sábado, 20 de abril de 2013

IndieLisboa 2013, Dia 2: Herzog de regresso ao corredor da morte e uma estranha forma de amar


Ao segundo dia de IndieLisboa 2013 decidimos apostar no documentário com dois nomes fortes do cartaz do festival: Werner Herzog, que regressa ao corredor da morte norte-americano para contar a história de quatro condenados à morte nos EUA, e Ulrich Seidl, um dos cineastas em foco na presente edição do Indie. E apesar de partilharem o género documental, as semelhanças entre os dois filmes visionados («Death Row» e «Animal Love») terminam aqui, pois ambos não podiam ser mais diferentes no tema e na forma como abordam a realidade que nos querem mostrar. Enquanto o cineasta alemão opta por um método mais participativo, de questionar directamente os envolvidos na história que pretende contar, sejam os condenados, os familiares ou as pessoas ligadas à investigação e julgamento dos indivíduos retratados, Seidl prefere não intervir, deixando a câmara à solta para filmar os protagonistas, pessoas para quem os animais de estimação são a sua grande paixão, por vezes muito além da simples companhia.

Comecemos por «Death Row», onde o território percorrido por Herzog é o mesmo por onde o realizador andou em «Into The Abyss», documentário que passou na última edição do IndieLisboa sobre um condenado à morte no estado do Texas. Nesse filme o realizador germânico entrevistava o jovem condenado à morte, explicando-lhe ao início que não era apoiante da pena de morte (ressalva que volta a fazer no início das entrevistas aos condenados em «Death Row»), mas que ao mesmo tempo não podia deixar de condenar os crimes praticados pelos indivíduos. E normalmente eram crimes bastante violentos, envolvendo a morte de outras pessoas. Em «Death Row» o método deste projecto televisivo é o mesmo, mas em vez de se focar apenas numa história, desta vez Herzog faz cinco retratos de condenados à morte (uma das partes é dedicada a dois condenados), cada um com pouco menos de uma hora e um dos casos no estado da Florida. Os restantes tiveram lugar no estado do Texas, um dos que mais pessoas executa por pena capital.

Apesar de cada um destes capítulos ter menor duração do que «Into The Abyss», com cerca de duas horas de duração no total,  as questões abordadas por Herzog acabam por ser as mesmas e não perdem força, apesar de os retratos serem mais compactos do que o do filme anterior: por que razão alguém mata outra pessoa e quais os seus sentimentos em relação a isso e por que razão as autoridades condenam alguém à pena de morte, algo que acontece em quase 20 estados norte-americanos. E mesmo não sendo apoiante da pena de morte, o cineasta consegue o distanciamento suficiente para levar avante o seu trabalho, relatando os crimes ocorridos e falar com muitos dos envolvidos, desde os próprios condenados, alguns dos quais continuam a lutar para tentar provar a sua alegada inocência em processos que se desenrolaram com contornos bastante nebulosos, por vezes surreais, aos seus familiares, passando por representantes da Justiça. A única defesa que Herzog faz em relação ao seu ponto de vista é quando uma das entrevistadas no último retrato o acusa de estar a humanizar a condenada, em vez de se lembrar a vítima que teve uma morte cruel. O cineasta responde-lhe afirmando que antes de mais também a condenada à morte é um ser humano, argumento que deixa a entrevistada, uma defensora pública do estado do Texas, sem palavras.

Mas mais do que um documentário sobre a pena capital e o retrato de pessoas no corredor da morte «Death Row» é uma interessante reflexão sobre como são a vida e os sentimentos de pessoas que estão numa situação peculiar em relação à maioria de nós, pois sabem que têm uma data para morrer, e em relação a um sistema que permite condenar alguém à morte. E tanto no caso do Texas como na Florida, como demonstram alguns dos depoimentos, a pena capital tem um grande apoio da população. Ao fazer estes cinco retratos Herzog não só nos apresenta uma realidade diferente, mas consegue distanciar-se suficientemente do tema, do qual tem um ponto de vista bastante vincado, para contar a história de cinco pessoas que acabaram por chegar ao corredor da morte, focando-se ao mesmo tempo em questões como Deus, os seus sonhos ou a forma como vêem o sistema e o que sentem em relação aos familiares e as vítimas dos seus crimes (nos casos em que o admitiram).

Classificação: 4/5


No extremo oposto está «Animal Love». Realizado em 1996 por Ulrich Seidl este é um documentário que não nos deixa indiferentes ao mostrar a relação de um conjunto de pessoas com os seus animais de estimação, sendo que na maioria dos casos os retratados preferem a companhia dos seus companheiros de quatro patas à dos humanos. Ao contrário de Death Row aqui o cineasta não intervém na acção a não ser quando liga a câmara e segue os retratados, tornando-nos em simultâneo voyeurs ao assistir a estas relações entre pessoas e animais, que por vezes roçam o doentio.

E há de tudo, desde quem tenha animais de estimação para simples companhia ou para pedir esmola, a casais que vêem o seu animal de estimação como o filho que nunca tiveram, passando por pessoas que têm uma relação de cariz quase sexual com o seu cão. Se o objectivo de Seidl era mostrar o universo de relações entre pessoas e animais de estimação, que como podemos comprovar em «Animal Love» é enorme, o objectivo foi alcançado em pleno. Mesmo que nos deixe com um aperto no estômago e a questionar a sanidade mental de alguns dos retratados.

Já a forma como o faz, deixa-nos algumas dúvidas, sobretudo de um ponto de vista moral. É certo que na sua essência o documentarista não tem necessariamente de ter um papel activo no que está a captar, basta apontar a câmara, filmar o mundo e mostrar o que captou ao resto do mundo. Que no fundo é o que aparentemente Seidl faz neste caso. Mas em certas sequências de «Animal Love» há um limite que é ultrapassado desnecessariamente, como quando, por exemplo, o cão de um dos pares protagonistas ataca outro na rua e se ouve a dona e uma criança, presumivelmente filha da dona do cão atacado de forma violenta, em aflição sem que ninguém faça seja o que for para ajudar o cão em apuros. Ou quando um dos cães é aparentemente abandonado no meio da estrada (até que ponto certas sequências não terão sido encenadas é uma questão que nos chega a vir à cabeça). Daí as nossas reservas em relação ao resultado final do documentário, que nos provoca algum desconforto e nos leva a pensar duas vezes na hipótese de voltar a visionar outros documentários do cineasta austríaco.

Classificação: 2/5

«Death Row» integra a secção Observatório do IndieLisboa 2013 e vai passar ainda nas seguintes sessões:

21 Abril, 21:45, Cinema City Classic Alvalade, Sala 3


27 Abril, 21:45, Cinema City Classic Alvalade, Sala 3

«Animal Love» integra a secção Observatório do IndieLisboa 2013 e vai passar ainda nas seguintes sessões:

24 Abril, 19:15, Cinema City Classic Alvalade, Sala 3

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