domingo, 19 de janeiro de 2014
Kubrick em destaque na Take
Já está nas bancas virtuais mais uma edição da Take Cinema Magazine. O número 34 é dedicado à vida e obra de Stanley Kubrick, com artigos e críticas sobre todos os filmes do autor de «Laranja Mecânica». A mais recente edição da Take inclui ainda artigos sobre vários aspectos da vida do realizador, desde os projectos que ficaram por fazer, a sua carreira enquanto fotógrafo que o trouxe inclusive a Portugal, entre outros. Para ler aqui. Podem também aproveitar para fazer like na página do Facebook da Take. Boas leituras e boa viagem rumo ao universo kubrickiano!
sábado, 11 de janeiro de 2014
Um belo final de filme, um belo final de carreira
John Huston faleceu em 1987 e deixou como legado uma grandiosa obra, recheada de pontos altos. Contudo, ao contrário de vários grandes realizadores, que se deixam arrastar em obras menores à medida que se aproxima o final da vida, o final da carreira de Huston ficou marcado por um dos seus pontos maiores. Já bastante debilitado e no hospital, o cineasta realizou uma pequena obra-prima a partir de um conto de James Joyce. «Gente de Dublin» («The Dead», no título original) é uma pequena maravilha e de uma simplicidade assombrosa. Este é um retrato de um jantar de início de ano onde uma comunidade de Dublin recorda os que morreram no passado e celebra os que continuam a viver num espírito de fraternidade que parece já não existir nos dias de hoje. E que termina num fabuloso monólogo, dito sobre imagens da neve que não pára de cair ao longo de todo o filme. Um belíssimo final de filme, para um belíssimo final de carreira.
quarta-feira, 8 de janeiro de 2014
Cenas #5
Ter e Não Ter, de Howard Hawks (1944)
Ela entra no quarto dele e pede-lhe lume. Começa assim o primeiro encontro entre Lauren Bacall e 'Bogey' em «Ter e Não Ter», obra-prima de Howard Hawks por vezes comparada (erroneamente) a «Casablanca», de Michael Curtiz, uma outra história de expatriados em terra de ninguém durante a II Guerra Mundial. Podia ter ido buscar a cena do assobio recordada por João Bénard da Costa como «um dos melhores diálogos da história do cinema» («You know you don't have to act with me, Steve. You don't have to say anything, and you don't have to do anything. Not a thing. Oh, maybe just whistle. You know how to whistle, don't you, Steve? You just put your lips together and... blow.»), mas esta parece-me a que melhor espelha a relação amor-ódio (mais amor do que ódio, como sempre nestas coisas) das personagens centrais do filme. E entre trocas de cigarros e lume, nasceu um dos míticos casais de Hollywood, que iria contracenar ainda em mais três filmes: «À Beira do Abismo» («The Big Sleep», de Howard Hawks, 1946), «O Prisioneiro do Passado» («Dark Passage», de Delmer Daves, 1947) e «Paixões em Fúria» («Key Largo», de John Huston, 1948). Mas isso são contas de outro rosário. Aqui celebra-se a magia de «Ter e Não Ter» e as trocas de lume entre Bacall e Bogart. E em tempos politicamente correctos pensamos para com os nossos botões: como seria este belo filme se não houvessem os cigarros?
sexta-feira, 3 de janeiro de 2014
China - Um Toque de Pecado, de Zhangke Jia (2013)
As listas de melhores do ano são tramadas. Perdemos uma enormidade de tempo a recordar as memórias de um ano de estreias cinematográficas para chegar a uma lista com o melhor que vimos em sala e logo a seguir vemos um daqueles filmes que devíamos ter visto a tempo e horas para integrar a dita lista. Serve esta breve introdução para dizer que «China - Um Toque de Pecado», o mais recente filme de Zhangke Jia, com jeitinho bem podia ter integrado a lista de melhores do ano deste blogue. Mas, como não foi visionado a tempo e horas, ficou de fora, talvez injustamente. Ou não.
