No penúltimo dia de IndieLisboa houve espaço para um pouco de tudo: uma competente primeira obra vinda do Brasil («Eles Voltam», de Marcelo Lordello), um documentário sobre um dos maiores segredos da história nuclear da ex-União Soviética («Metamorphosen», de Sebastian Mez), uma bela obra com o museu de História de Arte de Viena em pano de fundo («Museum Hours», de Jem Cohen) e uma comédia surreal sobre a procura de amor («Not in Tel Aviv», de Nony Geffen).
Tal como uma equipa de futebol é composta por 11 elementos, 11 foram os filmes que vieram representar o Brasil na edição deste ano do IndieLisboa. Depois do fraco documentário «Doméstica» resolvemos arriscar «Eles Voltam», a longa-metragem de estreia de Marcelo Lordello que levou para casa o prémio de distribuição do festival e poderá eventualmente vir a estrear comercialmente em Portugal. Mesmo não sendo o melhor filme visto nos últimos dias (outros filmes que passaram pelo Indie mereciam estreia comercial e muito provavelmente não terão), a primeira obra de Marcelo Lordello é uma competente estreia.
Girando em torno de Cris (Maria Luiza Tavares), uma adolescente que é abandonada pelos pais à beira de uma estrada perdida no Interior do Brasil, «Eles Voltam» é outro retrato do Brasil através do olhar de uma jovem. Neste caso uma jovem que é abandonada (nunca chegamos a saber a razão que levou os pais de Cris a abandonarem a jovem e o seu irmão mais velho, que acaba mais tarde por abandoná-la também quando parte à procura de ajuda) e acaba por ser ajudada por uma família de origens mais modestas. Esta experiência vai ser fundamental para a adolescente se aperceber de uma outra realidade, bem diferente da sua (basta comparar a casa da família que a acolhe e a sua própria casa), e mudar a sua percepção do mundo à sua volta.
É verdade que «Eles Voltam» podia ir um pouco mais longe e aprofundar melhor uma questão como as divisões sociais numa sociedade bastante desigual (vêm-nos de novo à memória, por exemplo, alguns dos retratos apresentados em «Doméstica») e se o filme fosse um pouco mais curto não se perdia muito. Não fosse esta falta de vontade em aprofundar o tema que pretende explorar e o filme de Marcelo Lordello poderia ter sido uma boa surpresa. Assim acaba por ser mais um filme mediano a passar pelo Indie.
Classificação: 3/5
Algumas das boas surpresas que encontrámos no IndieLisboa em 2013 vieram do universo documental. Não estando à altura de objectos como «The Act of Killing» ou «Leviathan», «Metamorphosen», do mexicano Sebastian Mez, é o retrato de um dos maiores segredos da história nuclear da ex-União Soviética e não pelas melhores razões. Situada na região sul da Rússia a central nuclear de Mayak foi o palco de uma das maiores catástrofes nucleares da história da Humanidade, comparada aos acidentes de Chernobyl e Fukushima, mas que esteve afastada do conhecimento público durante mais de três décadas. Mais recentemente a mesma central, que ainda se encontra em funcionamento, esteve à beira de uma nova catástrofe, relatada por um dos intervenientes no final do filme.
Ao longo de pouco menos de uma hora e meia a câmara de Sebastian Mez mostra-nos os efeitos do acidente original na região, através de relatos da população que continuou a viver na zona afectada, alguns dos quais ainda hoje sofrem das consequências da exposição a níveis de radiação surpreendentes. Filmado a preto e branco, que dá uma força enorme às imagens das paisagens desoladoras da região, «Metamorphosen» é um filme simples, que não vai além daquilo que pretende mostrar: os malefícios do nuclear e os perigos representados por um tipo de energia que pode ter efeitos devastadores em caso de acidente. Tal como no caso de «Eles Voltam», falta um pouco mais para este ser um bom filme, que acaba por ter o mérito de mostrar ao mundo um caso praticamente desconhecido.
