domingo, 27 de abril de 2014

IndieLisboa 2014, dia 26 de Abril: Do Japão com (muito) amor

O segundo dia de IndieLisboa foi dia de fazer escala em França e depois no Japão, uma vez mais com filmes completamente diferentes: um drama familiar e uma delirante comédia realizada por um não menos excêntrico realizador, Hitoshi Matsumoto, que em 2009 já tinha apresentado Symbol no festival lisboeta.

Realizado por Katell Quillévéré, Suzanne é um daqueles filmes que vale sobretudo pelas interpretações e para esta segunda longa-metragem a cineasta francesa teve a sorte de conseguir reunir um bom elenco para dar vida às personagens principais do filme. Todos os actores chegaram a ser nomeados na última edição dos prémios César, que premeiam os melhores filmes em França, tendo Adèle Haenel conquistado a estatueta de Melhor Actriz Secundária.

Partindo da história da protagonista que dá título ao filme, Suzanne é a história de uma jovem rebelde e da sua relação com a família desde a infância até cerca dos 25 anos. Não sendo um título de encher o olho, Suzanne é um filme sólido tendo em conta que estamos perante uma segunda obra, que só peca por ser pouco audaz. Se a cineasta arriscasse um pouco mais, talvez estivéssemos aqui perante uma boa surpresa. Ao invés Katell Quillévéré opta por jogar pelo seguro, tendo por base um argumento bastante simples, por vezes semelhante a muitos dos dramas familiares que temos visto oriundos do cinema francês. A única e grande diferença é que neste caso, o único risco que Katell Quillévéré corre é utilizar uma estrutura narrativa assente em inúmeras elipses, que funciona bem e não sentimos falta dos buracos deixados pelos saltos na narrativa.

E não há como não destacar a enorme presença de Sara Forestier que dá corpo e alma a uma personagem em constante luta consigo própria e com os que estão à sua volta. A jovem actriz, descoberta por Abdellatif Kechiche em A Cativa, mostra aqui que é uma boa actriz, mesmo que os seus trabalhos por cá sejam pouco conhecidos.

Num registo completamente diferente surge-nos R100, apesar de aqui também haver um drama familiar em pano de fundo. Mas é esse o único ponto de contacto entre o mais recente filme do japonês Hitoshi Matsumoto e o título de Katell Quillévéré. Contar em pormenor o drama familiar do protagonista de R100 é estragar a surpresa do visionamento deste delirante filme, tão delirante quanto Symbol, que já tinha passado pelo IndieLisboa há uns anos atrás. O melhor é ficarmos pela premissa: triste com a sua vida bastante cinzenta (e o cinzento é uma boa cor para descrever a fotografia do filme) o vendedor de mobiliário Takafumi inscreve-se num clube de sadomasoquismo e compromete-se a durante um ano submeter-se ao domínio de um conjunto de dominatrix que o vão fazer sofrer em ataques aleatórios ao longo do período do contrato, que não pode ser cancelado.

A partir daqui estamos por nossa conta e risco. Assim como já estávamos em Symbol, um daqueles objectos cinematográficos que nos deixam completamente fora de pé, tal é a quantidade de delírio que vai surgindo no ecrã e que no final, se conseguirmos sobreviver, acaba por fazer (algum) sentido. E o risco vale bastante a pena, tendo em conta que este é uma daquelas comédias descabeladas para rir do início ao fim. Hitoshi Matsumoto joga com todos os elementos da comédia e dos filmes série B (a sequência final de R100 de certeza que faz inveja a qualquer Grindhouse realizado a meias por Quentin Tarantino ou Robert Rodriguez), subverte-os e no final ainda temos direito a uma espécie de moral da história completamente delirante. O próprio título do filme faz parte do jogo, basta estar atento ao que se passa e tentar perceber este excêntrico labirinto criado por Hitoshi Matsumoto. Ou então não, podemos sempre deixar-nos levar pela loucura do filme e apenas passarmos um bom bocado, tendo em conta que vale tudo. Mesmo tudo para levar R100 a bom porto.

Suzanne repete no dia 28 de Abril às 16h30 na Sala 1 do Cinema City Campo Pequeno.

R100 repete no dia 30 de Abril às 23h50 na Sala 1 do Cinema City Campo Pequeno. 

sábado, 26 de abril de 2014

IndieLisboa 2014, Dia 25 de Abril: Regresso ao passado

O título deste post poderá ser antagónico, mas por estes lados não se pretende um regresso ao passado pré-25 de Abril de 1974, antes um regresso precisamente aos dias em que a população portuguesa saiu às ruas e deu asas à sua alegria e sonhos reprimidos durante uma longa ditadura. Desabafos à parte, vamos ao que interessa: o início da cobertura do Indie. Ontem foi dia de viajar no tempo através de duas obras completamente diferentes, tanto no género, como na origem: um documentário histórico, realizado por um cineasta de Leste, e um clássico norte-americano assinado por um dos maiores realizadores de sempre.

