Um dos grandes atractivos de «Francine», a estreia na ficção por parte da dupla Brian M. Cassidy e Melanie Shatzky, oriunda do universo do documentário, é a presença de Melissa Leo no elenco ao interpretar a Francine que dá título ao filme. Desde que a actriz entra em cena, no papel de uma ex-presidiária que tenta regressar à sociedade, praticamente nunca mais a vamos abandonar neste difícil regresso à normalidade. E, de facto, Melissa Leo toma completamente conta do filme numa espantosa interpretação que acaba por ser o ponto forte de «Francine». Se houvesse prémio para melhor interpretação feminina no Indie, a actriz de «Frozen Rivers» seria uma forte candidata à vitória, num daqueles casos em que não sabemos onde começa a actriz e a personagem, tal é a entrega de Melissa Leo ao filme. Pena que esta excelente interpretação não seja suficiente para tornar o filme um bocado mais do que apenas a história de alguém à procura de recuperar a vida numa pequena localidade onde tenta recomeçar de novo, através de empregos onde não se enquadra e com a ajuda de pessoas com quem se vai encontrando. Não sabemos o que a move, por que foi ali parar ou quais as ligações ao sítio onde vai parar. Francine merecia mais, mesmo sendo uma personagem com quem dificilmente consigamos estabelecer grandes laços.
Classificação: 3/5
Dos EUA seguimos para a Áustria de Ulrich Seidl. Depois dos dissabores provocados por «Animal Love» no segundo dia, entramos um pouco de pé atrás na Culturgest para assistir a «Paradise: Faith», o episódio do meio da trilogia Paradise, um dos pratos fortes do IndieLisboa em 2013. Se o documentário de Seidl foi um prato de difícil digestão, pelo contrário a ficção provou ser um pouco melhor. Talvez o problema de «Animal Love» tenha sido ter ido demasiado além, mostrando-nos imagens que se calhar não queríamos ver, mesmo sabendo que provavelmente existem, mas deviam ficar na privacidade daquelas pessoas. E a invasão da privacidade é outro conceito que podemos encontrar em «Paradise: Faith», pois entramos de rompante na casa de Anna Maria (Maria Hofstätter) para contar assistir à história de uma católica fervorosa, membro de uma espécie de exército de salvação nacional que pretende tornar a Áustria um país católico outra vez, que percorre as ruas da cidade onde vive para evangelizar a comunidade, ensinando as pessoas a rezar e a respeitarem Deus e a Virgem Maria. O regresso do marido, um muçulmano paraplégico, é visto pela protagonista como uma prova de fé e Anna Maria fará tudo para a aguentar.
Tal como em «Animal Love» o olhar de Seidl sobre as suas personagens não é um olhar inocente e o tom de comédia do filme acaba por vincar esse olhar tragicómico sobre a vida das personagens, que apesar de serem ficcionais, podiam existir na realidade. Desta vez o alvo do cineasta é a Religião e a Fé que leva os crentes, neste caso Anna Maria, e de certa forma o seu marido Nabil (Nabil Saleh), a fazerem tudo o que está ao seu alcance para defenderem as suas ideias. Anna Maria chega mesmo a ter uma relação com as imagens de Jesus Cristo quase tão forte e a roçar os limites de uma paixão carnal como a que muitos dos protagonistas de «Animal Love» têm com os seus animais de estimação. Mas, mesmo correndo o risco de caricaturizar em excesso as personagens e as situações, o que poderá acontecer mais no caso de Anna Maria, Seidl consegue evitar um certo desconforto provocado pelo seu olhar pouco apaixonado pelas suas personagens. Diríamos mesmo que Seidl não tem qualquer tipo de paixão pelas suas personagens.
Isso é alcançado graças ao tom de comédia do filme (apesar do tema sério em questão) e a duas boas interpretações, tanto a de Maria Hofstätter como de Nabil Saleh, e a um bom argumento que espelha bem as intenções do realizador: satirizar a Religião. Depois de uma má experiência com um documentário de Seidl, este filme de ficção ajudou-nos a recuperar a fé no seu trabalho e lá nos convenceu a visionar o resto da trilogia Paradise.