Para os cinéfilos mais atentos o nome de Zhangke Jia não será de todo desconhecido. Há alguns anos atrás o IndieLisboa dedicou um ciclo inteiro à sua obra, quando o festival lisboeta ainda tinha uma das suas secções mais memoráveis, entretanto extinta. Como Herói Independente homenageado, o festival apresentou nessa edição do certame uma obra curta, mas bastante interessante. Desde então raramente a obra do cineasta chinês ficou de fora do circuito comercial e «China - Um Toque de Pecado» é o seu mais recente filme a ter honra de estreia. Trabalhando sempre na (cada vez mais) ténue fronteira entre a ficção e o documentário, Zhangke tem vindo a apresentar um retrato da China dos dias de hoje um pouco diferente da imagem que poderíamos ter do chamado milagre económico. É que para lá do milagre económico daquela que é uma das grandes potências mundiais, há pessoas, pessoas essas que têm sido retratadas nos filmes deste cineasta através de um olhar ficcional, que bem podia ser oriundo do real.
Em «China - Um Toque de Pecado» (título que consiste num trocadilho, assumido pelo próprio realizador, com «A Touch of Zen», clássico das artes marciais realizado por King Hu) o olhar do cineasta chinês parte de quatro histórias de crimes, todas baseadas em acontecimentos reais, para nos mostrar uma outra realidade da China. Cada episódio, com as suas particularidades específicas, acaba por nos apresentar algo mais do que 'simples' crimes, porque, tal como nas obras anteriores de Zhangke Jia, há muita coisa para desvendar por detrás de cada camada. Neste caso cada crime funciona quase como o ponto de partida para mostrar aspectos de uma sociedade que está por detrás do tal milagre económico chinês, seja a corrupção instalada nas pequenas localidades ou as condições laborais nas grandes fábricas chinesas, retratadas no primeiro e no quarto episódio, respectivamente.
E são estes dois, curiosamente, os episódios que melhor funcionam em «China - Um Toque de Pecado», pois não retratam simples crimes, mas algo que vai muito para lá do mero apresentar de um crime violento, apresentando em pano de fundo a tal realidade social de uma China menos conhecida e que nem sempre surge nas notícias. Não que este seja um filme desequilibrado, antes pelo contrário. Apesar de as histórias serem independentes (apenas uma personagem aparece em dois dos segmentos), acabam por formar um todo coerente. E a única diferença em relação às anteriores obras de Zhangke Jia é uma certa violência que salta (literalmente) para a frente do ecrã e pode eventualmente deixar-nos desconfortáveis durante o visionamento, pois este é um elemento que não encontramos em obras anteriores do cineasta, onde a violência talvez estivesse mais 'escondida' nas entrelinhas. Como se nos filmes anteriores do realizador essa violência estivesse de certa forma reprimida e de repente acabasse por explodir. Há muito sangue a jorrar em «China - Um Toque de Pecado», mas esta dose massiva de hemoglobina apenas serve para mostrar que nem tudo é perfeito num milagre económico e as injustiças também existem em certos modelos de sociedades que se dizem perfeitas. Ou quase perfeitas.
Nota: 4/5
Para os cinéfilos mais atentos o nome de Zhangke Jia não será de todo desconhecido. Há alguns anos atrás o IndieLisboa dedicou um ciclo inteiro à sua obra, quando o festival lisboeta ainda tinha uma das suas secções mais memoráveis, entretanto extinta. Como Herói Independente homenageado, o festival apresentou nessa edição do certame uma obra curta, mas bastante interessante. Desde então raramente a obra do cineasta chinês ficou de fora do circuito comercial e «China - Um Toque de Pecado» é o seu mais recente filme a ter honra de estreia. Trabalhando sempre na (cada vez mais) ténue fronteira entre a ficção e o documentário, Zhangke tem vindo a apresentar um retrato da China dos dias de hoje um pouco diferente da imagem que poderíamos ter do chamado milagre económico. É que para lá do milagre económico daquela que é uma das grandes potências mundiais, há pessoas, pessoas essas que têm sido retratadas nos filmes deste cineasta através de um olhar ficcional, que bem podia ser oriundo do real.