No papel Al Doilea Joc, do romeno Cornelius Porumboiu, tinha tudo para ser interessante. Mas falha redondamente, tal como os avançados do Steaua e do Dínamo de Bucareste que se defrontam ao longo do jogo de futebol que é mostrado no filme. A partida, realizada a 3 de Dezembro de 1988, foi arbitrada por Adrian Porumboiu, pai do realizador, que dias antes tinha sido ameaçado de morte através de um telefonema anónimo atendido precisamente por Cornelius, na altura uma criança. Vivia-se ainda sob a ditadura de Ceausescu, que acabaria no ano seguinte, e o medo pairava sobre a sociedade romena.

O telefonema e o jogo de futebol, que acabou por acontecer com o árbitro previsto, foram os pretextos para Cornelius Porumboiu realizar Al Doilea Joc. Ao longo de 94 minutos pelo ecrã passa o jogo de futebol entre as duas equipas, bastante ligadas ao regime (uma representava o Exército e a outra a Polícia), enquanto pai e filho vão comentando o que se passa dentro de campo e algumas questões fora das quatro linhas. À partida o documentário podia ser um interessante regresso ao passado, não só para ambos os protagonistas recordarem o que viveram naqueles dias, mesmo sendo bastante imprevisível o que poderia ser dito (e partimos do princípio que a conversa foi feita sem cortes ao longo da partida, como se os dois estivessem a comentar o jogo ao nosso lado), mas também para nós, enquanto espectadores e de certa forma voyeurs, podermos escutar aquela conversa.

Mas, tal como o jogo, bastante chato (estamos nos antípodas do futebol espectáculo dos dias de hoje) e rijo, a conversa é bastante monótona. Cornelius bem tenta tirar nabos da púcara do pai, mas este esquiva-se sempre às questões e por vezes nem sequer responde, ficando apenas as imagens do jogo em silêncio. Por vezes é o próprio Adrian a perguntar ao filho a quem é que interessará uma partida de futebol como outra qualquer, ocorrida há mais de duas décadas. E o diálogo travado em Al Doilea Joc tem o mesmo destino. Podia ser o ponto de partida para o debate de inúmeras questões, desde o que mudou na situação do país desde aquela altura até às diferenças entre o futebol que se praticava nos anos 1980 e o panorama actual, mas é tudo muito escasso. Há aspectos curiosos focados na conversa dos dois intervenientes, mas tudo muito pela rama. 

Termina assim o desafio, com ambas as equipas a saírem de campo, os resultados da jornada a passarem no ecrã da transmissão. E uma tremenda desilusão face ao resultado final, dentro e fora das quatro linhas. Apenas poderá ter algum interesse para os saudosistas do futebol que se praticava na altura, que podem comparar o futebol que se jogava na altura e o que se pratica nos dias de hoje (há regras que já não existem por exemplo), e para quem tem curiosidade em rever um dérby do futebol romeno onde pontuavam estrelas como o mítico Gheorghe Hagi (conhecido em tempos como o Maradona dos Cárpatos) ou Florin Raducioiu, nomes que mais tarde singraram em grandes emblemas do futebol europeu.


O melhor deste primeiro dia de IndieLisboa acabou por ser a segunda parte, com um dos pratos fortes da secção Director's Cut deste ano: Chamada Para a Morte, de Alfred Hitchcock, na versão 3D, como filmada pelo mestre do suspense na década de 1950. E o que mais espanta nesta versão do clássico é que há 60 anos atrás foi possível utilizar, de forma magistral, o 3D. O filme, visto como uma experiência da Warners para tentar lançar esta nova tecnologia, não cativou os estúdios na altura e o 3D voltou para a gaveta praticamente até James Cameron o resgatar em todo o seu esplendor, já no século XXI, com Avatar, relançando a tecnologia, para o bem e para o mal. 

Mas esta versão de Chamada Para a Morte é tudo menos uma experiência falhada e talvez seja uma das melhores utilizações do 3D da História do Cinema, mesmo comparando com algumas produções actuais, que utilizam esta tecnologia apenas para aproveitar uma nova moda. Na altura o clássico de Hitchcock talvez tivesse sido filmado em 3D precisamente nesta lógica, de criar um novo incentivo para levar as pessoas para as salas de Cinema. Mas nota-se que neste caso o 3D é utilizado não apenas como um simples efeito especial (que não deixa de o ser), mas quase como que um elemento do próprio filme. E tudo é construído tendo em conta este elemento, que dá uma profundidade estrondosa aos cenários e nos envia para dentro da tela como poucos. 