Classificação: 4/5
O serão foi reservado para dois documentários, o primeiro oriundo do Brasil. «Doméstica» foi um projecto idealizado por Gabriel Mascaro que resolveu entregar um conjunto de câmaras de filmar a crianças que têm empregadas domésticas em casa (num dos casos é um empregado doméstico) e pediu-lhes para filmar o dia-a-dia delas. Num país onde existem 7 milhões de empregadas domésticas, como referiu a produtora de «Doméstica» no início da projecção, não terá sido complicado a Gabriel Mascaro encontrar 'realizadores' para o empreendimento, ficando depois com a tarefa de montar as imagens enviadas em bruto. Mas se a premissa podia resultar em algo interessante, tal não é o que acontece.
Em vez de um retrato sobre profissionais que exercem uma determinada profissão, neste caso específico empregadas domésticas que em alguns casos são quase membros da família, «Doméstica» raramente vai muito além de uma série de filmes caseiros, com as câmaras a seguirem as empregadas domésticas nas suas tarefas ou em entrevistas bastante semelhantes onde estas relatam episódios de vida ou como vêem a família que as acolheu. Este pequeno pormenor faz com que a maior parte dos retratos seja parecida. Salvo raras excepções, todos os retratos são semelhantes, uns mais pretensiosos do que outros, e «Doméstica» fica-se por uma oportunidade perdida para mostrar a realidade das empregadas domésticas no Brasil filmada através do olhar de quem convive diariamente com elas e em alguns casos foi criada por elas.
Classificação: 2/5
No final do dia resolvemos apanhar o metro com Timo Novotny, membro da banda austríaca Sofa Surfers, realizador de «Trains of Thoughts». Apesar de ser mais conhecido pelas ligações à música, Novotny tem vindo a realizar algumas experiências na área da imagem e chegou mesmo a realizar um anterior documentário experimental («Life in Loops (A Megacities RMX)») a partir de imagens de «Megacities», documentário de Michael Glawogger. Em «Trains of Thoughts» o músico austríaco percorre a linha de metro de cinco cidades (Nova Iorque, Los Angeles, Tóquio, Hong Kong e Moscovo) e reflecte, com ajuda de habitantes locais, sobre o papel do metropolitano naquelas cidades e nas próprias pessoas.
O resultado é uma experiência visual interessante que nos mostra como um mesmo meio de transporte, praticamente igual em todas as cidades visitadas, é visto em cada um destes locais. Esta diferença entre os locais é reforçada através de vários elementos, seja o recurso a diferentes bandas sonoras, sempre em tons electrónicos, mas adequada a cada uma das cidades filmadas, seja a forma como os habitantes nos 'falam': por vezes em entrevista directa, como é o caso do metro de Los Angeles (um caso curioso, pois esta cidade norte-americana é conhecida por ser a cidade onde toda a gente tem carro), ou através de pequenos pensamentos, como acontece em Nova Iorque. E em cada uma das cidades, a forma como o metro é visto é sempre diferente.
Classificação: 4/5
Classificação: 3/5
Dos EUA seguimos para a Áustria de Ulrich Seidl. Depois dos dissabores provocados por «Animal Love» no segundo dia, entramos um pouco de pé atrás na Culturgest para assistir a «Paradise: Faith», o episódio do meio da trilogia Paradise, um dos pratos fortes do IndieLisboa em 2013. Se o documentário de Seidl foi um prato de difícil digestão, pelo contrário a ficção provou ser um pouco melhor. Talvez o problema de «Animal Love» tenha sido ter ido demasiado além, mostrando-nos imagens que se calhar não queríamos ver, mesmo sabendo que provavelmente existem, mas deviam ficar na privacidade daquelas pessoas. E a invasão da privacidade é outro conceito que podemos encontrar em «Paradise: Faith», pois entramos de rompante na casa de Anna Maria (Maria Hofstätter) para contar assistir à história de uma católica fervorosa, membro de uma espécie de exército de salvação nacional que pretende tornar a Áustria um país católico outra vez, que percorre as ruas da cidade onde vive para evangelizar a comunidade, ensinando as pessoas a rezar e a respeitarem Deus e a Virgem Maria. O regresso do marido, um muçulmano paraplégico, é visto pela protagonista como uma prova de fé e Anna Maria fará tudo para a aguentar.
