será a primeira grande desilusão amorosa da adolescente. E o que é a destruição de símbolos religiosos vista em «Paradise: Faith» em comparação com a história de Melanie? É a questão (e, gostemos ou não, são muitas as questões que a obra de Seidl nos coloca) que nos deixa o cineasta quando arranca o genérico final de «Paradise: Hope».

Classificação: 3/5

domingo, 21 de abril de 2013

IndieLisboa 2013, Dia 3: Retratos no feminino e uma viagem de metro

O terceiro dia do IndieLisboa ficou marcado pelo sexo feminino, com o visionamento de três filmes centrados em personagens femininas («Francine», de Brian M. Cassidy e Melanie Shatzky, «Paradise: Faith», de Ulrich Seidl, e «Doméstica», de Gabriel Mascaro), e terminou numa longa viagem de metro entre Nova Iorque e Moscovo, guiada por Timo Novotny em «Trains of Thoughts».

Um dos grandes atractivos de «Francine», a estreia na ficção por parte da dupla Brian M. Cassidy e Melanie Shatzky, oriunda do universo do documentário, é a presença de Melissa Leo no elenco ao interpretar a Francine que dá título ao filme. Desde que a actriz entra em cena, no papel de uma ex-presidiária que tenta regressar à sociedade, praticamente nunca mais a vamos abandonar neste difícil regresso à normalidade. E, de facto, Melissa Leo toma completamente conta do filme numa espantosa interpretação que acaba por ser o ponto forte de «Francine». Se houvesse prémio para melhor interpretação feminina no Indie, a actriz de «Frozen Rivers» seria uma forte candidata à vitória, num daqueles casos em que não sabemos onde começa a actriz e a personagem, tal é a entrega de Melissa Leo ao filme. Pena que esta excelente interpretação não seja suficiente para tornar o filme um bocado mais do que apenas a história de alguém à procura de recuperar a vida numa pequena localidade onde tenta recomeçar de novo, através de empregos onde não se enquadra e com a ajuda de pessoas com quem se vai encontrando. Não sabemos o que a move, por que foi ali parar ou quais as ligações ao sítio onde vai parar. Francine merecia mais, mesmo sendo uma personagem com quem dificilmente consigamos estabelecer grandes laços.

Classificação: 3/5


Dos EUA seguimos para a Áustria de Ulrich Seidl. Depois dos dissabores provocados por «Animal Love» no segundo dia, entramos um pouco de pé atrás na Culturgest para assistir a «Paradise: Faith», o episódio do meio da trilogia Paradise, um dos pratos fortes do IndieLisboa em 2013. Se o documentário de Seidl foi um prato de difícil digestão, pelo contrário a ficção provou ser um pouco melhor. Talvez o problema de «Animal Love» tenha sido ter ido demasiado além, mostrando-nos imagens que se calhar não queríamos ver, mesmo sabendo que provavelmente existem, mas deviam ficar na privacidade daquelas pessoas. E a invasão da privacidade é outro conceito que podemos encontrar em «Paradise: Faith», pois entramos de rompante na casa de Anna Maria (Maria Hofstätter) para contar assistir à história de uma católica fervorosa, membro de uma espécie de exército de salvação nacional que pretende tornar a Áustria um país católico outra vez, que percorre as ruas da cidade onde vive para evangelizar a comunidade, ensinando as pessoas a rezar e a respeitarem Deus e a Virgem Maria. O regresso do marido, um muçulmano paraplégico, é visto pela protagonista como uma prova de fé e Anna Maria fará tudo para a aguentar.

Tal como em «Animal Love» o olhar de Seidl sobre as suas personagens não é um olhar inocente e o tom de comédia do filme acaba por vincar esse olhar tragicómico sobre a vida das personagens, que apesar de serem ficcionais, podiam existir na realidade. Desta vez o alvo do cineasta é a Religião e a Fé que leva os crentes, neste caso Anna Maria, e de certa forma o seu marido Nabil (Nabil Saleh), a fazerem tudo o que está ao seu alcance para defenderem as suas ideias. Anna Maria chega mesmo a ter uma relação com as imagens de Jesus Cristo quase tão forte e a roçar os limites de uma paixão carnal como a que muitos dos protagonistas de «Animal Love» têm com os seus animais de estimação. Mas, mesmo correndo o risco de caricaturizar em excesso as personagens e as situações, o que poderá acontecer mais no caso de Anna Maria, Seidl consegue evitar um certo desconforto provocado pelo seu olhar pouco apaixonado pelas suas personagens. Diríamos mesmo que Seidl não tem qualquer tipo de paixão pelas suas personagens.

