quinta-feira, 4 de abril de 2013

A Caça, de Thomas Vinterberg (2012)

(crítica com spoilers)
Algo vai mal no Reino da Dinamarca é uma das mais famosas expressões de «Hamlet», a popular peça de teatro de William Shakespeare. Se o bardo inglês fosse vivo e gostasse de Cinema talvez não dissesse o mesmo sobre o actual estado do cinema que se faz por terras dinamarquesas. Em poucas semanas estrearam dois bons filmes oriundos daquele país: «Um Caso Real», de Nikolaj Arcel, filme que foi a escolha dinamarquesa para os Óscares, e «A Caça», de Thomas Vinterberg. E se ambos os filmes são recomendáveis, mesmo sendo completamente diferentes e eventualmente dirigidos a públicos diferentes (um é um drama histórico e o outro um drama bastante actual), o regresso de Thomas Vinterberg, companheiro de von Trier nos tempos do Dogma 95, merece ser destacado pois é até agora a melhor obra que tive oportunidade de ver em sala este ano.

Tendo como cenário uma pequena localidade, onde todos se conhecem, o filme relata o que acontece a Lucas (Mads Mikkelsen), um funcionário de um jardim de infância, quando uma das crianças afirma ter tido contactos sexuais com ele. Numa comunidade pequena como aquela o rumor espalha-se num instante e o antigo cidadão exemplar acaba por ser posto de parte e ninguém acredita na sua versão dos acontecimentos, condenando-o por algo que não fez (uma acusação gravíssima, tendo em conta o tipo de crime de que Lucas é acusado) e com base num relato confuso. No final tudo leva a crer que o assunto ficou resolvido, a comunidade está de novo junta, mas as últimas sequências, em jeito de epílogo, provam que não será bem assim e há certas coisas que não voltarão a ser as mesmas. Por muito que as aparências nos tentem contradizer é isso que nos quer dizer aquele brilhante final na floresta, apesar de ser de certa forma previsível, onde não sabemos quem é o caçador que ataca Lucas (podia ser qualquer um dos seus amigos ou um simples membro da comunidade).

E é aqui que Vinterberg, que disse em várias entrevistas que o objectivo de «A Caça» foi mostrar uma caça às bruxas nos dias de hoje, nos leva a pensar a sério no assunto. O que se passa ali podia passar-se em qualquer sítio. Não terá sido à toa que o realizador não quis dar um nome à localidade onde decorre a acção do filme, dizemos nós. E custa levar com um murro daqueles no estômago, pois é complicado saber o que fazer numa situação daquelas, onde a vítima não foi a criança, que como se fartam de dizer os membros da comunidade, não mente, mas sim um adulto, acusado de um dos piores crimes, acusação essa que dificilmente conseguirá limpar. Fica-lhe pegada à pele, como uma tatuagem que não sai. Estar do lado da comunidade (numa das entrevistas a propósito do filme Vinterberg admite que estas são inocentes naquilo que fazem - e no fundo talvez assim seja, pois têm uma reacção que muitos julgam ser a normal num caso daqueles e querem proteger os mais fracos) ou de alguém que é acusado de ter abusado de uma criança. No nosso lugar é relativamente fácil, pois sabemos que nada se passou, mas não é fácil ajuizar a reacção daquelas pessoas, pois não sabem que o que estão a fazer tem por base uma mentira.

No meio disto tudo temos uma excelente interpretação de Mads Mikkelsen, no papel de Lucas, que dá tudo o que tem para criar aquela personagem, sem nunca parecer demasiado forçado no papel do inocente condenado por algo que não cometeu. Faz-nos lembrar, com as devidas distâncias, um outro inocente condenado por um crime que não cometeu: o Joe Wilson, de «Fúria», o clássico de Fritz Lang. Mas em «A Caça» o tema é muito mais actual e os acontecimentos relatados no filme de Vinterberg bem poderiam ter lugar noutras latitudes, pois no fundo o filme não é mais do que um retrato de uma comunidade (e porque não um retrato de pessoas) a braços com um caso específico. E dá que pensar, mesmo passadas várias horas após o visionamento, sobre o que uma mentira inocente pode fazer para destruir a vida de alguém.

Classificação: 5/5

2 comentários:

  1. Já estava convencido, depois de ver a nota ainda mais :D

    Abraço

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    1. É muito bom mesmo. Para mim é até agora o melhor filme estreado em Portugal em 2013. Tens de o apanhar, deve estar quase a sair de exibição. E fiquei com uma enorme vontade de ver «A Festa» do mesmo realizador que também dizem que é muito bom.

      Abraço

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