Em «China - Um Toque de Pecado» (título que consiste num trocadilho, assumido pelo próprio realizador, com «A Touch of Zen», clássico das artes marciais realizado por King Hu) o olhar do cineasta chinês parte de quatro histórias de crimes, todas baseadas em acontecimentos reais, para nos mostrar uma outra realidade da China. Cada episódio, com as suas particularidades específicas, acaba por nos apresentar algo mais do que 'simples' crimes, porque, tal como nas obras anteriores de Zhangke Jia, há muita coisa para desvendar por detrás de cada camada. Neste caso cada crime funciona quase como o ponto de partida para mostrar aspectos de uma sociedade que está por detrás do tal milagre económico chinês, seja a corrupção instalada nas pequenas localidades ou as condições laborais nas grandes fábricas chinesas, retratadas no primeiro e no quarto episódio, respectivamente.
E são estes dois, curiosamente, os episódios que melhor funcionam em «China - Um Toque de Pecado», pois não retratam simples crimes, mas algo que vai muito para lá do mero apresentar de um crime violento, apresentando em pano de fundo a tal realidade social de uma China menos conhecida e que nem sempre surge nas notícias. Não que este seja um filme desequilibrado, antes pelo contrário. Apesar de as histórias serem independentes (apenas uma personagem aparece em dois dos segmentos), acabam por formar um todo coerente. E a única diferença em relação às anteriores obras de Zhangke Jia é uma certa violência que salta (literalmente) para a frente do ecrã e pode eventualmente deixar-nos desconfortáveis durante o visionamento, pois este é um elemento que não encontramos em obras anteriores do cineasta, onde a violência talvez estivesse mais 'escondida' nas entrelinhas. Como se nos filmes anteriores do realizador essa violência estivesse de certa forma reprimida e de repente acabasse por explodir. Há muito sangue a jorrar em «China - Um Toque de Pecado», mas esta dose massiva de hemoglobina apenas serve para mostrar que nem tudo é perfeito num milagre económico e as injustiças também existem em certos modelos de sociedades que se dizem perfeitas. Ou quase perfeitas.
Nota: 4/5
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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014
10 filmes: Boxe
O início do ano cinéfilo no Shut up and watch the movies foi marcado por um clássico realizado por Raoul Walsh: «O Ídolo do Público», ou «Gentleman Jim», no título original. Para comemorar este visionamento regressa mais uma lista de filmes temáticos, desta vez dedicada ao boxe, o desporto praticado pelo protagonista do filme de Walsh. Tal como outras listas desta rubrica, os filmes apresentados não são os melhores ou os piores dentro de um determinado tema, apenas 10 exemplos de filmes que abordam o tema destacado. Por isso outras propostas são sempre bem-vindas na caixa de comentários, quanto mais não seja para promover a partilha ou a descoberta de novos títulos.
Ringue de Boxe, de Alfred Hitchcock (1927)
O Ídolo do Público, de Raoul Walsh (1942)
Nobreza de Campeão, de Robert Wise (1949)
Belarmino, de Fernando Lopes (1964)
Rocky, de John G. Avildsen (1976)
O Touro Enraivecido, de Martin Scorsese (1980)
O Boxeur, de Jim Sheridan (1997)
Ali, de Michael Mann (2001)
Million Dollar Baby - Sonhos Vencidos, de Clint Eastwood (2004)
The Fighter - Último Round, de David O. Russell (2010)
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quarta-feira, 1 de janeiro de 2014
Tal Pai, Tal Filho, de Hirokazu Koreeda (2013)
Há qualquer coisa no olhar de Hirokazu Koreeda que nos fascina. Não serão apenas os belos filmes que nos tem apresentado ao longo dos últimos anos, mas a forma serena e terna como filma as histórias que nos traz e volta e meia temos o prazer de ver em estreia comercial. Pequenas pérolas vindas do Japão, criadas por um dos dignos sucessores do génio de Ozu (recomenda-se o visionamento de «Andando», uma espécie de variação de «Viagem a Tóquio» passada nos dias de hoje, para o confirmar), que quase passam sem darmos por elas, mas que se lhes dermos atenção acabam por ser experiências memoráveis. «Tal Pai, Tal Filho» não é excepção e foi uma das mais agradáveis fitas a passar pelas salas portuguesas no final do ano passado.