Classificação: 3/5
O melhor do dia (e um dos melhores momentos do festival) ficou reservado para uma pequena pérola chamada «Museum Hours», de Jem Cohen, este sim um daqueles filmes que merecia distribuição comercial. Mas como a distribuição portuguesa é uma daquelas 'ciências' inexplicáveis, «Museum Hours» vai ser mais um daqueles filmes que vimos em contexto de festival e muito provavelmente vamos perder-lhe o rasto. Mas felizardos os que tiveram oportunidade de assistir às três passagens no IndieLisboa, a última das quais numa sessão esgotada cujo início mais parecia uma versão do jogo das cadeiras, tal o número de pessoas que se levantaram e mudaram de lugar durante a projecção. Infelizmente ver pessoas que não sabem estar numa sala de Cinema é uma realidade cada vez mais comum e o por incrível que pareça o IndieLisboa costuma ser palco deste tipo de atitudes, que apenas se compreenderão se especularmos que estes espectadores só entram numa sala de Cinema em ocasiões especiais, como é o caso dos festivais de Cinema.
Desabafos à parte, vamos ao que interessa. Olhando apenas para o título, «Museum Hours» poderia indicar que estamos perante um daqueles filmes chatos, passado num museu onde nada se passa e o silêncio é rei. Mas não poderíamos estar mais equivocados, pois o filme de Jem Cohen vai muito para além da história de um simples segurança de museu vienense que percorre os corredores e se habituou a (re)descobrir o que se passa nos seus quadros. Durante estes seus 'passeios' Johann (Bobby Sommer) vai reflectindo, através de monólogos interiores que partilha connosco, sobre a arte e os mais variados aspectos a partir dos quadros que tem à sua guarda. A chegada de uma visitante estrangeira, que vem a Viena para visitar uma familiar hospitalizada, acaba por influenciar os seus passeios, que de repente passam também a incluir as ruas da capital austríaca que mostra à sua nova amiga, que encontrou um dia no museu.
Tão simples quanto isto, «Museum Hours» é um daqueles filmes que não nos quer ensinar nada, nem sequer nos impõe uma qualquer resposta para o que estamos a ver. Tal como às tantas a guia presente numa das sequências responde a um dos visitantes, que discorda das suas opiniões, aquela é a sua visão e qualquer um pode ter a sua. A que vemos em «Museum Hours» é a de Johann e é essa que nos guia ao longo do filme, onde cabe tudo um pouco, incluindo um belíssimo final onde o protagonista descreve de forma fabulosa uma cena do quotidiano como se estivesse a descrever um quadro, tal e qual como a gravação de um audio-guia. Se houve filme na presente edição do IndieLisboa pelo qual nos deixámos ir, «Museum Hours» foi sem dúvida alguma esse filme.
Classificação: 4/5
«Not in Tel Aviv» foi o filme escolhido para terminar o penúltimo dia de IndieLisboa. Comédia surreal israelita, o filme realizado por Nony Geffen foi um dos objectos mais estranhos a passar pela edição deste ano do festival e um daqueles que se gosta ou odeia. Protagonizado por Mischa (interpretado pelo realizador, que também assina o argumento), «Not in Tel Aviv» é a história de um jovem professor que é despedido na cena inicial e resolve raptar uma das alunas. A partir daqui entramos numa estranha descida aos infernos que mais não é do que a procura do amor por parte de Mischa, uma personagem tão confusa como nos pareceu todo o filme, que nos faz lembrar as comédias independentes norte-americanas (nem falta a fotografia a preto e branco), mas numa variante surrealista. Tem alguns pormenores curiosos e bem conseguidos, incluindo uma boa banda sonora, bastante simpática, mas pouco mais do que isso. Uma enorme desilusão depois do anterior «Museum Hours».
Classificação: 2/5
Para além do Metamorphosen, ainda pouco escrevi. As críticas por escrever começam a acumular-se a olhos vistos :P É-me incompreensível como consegues ser tão pontual eheh
ResponderEliminarFiquei com pena de não ter visto o Museum Hours. E agora ainda mais, ao ver a tua classificação. O Metamorphosen podia ser muito mais interessante do que realmente o foi.
Cumprimentos,
Rafael Santos
Memento mori
Fiz um grande esforço para conseguir escrever um post por dia sobre o que tinha visto no dia anterior. Se assim não fosse acabaria por me perder e não ia conseguir escrever nada. A ideia original era escrever um post por dia, mas pareceu-me completamente demente e acabei por optar por este método. Agora é tempo de descansar durante uns dias e ler o que os outros escreveram, pois mal tive tempo para isso nos últimos dias :D
ResponderEliminarEu gostei muito do «Museum Hours». Este ano não encontrei nenhum filme que considere excepcional, mas de alguns gostei muito. Este foi o que mais gostei e recomendo.
Cumprimentos,
PMF