Há dias publiquei um post dedicado a «Le Havre», o mais recente filme de Aki Kaurismaki, com o título «Afinal ainda se fazem filmes assim», a propósito da sua simplicidade e beleza, tão ao gosto do Cinema do finlandês. O mesmo título quase (e sublinho o quase) poderia ser aplicado a uma crítica sobre «Amor», não fosse o filme de Haneke muito mais complexo do que à partida parece. Mas é, sem sombra de dúvidas, A (assim mesmo, com A maiúsculo) estreia desta semana e muito provavelmente o melhor filme que passará pelas nossas salas até ao final deste ano. Sem contar com o regresso de «A Mulher Que Viveu Duas Vezes», obviamente, mas isso é outra conversa.
Vencedor da Palma de Ouro na última edição do Festival de Cannes, o novo filme de Michael Haneke acompanha a história de George (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva), um casal de idosos pertencente à classe alta, a partir do momento em que Anne sofre um ataque e começa a perder aos poucos as suas capacidades. «Amor» podia ter sido apenas mais um melodrama sobre as agruras do envelhecimento e como um homem trata da sua mulher, o amor da sua vida (calculamos que de sempre, nunca chegamos a saber).
Mas num filme do austríaco as coisas nunca são assim tão simples. A câmara de Haneke volta a funcionar, como aconteceu em tantos outros filmes do realizador, como o nosso próprio olhar invasor para dentro daquelas duas vidas. Literalmente. Não há mais nada para lá do apartamento de George e Anne (tirando uma breve sequência no início do filme) e as restantes personagens parecem, tal como nós, voyeurs da situação do casal. Obrigadas a assistir ao desenrolar da situação, lidando da melhor forma possível com a mesma, muitas vezes sem saber como, e tentando confortar George na sua nova condição. Como às tantas diz George à filha (que nesta cena em específico até podia ser um de nós, espectadores do filme), em mais uma daquelas provocações tão ao jeito de Haneke, «estas coisas não são para ser vistas». Mas Haneke insiste em mostrá-las e ninguém resiste a desviar o olhar e sente a necessidade de ver como está Anne. Mesmo sabendo à partida que não vai gostar do que vai ver ou se sentirá desconfortável.
São estes pequenos detalhes que fazem a marca do realizador austríaco, que consegue analisar, como poucos cineastas nos dias de hoje, os sentimentos humanos de uma forma fria, sem cair no óbvio ou em mostrar as coisas de forma demasiado chocante. E em certas sequências «Amor» é duro de engolir, pois não sabemos em que posição gostaríamos de estar (na de George ou na de Anne) ou mesmo o que fazer naquela situação, que inevitavelmente nos poderá acontecer um dia. No final tudo se resume a uma bela história de amor, daquelas que pensamos já não existir nos dias de hoje, em que o que é bom hoje amanhã já não interessa para nada.
Não poderia terminar este post sem destacar a (enorme) interpretação dos dois protagonistas. Jean-Louis Trintignant, que regressa aos ecrãs depois de um afastamento voluntário do Cinema que durou quase uma década, é o que passa mais tempo no ecrã, mas o desempenho de Emmanuelle Riva é um daqueles que ficará como um dos melhores e mais marcantes do ano. Poucos actores serão capazes de se expor tanto como a protagonista de «Amor» o faz neste filme. E um filme que trata o Amor e o envelhecimento sem cair num tom de excessivo melodramismo não merece passar ao lado de ninguém. Quanto mais não seja para pensarmos a sério nestas coisas e não empurrá-las para debaixo do tapete. O que, no fundo, é o que Michael Haneke nos propõe na maioria dos seus filmes. E este não é excepção.
Classificação: 4/5
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