A história de um pai que descobre, seis anos depois, que o seu filho foi trocado por outro no hospital, facilmente poderia ser um dramalhão de primeira, com lágrima a espreitar ao canto do olho. Mas Koreeda foge disso como o diabo da cruz e o resultado é algo completamente diferente. Um filme sincero, que retrata o drama de alguém que a dado momento e a partir de uma situação em específico se coloca perante inúmeras questões que no limite põem em causa toda a sua vida. Não só o que fazer quando descobre que o seu filho natural não é o que criou durante seis anos, mas um miúdo criado por uma família de menos recursos do que a dele, mas também o que falhou ao longo dos mesmos seis anos para que se sinta tão longe do menino que criou e ao mesmo tempo incapaz de acarinhar e aproximar-se do seu verdadeiro filho quando este vai viver com o casal natural.
Mais do que um belo filme, «Tal Pai, Tal Filho» acaba por ser um retrato da época em que foi feito (já Fritz Lang na sua extraordinária conversa com Jean-Luc Godard - Le dinosaure et le bébé - dizia que todos os filmes são como que documentários de uma determinada época), algo que já acontecia nos filmes anteriores de Hirokazu Koreeda, onde a família é sempre o centro da trama. Os dilemas de alguém que sempre deu tudo o que tinha a dar no emprego, descurando dessa forma a família e os que o rodeiam, da esposa ao pai, passam em pano de fundo. O final é aparentemente feliz, mas não sabemos se esta experiência limite pela qual todos passaram será suficiente para algo mudar ou se tudo irá continuar na mesma. O que não mudou, de certeza, foi o olhar sereno de Koreeda perante as suas personagens, que não deixa de nos fascinar desde que vimos pela primeira vez um dos seus filmes. Mais do que recomendável, «Tal Pai, Tal Filho» é um dos filmes obrigatórios em exibição por estes dias.
Nota: 4/5
A história de um pai que descobre, seis anos depois, que o seu filho foi trocado por outro no hospital, facilmente poderia ser um dramalhão de primeira, com lágrima a espreitar ao canto do olho. Mas Koreeda foge disso como o diabo da cruz e o resultado é algo completamente diferente. Um filme sincero, que retrata o drama de alguém que a dado momento e a partir de uma situação em específico se coloca perante inúmeras questões que no limite põem em causa toda a sua vida. Não só o que fazer quando descobre que o seu filho natural não é o que criou durante seis anos, mas um miúdo criado por uma família de menos recursos do que a dele, mas também o que falhou ao longo dos mesmos seis anos para que se sinta tão longe do menino que criou e ao mesmo tempo incapaz de acarinhar e aproximar-se do seu verdadeiro filho quando este vai viver com o casal natural.
Mais do que um belo filme, «Tal Pai, Tal Filho» acaba por ser um retrato da época em que foi feito (já Fritz Lang na sua extraordinária conversa com Jean-Luc Godard - Le dinosaure et le bébé - dizia que todos os filmes são como que documentários de uma determinada época), algo que já acontecia nos filmes anteriores de Hirokazu Koreeda, onde a família é sempre o centro da trama. Os dilemas de alguém que sempre deu tudo o que tinha a dar no emprego, descurando dessa forma a família e os que o rodeiam, da esposa ao pai, passam em pano de fundo. O final é aparentemente feliz, mas não sabemos se esta experiência limite pela qual todos passaram será suficiente para algo mudar ou se tudo irá continuar na mesma. O que não mudou, de certeza, foi o olhar sereno de Koreeda perante as suas personagens, que não deixa de nos fascinar desde que vimos pela primeira vez um dos seus filmes. Mais do que recomendável, «Tal Pai, Tal Filho» é um dos filmes obrigatórios em exibição por estes dias.
Nota: 4/5
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