Isso é alcançado graças ao tom de comédia do filme (apesar do tema sério em questão) e a duas boas interpretações, tanto a de Maria Hofstätter como de Nabil Saleh, e a um bom argumento que espelha bem as intenções do realizador: satirizar a Religião. Depois de uma má experiência com um documentário de Seidl, este filme de ficção ajudou-nos a recuperar a fé no seu trabalho e lá nos convenceu a visionar o resto da trilogia Paradise.

Classificação: 4/5


O serão foi reservado para dois documentários, o primeiro oriundo do Brasil. «Doméstica» foi um projecto idealizado por Gabriel Mascaro que resolveu entregar um conjunto de câmaras de filmar a crianças que têm empregadas domésticas em casa (num dos casos é um empregado doméstico) e pediu-lhes para filmar o dia-a-dia delas. Num país onde existem 7 milhões de empregadas domésticas, como referiu a produtora de «Doméstica» no início da projecção, não terá sido complicado a Gabriel Mascaro encontrar 'realizadores' para o empreendimento, ficando depois com a tarefa de montar as imagens enviadas em bruto.  Mas se a premissa podia resultar em algo interessante, tal não é o que acontece.

Em vez de um retrato sobre profissionais que exercem uma determinada profissão, neste caso específico empregadas domésticas que em alguns casos são quase membros da família, «Doméstica» raramente vai muito além de uma série de filmes caseiros, com as câmaras a seguirem as empregadas domésticas nas suas tarefas ou em entrevistas bastante semelhantes onde estas relatam episódios de vida ou como vêem a família que as acolheu. Este pequeno pormenor faz com que a maior parte dos retratos seja parecida. Salvo raras excepções, todos os retratos são semelhantes, uns mais pretensiosos do que outros, e «Doméstica» fica-se por uma oportunidade perdida para mostrar a realidade das empregadas domésticas no Brasil filmada através do olhar de quem convive diariamente com elas e em alguns casos foi criada por elas.

Classificação: 2/5


No final do dia resolvemos apanhar o metro com Timo Novotny, membro da banda austríaca Sofa Surfers, realizador de «Trains of Thoughts». Apesar de ser mais conhecido pelas ligações à música, Novotny tem vindo a realizar algumas experiências na área da imagem e chegou mesmo a realizar um anterior documentário experimental («Life in Loops (A Megacities RMX)») a partir de imagens de «Megacities», documentário de Michael Glawogger. Em «Trains of Thoughts» o músico austríaco percorre a linha de metro de cinco cidades (Nova Iorque, Los Angeles, Tóquio, Hong Kong e Moscovo) e reflecte, com ajuda de habitantes locais, sobre o papel do metropolitano naquelas cidades e nas próprias pessoas.

O resultado é uma experiência visual interessante que nos mostra como um mesmo meio de transporte, praticamente igual em todas as cidades visitadas, é visto em cada um destes locais. Esta diferença entre os locais é reforçada através de vários elementos, seja o recurso a diferentes bandas sonoras, sempre em tons electrónicos, mas adequada a cada uma das cidades filmadas, seja a forma como os habitantes nos 'falam': por vezes em entrevista directa, como é o caso do metro de Los Angeles (um caso curioso, pois esta cidade norte-americana é conhecida por ser a cidade onde toda a gente tem carro), ou através de pequenos pensamentos, como acontece em Nova Iorque. E em cada uma das cidades, a forma como o metro é visto é sempre diferente.

Classificação: 4/5

sábado, 20 de abril de 2013

IndieLisboa 2013, Dia 2: Herzog de regresso ao corredor da morte e uma estranha forma de amar


Ao segundo dia de IndieLisboa 2013 decidimos apostar no documentário com dois nomes fortes do cartaz do festival: Werner Herzog, que regressa ao corredor da morte norte-americano para contar a história de quatro condenados à morte nos EUA, e Ulrich Seidl, um dos cineastas em foco na presente edição do Indie. E apesar de partilharem o género documental, as semelhanças entre os dois filmes visionados («Death Row» e «Animal Love») terminam aqui, pois ambos não podiam ser mais diferentes no tema e na forma como abordam a realidade que nos querem mostrar. Enquanto o cineasta alemão opta por um método mais participativo, de questionar directamente os envolvidos na história que pretende contar, sejam os condenados, os familiares ou as pessoas ligadas à investigação e julgamento dos indivíduos retratados, Seidl prefere não intervir, deixando a câmara à solta para filmar os protagonistas, pessoas para quem os animais de estimação são a sua grande paixão, por vezes muito além da simples companhia.

