sexta-feira, 22 de março de 2013

O Terceiro Homem, de Carol Reed (1949)

Se alguém me perguntar de que material são feitas as obras-primas, não saberei responder. Mas se neste momento alguém me viesse pedir um exemplo de um filme perfeito não hesitaria em responder «O Terceiro Homem», de Carol Reed. Sem pensar duas vezes. Não só é baseado num excelente livro escrito por Graham Greene, que também assinou o argumento do filme, como é um dos melhores filmes Noir de sempre. Passado na Viena do pós-II Guerra Mundial, «O Terceiro Homem» conta a história de Holly Martins (Joseph Cotten), um escritor de livros de cowboys que chega à capital austríaca a convite de um amigo de juventude que lhe prometera uma oportunidade de emprego. Contudo, assim que Holly chega a solo vienense descobre que Harry Lime (Orson Welles) morreu e uma das suas primeiras paragens é precisamente o funeral de Harry. De repente o pobre escritor de romances que ninguém lê, a não ser um dos militares que o recebe, vê-se metido numa embrulhada passada numa cidade ocupada pelas potências que ganharam a II Guerra Mundial para tentar perceber o que aconteceu ao seu amigo. E, como não podia deixar de ser, como acontece sempre nos filmes Noir, nem tudo é o que parece e à medida que o novelo se desenrola tudo fica mais claro para Holly.

Mas se o argumento já era brilhante, o que dizer do resto do filme? Além das enormes interpretações com que somos brindados (a começar pela estrondosa criação de Orson Welles, que segundo a lenda, tem mais do próprio Welles do que o que terá sido escrito por Greene), a grande estrela de «O Terceiro Homem» é Viena e a forma como a cidade é filmada pela equipa liderada por Carol Reed, que nos remete para o imaginário dos filmes expressionistas alemães dos anos 1920. Com a diferença de que neste caso os cenários não são tão fantasiosos, mas muito mais reais. As ruas pequenas estreitas e as ruínas de Viena do pós-Guerra, filmadas através de planos (aparentemente) estranhos, raramente na horizontal, ajudam a criar um cenário onde as sombras ganham outra dimensão. As perseguições, sempre a pé ou em passo de corrida, criam um ambiente de cerco que culminam na fabulosa sequência final nos esgotos da capital austríaca, quando Harry é encurralado e acaba por ter o fim esperado.

De realçar que sendo «O Terceiro Homem» um excelente exemplo do Noir, com todas as características do género, não podemos deixar de dar razão a quem considera este um dos primeiros filmes sobre a Guerra Fria. Ao retratar uma cidade dividida em quatro, consequência do final da II Guerra Mundial, Carol Reed mostra já o clima que iria surgir na Europa até final dos anos 1980 e início da década de 1990. E todas as personagens neste filme acabam por estar sujeitas já a essa divisão, pois estão circunscritas, de certa forma, à zona em que se encontram. Já para não falar na relação entre os militares das quatro potências, que têm de conviver no mesmo espaço e respeitar as regras de cada um.

Todos estes pormenores estão na obra-prima de Carol Reed, onde não há heróis, como diria Harry Lime (já vos disse quão magistral é esta criação de Orson Welles? Nunca é demais repeti-lo) a Holly Martins quando os dois se encontram para justificar as suas acções: «What did you want me to do? Be reasonable. You didn't expect me to give myself up... 'It's a far, far better thing that I do.' The old limelight. The fall of the curtain. Oh, Holly, you and I aren't heroes. The world doesn't make any heroes outside of your stories». E nem Holly consegue ser o típico herói, pois a sua imagem é manchada pela forma como lida com todo o caso, sobretudo a partir do momento em que se apaixona por Anna Schmidt (Alida Valli), a amante de Lime. Como muito bem diz João Bénard da Costa na análise que faz a «O Terceiro Homem», esta é a única personagem que sai limpa da enorme sujeira que era Viena naquele período, mesmo que o seu destino futuro seja incerto.

Por tudo isto e muito mais (faltou falar da fabulosa banda sonora assinada por Anton Karas, que se tornou icónica, por exemplo) «O Terceiro Homem» é um dos filmes mais perfeitos da História do Cinema. E para mim passou a ser um dos meus filmes favoritos e será uma das minhas recomendações para quem nos próximos tempos me perguntar um exemplo de filme perfeito. Para os interessados, publiquei um post com uma fotogaleria alusiva ao filme, que pode ser vista aqui.

Classificação: 5/5

2 comentários:

  1. Só para dizer que acompanho-te nesse sentimento de perfeição com que caracterizas o filme. Cidade de Viena filmada de uma forma excepcional, fotografia fantástica e grande Orson Welles. Icónico sem dúvida. Boa critica.

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    1. Obrigado. Estava com medo de escrever sobre o filme, pois é um daqueles que gostei bastante e tinha receio de não conseguir escrever nada de jeito. Mas afinal consegui fazer jus ao filme.
      Cumprimentos

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