É fabulosa a forma como os objectos surgem no ecrã e nos dão essa noção de profundidade ou como em algumas cenas as mãos dos actores quase nos tocam na cara. Curiosamente este efeito acontece poucas vezes o que poderá indicar que Hitchcock já teria uma noção de que seria demasiado invasivo para o espectador se estivesse sempre a abusar do 3D, como que a dizer 'olhem, isto é em 3D'!. Ou seja, mesmo sendo uma primeira utilização da tecnologia num grande filme de estúdio, já havia essa noção de que o muito nem sempre é o ideal. Percebe-se que é uma experiência, mas sabe-se o que se está a fazer. Não se está a fazer só porque sim.

Se a versão original de Chamada Para a Morte já era bastante recomendável (estamos em puro terreno hitchcockiano, onde o humor negro impera na história de um homem que tem o plano perfeito para matar a sua esposa, mas o plano acaba por correr mal), esta versão em 3D é mais do que recomendável. Diria quase obrigatória. Em suma: goleada do mestre Alfred Hitchcock, que nos deixou com uma enorme vontade de ver de seguida a versão 2D do filme

Al Doilea Joc repete no dia 1 de Maio às 00:00 e 2 de Maio às 23h55, sempre na Sala 3 do Cinema City Campo Pequeno.

Chamada Para a Morte repete no dia 29 de Abril às 16h30 e no dia 2 de Maio às 23h50, sempre na Sala 1 do Cinema City Campo Pequeno. 

terça-feira, 22 de abril de 2014

Sugestões para o IndieLisboa 2014

Está prestes a arrancar a 11ª edição do Festival Internacional de Cinema Independente de Lisboa, também conhecido por IndieLisboa. Como acontece desde a primeira edição irei acompanhar o festival lisboeta, este ano com a complicada tarefa de escolher um dos prémios. Pela primeira vez na história do festival a organização do festival convidou um grupo de bloggers para escolher um dos prémios, o prémio de Distribuição, e tive o prazer de ser um dos três membros deste novo júri, a par do Luís Mendonça (autor do blogue CINEdrio e membro fundador do site À Pala de Walsh) e do Francisco Valente (autor do blogue A noite pelo dia). Aproveito este post de início da cobertura do festival para agradecer o convite, que muito me honra e tenho a certeza que será uma excelente experiência para todos.

Nesta edição pretendo, tal como aconteceu no passado, voltar a fazer uma cobertura do IndieLisboa através do blogue. Não posso prometer que seja tão exaustiva como na edição de 2013, pois obrigações profissionais vão ocupar-me durante grande parte do tempo. Mas cá estarei para ir publicando algumas críticas aos filmes visionados. Para o início das hostilidades, aí fica uma lista de sugestões, com um filme por dia. Não significa que sejam necessariamente os melhores filmes do festival, antes sugestões pessoais. Sem mais demoras, aí vão as minhas apostas para o IndieLisboa 2014, que arranca na próxima quinta-feira, dia 24 de Abril e termina a 4 de Maio.

Blind Detective, de Johnnie To (dia 24 de Abril às 21h30 no Grande Auditório da Culturgest)

Na edição de 2013 do IndieLisboa comecei por sugerir um filme realizador por uma dupla cuja obra tive o prazer de conhecer no festival lisboeta (Gustave de Kervern e Benoît Delépine, que apresentaram o simpático, mas mediano, Le Grand Soir). Desta vez volto a cometer a mesma ousadia. Para a primeira sessão de 2014 nada como rever um velho conhecido: Johnnie To, um dos realizadores mais populares de Hong Kong e presença assídua nas primeiras edições do festival, que chegou a dar-lhe honras de Herói Independente em 2008, regressa a Lisboa para apresentar o seu novo filme: Blind Detective. Um pontapé de saída bastante aguardado. Blind Detective repete em duas sessões no dia 4 de Maio, ambas no Cinema City Campo Pequeno, às 14h30 e 19h15.