Comecemos por «Death Row», onde o território percorrido por Herzog é o mesmo por onde o realizador andou em «Into The Abyss», documentário que passou na última edição do IndieLisboa sobre um condenado à morte no estado do Texas. Nesse filme o realizador germânico entrevistava o jovem condenado à morte, explicando-lhe ao início que não era apoiante da pena de morte (ressalva que volta a fazer no início das entrevistas aos condenados em «Death Row»), mas que ao mesmo tempo não podia deixar de condenar os crimes praticados pelos indivíduos. E normalmente eram crimes bastante violentos, envolvendo a morte de outras pessoas. Em «Death Row» o método deste projecto televisivo é o mesmo, mas em vez de se focar apenas numa história, desta vez Herzog faz cinco retratos de condenados à morte (uma das partes é dedicada a dois condenados), cada um com pouco menos de uma hora e um dos casos no estado da Florida. Os restantes tiveram lugar no estado do Texas, um dos que mais pessoas executa por pena capital.

Apesar de cada um destes capítulos ter menor duração do que «Into The Abyss», com cerca de duas horas de duração no total,  as questões abordadas por Herzog acabam por ser as mesmas e não perdem força, apesar de os retratos serem mais compactos do que o do filme anterior: por que razão alguém mata outra pessoa e quais os seus sentimentos em relação a isso e por que razão as autoridades condenam alguém à pena de morte, algo que acontece em quase 20 estados norte-americanos. E mesmo não sendo apoiante da pena de morte, o cineasta consegue o distanciamento suficiente para levar avante o seu trabalho, relatando os crimes ocorridos e falar com muitos dos envolvidos, desde os próprios condenados, alguns dos quais continuam a lutar para tentar provar a sua alegada inocência em processos que se desenrolaram com contornos bastante nebulosos, por vezes surreais, aos seus familiares, passando por representantes da Justiça. A única defesa que Herzog faz em relação ao seu ponto de vista é quando uma das entrevistadas no último retrato o acusa de estar a humanizar a condenada, em vez de se lembrar a vítima que teve uma morte cruel. O cineasta responde-lhe afirmando que antes de mais também a condenada à morte é um ser humano, argumento que deixa a entrevistada, uma defensora pública do estado do Texas, sem palavras.

Mas mais do que um documentário sobre a pena capital e o retrato de pessoas no corredor da morte «Death Row» é uma interessante reflexão sobre como são a vida e os sentimentos de pessoas que estão numa situação peculiar em relação à maioria de nós, pois sabem que têm uma data para morrer, e em relação a um sistema que permite condenar alguém à morte. E tanto no caso do Texas como na Florida, como demonstram alguns dos depoimentos, a pena capital tem um grande apoio da população. Ao fazer estes cinco retratos Herzog não só nos apresenta uma realidade diferente, mas consegue distanciar-se suficientemente do tema, do qual tem um ponto de vista bastante vincado, para contar a história de cinco pessoas que acabaram por chegar ao corredor da morte, focando-se ao mesmo tempo em questões como Deus, os seus sonhos ou a forma como vêem o sistema e o que sentem em relação aos familiares e as vítimas dos seus crimes (nos casos em que o admitiram).

Classificação: 4/5


No extremo oposto está «Animal Love». Realizado em 1996 por Ulrich Seidl este é um documentário que não nos deixa indiferentes ao mostrar a relação de um conjunto de pessoas com os seus animais de estimação, sendo que na maioria dos casos os retratados preferem a companhia dos seus companheiros de quatro patas à dos humanos. Ao contrário de Death Row aqui o cineasta não intervém na acção a não ser quando liga a câmara e segue os retratados, tornando-nos em simultâneo voyeurs ao assistir a estas relações entre pessoas e animais, que por vezes roçam o doentio.

E há de tudo, desde quem tenha animais de estimação para simples companhia ou para pedir esmola, a casais que vêem o seu animal de estimação como o filho que nunca tiveram, passando por pessoas que têm uma relação de cariz quase sexual com o seu cão. Se o objectivo de Seidl era mostrar o universo de relações entre pessoas e animais de estimação, que como podemos comprovar em «Animal Love» é enorme, o objectivo foi alcançado em pleno. Mesmo que nos deixe com um aperto no estômago e a questionar a sanidade mental de alguns dos retratados.

