No quinto dia de IndieLisboa tivemos direito a duas surpresas agradáveis («Gimme The Loot», de Adam Leon, e «Eat Sleep Die», Gabriela Pichler) e a uma delirante autobiografia ficcional sobre a vida de Graham Chapman, o elemento dos Monty Python falecido no final da década de 1980.
As ruas de Nova Iorque já foram tão filmadas que quase fazem parte do património cinematográfico mundial. Quem conheceu a cidade que nunca dorme através dos filmes e já teve a oportunidade de visitá-la fisicamente terá sentido que aquelas ruas não lhe eram de todo desconhecidas. E são essas mesmas ruas que percorrem as personagens de «Gimme The Loot», o simpático filme de estreia de Adam Leon e um dos melhores filmes que vimos na edição deste ano do IndieLisboa. Não estamos na Nova Iorque de Woody Allen, apesar de o jovem realizador ter colaborado com o autor de «Manhattan» anteriormente, mas na de Spike Lee em início de carreira, por exemplo. «Gimme The Loot» conta a história de dois adolescentes, um rapaz e uma rapariga, que se dedicam a graffitar as paredes nova-iorquinas. Quando descobrem que a sua mais recente obra foi vandalizada por um grupo rival planeiam fazer um graffiti que lhes vai dar fama junto da comunidade: pintar a maçã gigante dos New York Mets que 'salta' das bancadas do estádio sempre que a equipa da casa faz um home run.
«Gimme The Loot» é tão simples quanto isto. E chega para nos divertir ao longo de cerca de uma hora e meia, período durante o qual não fazemos mais nada a não ser seguir a dupla enquanto tenta juntar dinheiro para pagar a um segurança que lhes irá garantir a entrada no estádio. Apesar de ter algumas falhas, sobretudo a nível do argumento (há pequenos pormenores que ficam em branco e mereciam estar mais bem explicados), a estreia de Adam Leon traz-nos de volta as ruas de Nova Iorque como há algum tempo não as víamos, povoadas por personagens de antologia, como o criminoso falhado Champion, e percorridas por uma dupla capaz dos mais hilariantes diálogos. Não é necessariamente um filme sobre street art, que está em pano de fundo e é o que faz mover o mundo dos dois protagonistas, mas sobre dois miúdos que querem deixar a sua marca nesse universo para serem reconhecidos, ao mesmo tempo que vão crescendo. Os melhores diálogos são precisamente os que abordam os temas favoritos dos adolescentes.
Adam Leon assina aqui uma bela obra de estreia, prestando em simultâneo uma boa homenagem às ruas de Nova Iorque e conseguindo escapar a alguns clichés que podiam minar um filme ambientado neste universo. A melhor finta que faz a estes clichés surge na banda sonora, que não vai atrás do mais comum hip hop, bastante associado à cultura a que pertencem os jovens, mas utiliza outras sonoridades que se adequam à história sem parecerem forçadas.
Classificação: 4/5
Um pouco mais real é a história de Rasa, a protagonista da primeira longa-metragem de Gabriela Pichler. Tem sido uma característica comum à maior parte dos filmes visionados no IndieLisboa este ano a presença de uma personagem principal a braços com problemas sociais. Talvez seja um sinal dos tempos e o caso de Rasa acaba por não ser excepção, pois uma vez mais é isso que encontramos na história desta jovem imigrante de Leste a viver na Suécia que de repente é despedida da fábrica onde trabalha, emprego que lhe garante o salário para se sustentar e ao seu pai doente. Com a sua obra de estreia a sueca Gabriela Pichler aborda o problema do desemprego numa pequena localidade e várias questões associadas a um tema que faz parte do dia-a-dia de cada vez mais pessoas no Ocidente.
Claramente influenciado pela obra dos irmãos Dardenne, «Eat Sleep Die» consegue contudo não dramatizar em excesso a problemática do desemprego, pois é mais do que um filme sobre esse tema. Sempre com foco na personagem de Rasa, Gabriela Pichler foge como o diabo da cruz da história da coitadinha e mesmo que o título aponte para uma realidade difícil de engolir (perto do final do filme há uma personagem mais velha que defende que Rasa merece algo melhor do que uma vida 'normal' em que vivemos para comer, dormir e morrer), acaba com um pequeno sinal de esperança. Outro dos pontos fortes do filme sueco, presente na competição internacional, é a interpretação de Nermina Lukac no papel de Rasa. A juntar à de Melissa Leo («Francine») e a de Dan Chiorean («Rocker») quase que podemos afirmar que este ano o melhor do festival está no capítulo das actuações.
Classificação: 4/5
E agora algo completamente diferente. A frase é dos Monty Python e o último filme visto no quinto dia de IndieLisboa foi precisamente sobre um dos membros da trupe de comediantes britânica mais conhecida em todo o mundo: Graham Chapman. «A Liar's Autobiography: The Untrue Story of Monty Python's Graham Chapman», de Bill Jones, Jeff Simpson e Ben Timlett, é um filme para os fãs do grupo e o título diz logo ao que vamos. Se não é fã dos Monty Python, não vale a pena continuar a ler. Se é, seja bem-vindo a uma viagem à mirabolante autobiografia de Graham Chapman, narrada pelo próprio (a partir de cassetes que gravou a ler a sua autobiografia alguns anos antes de morrer em 1989) e considerada como o melhor filme em que Chapman entrou desde a sua morte.
«A Liar's Autobiography...» não é um documentário convencional e nem sequer sabemos se tudo o que nos é contado é verdade ou não. O que podemos ter a certeza é que todo o humor surreal que deu fama aos Monty Python, mesmo que este não seja um filme oficial do grupo, está presente nos vários episódios da suposta vida de Chapman relatados no filme. Piadas idiotas (mas geniais), referências a alcoolismo e à homossexualidade do comediante, a tudo e mais alguma coisa, por vezes sem qualquer sentido, como era apanágio das melhores piadas do Python está neste filme, feito com recurso a diferentes tipos de animação que resulta num dos mais estranhos biopics dos últimos anos. Que ainda conta com a presença de inúmeros convidados especiais, incluindo os colegas de Chapman, Rod Stewart, Keith Moon e Sigmund Freud. Este com a voz de...Cameron Diaz.
Para quem é fã dos Monty Python e por estes dias andar pelos lados do Indie «A Liar's Autobiography...» é um pequeno brinde. Não é a obra-prima que as votações do público levam a crer (à data de escrita deste texto o filme liderava as preferências dos espectadores do festival), mas vale a pena recordar o universo surreal da trupe.
Classificação: 4/5
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