Tal como em «Animal Love» o olhar de Seidl sobre as suas personagens não é um olhar inocente e o tom de comédia do filme acaba por vincar esse olhar tragicómico sobre a vida das personagens, que apesar de serem ficcionais, podiam existir na realidade. Desta vez o alvo do cineasta é a Religião e a Fé que leva os crentes, neste caso Anna Maria, e de certa forma o seu marido Nabil (Nabil Saleh), a fazerem tudo o que está ao seu alcance para defenderem as suas ideias. Anna Maria chega mesmo a ter uma relação com as imagens de Jesus Cristo quase tão forte e a roçar os limites de uma paixão carnal como a que muitos dos protagonistas de «Animal Love» têm com os seus animais de estimação. Mas, mesmo correndo o risco de caricaturizar em excesso as personagens e as situações, o que poderá acontecer mais no caso de Anna Maria, Seidl consegue evitar um certo desconforto provocado pelo seu olhar pouco apaixonado pelas suas personagens. Diríamos mesmo que Seidl não tem qualquer tipo de paixão pelas suas personagens.
Isso é alcançado graças ao tom de comédia do filme (apesar do tema sério em questão) e a duas boas interpretações, tanto a de Maria Hofstätter como de Nabil Saleh, e a um bom argumento que espelha bem as intenções do realizador: satirizar a Religião. Depois de uma má experiência com um documentário de Seidl, este filme de ficção ajudou-nos a recuperar a fé no seu trabalho e lá nos convenceu a visionar o resto da trilogia Paradise.
Classificação: 4/5
O serão foi reservado para dois documentários, o primeiro oriundo do Brasil. «Doméstica» foi um projecto idealizado por Gabriel Mascaro que resolveu entregar um conjunto de câmaras de filmar a crianças que têm empregadas domésticas em casa (num dos casos é um empregado doméstico) e pediu-lhes para filmar o dia-a-dia delas. Num país onde existem 7 milhões de empregadas domésticas, como referiu a produtora de «Doméstica» no início da projecção, não terá sido complicado a Gabriel Mascaro encontrar 'realizadores' para o empreendimento, ficando depois com a tarefa de montar as imagens enviadas em bruto. Mas se a premissa podia resultar em algo interessante, tal não é o que acontece.
Em vez de um retrato sobre profissionais que exercem uma determinada profissão, neste caso específico empregadas domésticas que em alguns casos são quase membros da família, «Doméstica» raramente vai muito além de uma série de filmes caseiros, com as câmaras a seguirem as empregadas domésticas nas suas tarefas ou em entrevistas bastante semelhantes onde estas relatam episódios de vida ou como vêem a família que as acolheu. Este pequeno pormenor faz com que a maior parte dos retratos seja parecida. Salvo raras excepções, todos os retratos são semelhantes, uns mais pretensiosos do que outros, e «Doméstica» fica-se por uma oportunidade perdida para mostrar a realidade das empregadas domésticas no Brasil filmada através do olhar de quem convive diariamente com elas e em alguns casos foi criada por elas.
Classificação: 2/5
No final do dia resolvemos apanhar o metro com Timo Novotny, membro da banda austríaca Sofa Surfers, realizador de «Trains of Thoughts». Apesar de ser mais conhecido pelas ligações à música, Novotny tem vindo a realizar algumas experiências na área da imagem e chegou mesmo a realizar um anterior documentário experimental («Life in Loops (A Megacities RMX)») a partir de imagens de «Megacities», documentário de Michael Glawogger. Em «Trains of Thoughts» o músico austríaco percorre a linha de metro de cinco cidades (Nova Iorque, Los Angeles, Tóquio, Hong Kong e Moscovo) e reflecte, com ajuda de habitantes locais, sobre o papel do metropolitano naquelas cidades e nas próprias pessoas.
O resultado é uma experiência visual interessante que nos mostra como um mesmo meio de transporte, praticamente igual em todas as cidades visitadas, é visto em cada um destes locais. Esta diferença entre os locais é reforçada através de vários elementos, seja o recurso a diferentes bandas sonoras, sempre em tons electrónicos, mas adequada a cada uma das cidades filmadas, seja a forma como os habitantes nos 'falam': por vezes em entrevista directa, como é o caso do metro de Los Angeles (um caso curioso, pois esta cidade norte-americana é conhecida por ser a cidade onde toda a gente tem carro), ou através de pequenos pensamentos, como acontece em Nova Iorque. E em cada uma das cidades, a forma como o metro é visto é sempre diferente.
Classificação: 4/5
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