Já a forma como o faz, deixa-nos algumas dúvidas, sobretudo de um ponto de vista moral. É certo que na sua essência o documentarista não tem necessariamente de ter um papel activo no que está a captar, basta apontar a câmara, filmar o mundo e mostrar o que captou ao resto do mundo. Que no fundo é o que aparentemente Seidl faz neste caso. Mas em certas sequências de «Animal Love» há um limite que é ultrapassado desnecessariamente, como quando, por exemplo, o cão de um dos pares protagonistas ataca outro na rua e se ouve a dona e uma criança, presumivelmente filha da dona do cão atacado de forma violenta, em aflição sem que ninguém faça seja o que for para ajudar o cão em apuros. Ou quando um dos cães é aparentemente abandonado no meio da estrada (até que ponto certas sequências não terão sido encenadas é uma questão que nos chega a vir à cabeça). Daí as nossas reservas em relação ao resultado final do documentário, que nos provoca algum desconforto e nos leva a pensar duas vezes na hipótese de voltar a visionar outros documentários do cineasta austríaco.

Classificação: 2/5

«Death Row» integra a secção Observatório do IndieLisboa 2013 e vai passar ainda nas seguintes sessões:

21 Abril, 21:45, Cinema City Classic Alvalade, Sala 3


27 Abril, 21:45, Cinema City Classic Alvalade, Sala 3

«Animal Love» integra a secção Observatório do IndieLisboa 2013 e vai passar ainda nas seguintes sessões:

24 Abril, 19:15, Cinema City Classic Alvalade, Sala 3

sexta-feira, 19 de abril de 2013

IndieLisboa 2013, Dia 1: Punk is Not and Dead

Começar o IndieLisboa com o regresso de dois velhos conhecidos podia ser boa ideia. Mas infelizmente o novo filme de Gustave de Kervern e Benoît Delépine, dupla que tem sido presença constante no festival e cuja maioria dos filmes tem visto estreia comercial por terras lusas, soube a desilusão. Ambientado no universo bastante peculiar dos autores de «Aaltra», «Le Grand Soir» conta a história de dois irmãos na casa dos 40 anos que não podiam ser mais diferentes: Not (Benoît Poelvoorde), um eterno punk sem preocupações para quem a vida deve ser vivida calmamente e que espalha a sua filosofia de vida com a ajuda de um pequeno rafeiro, e Jean-Pierre (Albert Dupontel), vendedor de colchões a quem a vida começa a correr mal e acaba por ser despedido. Este despedimento, culpa da crise e da falta de resultados, leva Jean-Pierre a entrar numa espiral de auto-destruição e vai ser Not o responsável pela sua tentativa de recuperação.

No papel «Le Grand Soir» tinha tudo para ser mais uma comédia negra ao bom estilo da dupla Delépine e de Kervern. Mas o que cativou nos seus anteriores filmes, sobretudo em «Aaltra» e «Louise-Michel», críticas ácidas à economia e ao mundo dos negócios dos dias de hoje, acaba por ser mais do mesmo em «Le Grand Soir». A crítica à economia está mais uma vez lá, assim como a uma sociedade que vive alheada em centros comerciais e hipermercados e não liga às vítimas da dita crise económica. Além de ser um pouco mais do mesmo, «Le Grand Soir» vive de um argumento desequilibrado, o que se nota bastante, por exemplo, na história da relação dos dois irmãos com os pais. Nem os cameos de actores que participaram nos anteriores filmes da dupla, uns mais visíveis do que outros, acabam por safá-lo do desastre.

Vale sobretudo por algumas piadas bem conseguidas, que serão do agrado dos adeptos do estilo da dupla, e pela grande personagem que é Not, interpretada por um enorme Benoît Poelvoorde, a estrela dessa pequena pérola de culto dos anos 1990 chamada «Manual de Instruções para Crimes Banais», que conquista tudo sempre que está em cena. Pena o resto do filme não estar à altura de tamanha personagem. Em suma, «Le Grand Soir» faz-nos ter saudades dos primeiros filmes de Gustave de Kervern e Benoît Delépine e temer pela qualidade das futuras obras da dupla que tanto prometeu com a estreia de «Aaltra».

«Le Grand Soir» integra a secção Cinema Emergente do IndieLisboa 2013 e vai passar ainda nas seguintes sessões:

20 Abril, 14:45, Cinema City Classic Alvalade, Sala 3
22 Abril, 17:00, Cinema City Classic Alvalade, Sala 3



Classificação: 3/5