O sétimo dia de IndieLisboa foi o mais fraco do festival até à data. Com o visionamento de obras menores (as longas metragens «The First Winter», de Ryan McKenna, e «Orléans», de Virgil Vernier), o dia ficou ganho com uma sessão de curtas-metragens, com destaque para a portuguesa «O Facínora», de Paulo Abreu.
Ainda há quem faça manifestos de Cinema? Aparentemente sim e um dos mais recentes (e quiçá dos menos conhecidos) tem origem no Canadá. Baptizado de «Winnipeg Brutalism» o manifesto foi criado por Ryan McKenna, o realizador de «The First Winter» que por estes dias tem andado pelo IndieLisboa a apresentar a sua obra de estreia. Quem ler os sete pontos do manifesto (disponível aqui) constatará que os filmes que dali saírem são tudo menos alegres, tal como a paisagem urbana de Winnipeg no Inverno que aparece em «The First Winter», o primeiro filme a seguir as regras do manifesto que defende um tipo de humor bastante peculiar. Mas as piadas neste caso passam-nos ao lado, mesmo que por aqui paire o fantasma de Aki Kaurismaki, uma das influências assumidas por McKenna.
O filme, que relata o primeiro Inverno do português Roberto na cidade de Winnipeg, para onde foi depois de descobrir que uma rapariga que conheceu em Portugal ficou grávida, é de uma aridez completa, a todos os níveis. O argumento é pobre, as interpretações fracas e nem mesmo o facto de «The First Winter» nos fazer lembrar a espaços as obras do cineasta finlandês, sobretudo na primeira metade do filme, o salva. Moral da história: não é Kaurismaki quem quer.
Classificação: 1/5
O nível subiu um bocado na segunda sessão do dia, mas não tanto. «Orléans» é mais uma primeira obra e faz parte da competição internacional do IndieLisboa. Misto de ficção e documentário, a estreia nas longas-metragens de Virgil Vernier relata as andanças de duas jovens strippers que trabalham em Orléans, uma delas acabada de chegar à cidade com uma mala cheia de sonhos, durante um festival em honra de Joana D'Arc. Os diálogos entre as duas sobre os mais variados temas, desde os planos de futuro que têm a truques para seduzir os clientes do bar onde trabalham, podiam ser interessantes, mas não são mais do que banais.
O mesmo se pode dizer das imagens do festival, onde vemos uma procissão, rituais religiosos e jogos de luzes a passar na fachada da catedral local. A aparição de uma jovem Joana D'Arc na floresta ainda poderia dar um outro ar a «Orléans», mas passado pouco tempo o realismo do filme acaba por regressar quando descobrimos o papel da jovem no filme. Não sabemos mais sobre as personagens e pouco sabemos sobre as festividades ou a cidade que serve de palco ao filme. No final, mais um bocejo.
Classificação: 2/5
O melhor do dia acabou por ficar reservado para a segunda sessão de curtas da secção Cinema Emergente, com três filmes: «A Herdade dos Defuntos», de Patrick Mendes, «O Facínora», de Paulo Abreu, e «The Bookseller of Belfast», de Alessandra Celesia. Comecemos pela primeira, mais uma obra de Patrick Mendes que remete para o seu universo muito particular, povoado de personagens sinistras em ambientes desolados. À semelhança de «Sangue Frio», curta vencedora da edição de 2009 do festival Motelx, «A Herdade dos Defuntos» leva-nos a um local isolado (no caso um ferro velho) onde vive uma mulher que esconde um segredo num dos contentores. Sem diálogos, mas com um bom trabalho de som, a curta não nos convence de todo. Contudo, tendo em conta o que foi visto ao longo do dia, «A Herdade dos Defuntos» acabou por ser um bom prato de entrada para o que viria a seguir.
Classificação: 3/5
E o que estava para chegar foi o melhor filme visto no festival até agora: a curta-metragem «O Facínora», de Paulo Abreu, um projecto que teve como base uma encomenda de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura. Mais do que uma curta metragem de terror, «O Facínora» é uma bela homenagem ao Cinema mudo e a um filme realizado na década de 1920 em Guimarães por um Conrad Wilhelm Meyersick, um engenheiro e cineasta alemão amador que passou por Portugal e Espanha naquela década. Esse filme é considerado perdido, mas foi recuperado (de certa forma) nesta curta de Paulo Abreu. De certa forma quase que podemos colocar «O Facínora» no mesmo universo de «O Barão» de Edgar Pêra, mas o resultado neste caso é muito superior.
Se Pêra quis homenagear os filmes de série B, revisitando-os e experimentando através do seu olhar particular, Paulo Abreu preferiu seguir as regras do jogo e se entrássemos na sessão sem sabermos ao que íamos muito provavelmente acreditaríamos que estávamos perante um tesouro perdido do tempo do mudo. Filmado em Super 8 e a preto e branco, «O Facínora» remete-nos para o imaginário dos filmes alemães da década de 1920, na variante expressionista. A história é a de um frade vimaranense que à noite protege as ruas de Guimarães dos criminosos, qual monge justiceiro. Depois de um breve encontro com uma das mulheres mais belas da cidade, o frade cede à tentação e passa de herói a vilão.
Recheado de encontros sobrenaturais, onde não faltam mulheres em perigo, bruxas e o próprio demónio, «O Facínora» consegue ser o que filmes como «O Artista», para citar o exemplo mais conhecido de uma vaga de filmes que estão a revisitar o cinema mudo, não conseguem. Homenagear o cinema mudo sem soar a falso. E além do excelente trabalho de Paulo Abreu na realização, há que destacar a fabulosa música que acompanha o filme, assinada pela dupla Legendary Tigerman e Rita Redshoes, que cria a banda sonora e a atmosfera perfeita para o ambiente pretendido. Por tudo isso «O Facínora» merecia obter algum reconhecimento, pois é uma pequena pérola à espera de ser descoberta. Quanto mais não seja como curiosidade.
Classificação: 5/5
A terminar a sessão de curtas uma das mais aguardadas do festival por estes lados e que nos levou a optar por esta sessão: «The Bookseller of Belfast». E não podíamos estar mais distantes do universo das duas curtas anteriores, pois aqui não há criaturas sinistras para nos aterrorizar o serão, antes pessoas normais que vivem nos seus próprios mundos, sendo o protagonista (se assim se pode definir John Clancy neste filme) alguém a quem podemos chamar de uma 'personagem' local. Dono de uma enorme colecção de livros, a sua grande paixão, John Clancy é ao mesmo tempo alguém com uma enorme paixão pela vida e que gosta de ajudar os outros à sua volta.
É através da filosofia de vida de John Clancy que vamos conhecendo outras pessoas normais que com ele convivem em Belfast, desde o jovem punk apreciador de ópera à empregada de café que concorre a um concurso de talentos. Ambos são exemplos de pessoas com sonhos que recebem conselhos do livreiro de Belfast, que dá título à curta de Alessandra Celesia. «The Bookseller of Belfast» é um filme bastante simpático (é impossível não gostar da 'personagem' de Clancy) daí não ser de estranhar estar no topo das preferências do prémio do público do festival. Mas depois da surpresa causada por «O Facínora», não conseguimos gostar mais desta curta como talvez ela merecesse.
Classificação: 4/5
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