Mudar de Vida, José Mario Branco, vida e obra, de Pedro Fidalgo e Nelson Guerreiro (dia 25 de Abril às 21h45 na Sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge)

No ano em que se comemoram os 40 anos do 25 de Abril de 1974, o IndieLisboa apresenta algumas propostas para celebrar a data. Para o dia 25 há uma sessão que dirá muito aos que escolheram a música de intervenção como banda sonora da Revolução dos Cravos e os dias conturbados que se seguiram à queda do Estado Novo, dedicada a um dos nomes maiores da música popular portuguesa daquela altura e não só: José Mário Branco. Uma homenagem justa ao cantautor que gritou a plenos pulmões contra o FMI. Mudar de Vida, José Mario Branco, vida e obra repete no dia 27 de Abril às 16h15 na Sala 3 do Cinema São Jorge.

Nugu-ui ttal-do anin Haewon (Nobody's Daughter), de Hong Sang-Soo (dia 26 de Abril às 19h00 na Sala 1 do Cinema City Campo Pequeno)

Tardou a chegar aos ecrãs portugueses, mas aos poucos a obra de Hong Sang-Soo começa a aparecer por cá. Um dos nomes mais interessantes do cinema feito na Coreia do Sul vai estar presente no IndieLisboa, com o seu mais recente filme. Uma bela oportunidade entrar ou aprofundar o universo deste cineasta, autor de um dos melhores filmes estreados em salas nacionais no ano passado (Noutro País). Nugu-ui ttal-do anin Haewon (Nobody's Daughter) repete a 2 de Maio às 16h30 na Sala 1 do Cinema City Campo Pequeno e na mesma sala às 19h00 do dia 4 de Maio.

Centro Histórico, de Aki Kaurismäki, Pedro Costa, Víctor Erice e Manoel de Oliveira (dia 27 de Abril às 18h00 na Sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge)

Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura já lá vai, mas os frutos do evento ainda andam por aí. Partindo da lógica dos filmes por episódios, quatro dos maiores cineastas em actividade filmaram quatro pequenos filmes para o evento que tornou a cidade nortenha o centro da cultura europeia há dois anos. Bastava a preciosa pérola de Victor Erice (Vidros Partidos, que foi exibida na Cinemateca Portuguesa aquando da passagem do cineasta espanhol por Lisboa há alguns meses) para recomendar esta sessão. Mas os outros realizadores presentes na lista são mais do que grandes atractivos para estar sugerir uma visita ao Centro Histórico, um dos filmes que não volta a repetir no festival. 

Death Row II, de Werner Herzog (dia 28 de Abril às 17h00 na Sala 3 do Cinema City Campo Pequeno)

Pelo terceiro ano consecutivo o IndieLisboa volta a apresentar novos episódios de Death Row, um projecto televisivo de Werner Herzog (outro Herói Independente de regresso a Lisboa) sobre a pena de morte nos EUA. Uma vez mais o cineasta alemão apresenta quatro casos de condenados à pena capital em território norte-americano, através do seu estilo característico, sem nunca cair num lado mais sensacionalista de um tema sensível. Death Row II repete a 24 de Abril às 21h45, 26 de Abril às 22h00 e a 3 de Maio às 21h45, sempre na Sala 3 do Cinema City Campo Pequeno.

Dial M for Murder, de Alfred Hitchcock (dia 29 de Abril às 16h30 na Sala 1 do Cinema City Campo Pequeno)

Muito antes do 3D estar na moda, já Hollywood tinha feito algumas experiências com esta tecnologia. Há precisamente 60 anos Alfred Hitchcock filmou em 3D Dial M for Murder, filme que é um dos pratos fortes da secção Director's Cut do IndieLisboa 2014. Para quem não conhece o clássico de Hitchcock, mesmo na sua versão tradicional, a projecção é obrigatória. Quanto mais não seja pela curiosidade de ver como se safou o mestre do suspense com esta experiência com uma tecnologia que durou anos até chegar ao mainstream. Dial M for Murder repete a 25 de Abril às 21h30 e a 2 de Maio às 23h50, sempre na Sala 1 do Cinema City Campo Pequeno.

O Novo Testamento de Jesus Cristo Segundo João, de Joaquim Pinto, Nuno Leonel (dia 30 de Abril às 21h30 no Grande Auditório da Culturgest)

E Agora, Lembra-me?, de Joaquim Pinto, foi um dos melhores filmes portugueses de 2013, fazendo furor em vários festivais por onde passou. Nele víamos algumas imagens das gravações de um filme com Luís Miguel Cintra. Esse mesmo filme vai ser apresentado nesta edição do IndieLisboa e é um dos títulos portugueses mais aguardados do festival. O Novo Testamento de Jesus Cristo Segundo João repete a 3 de Maio às 14h30 no Pequeno Auditório da Culturgest.

Gare du Nord, de Claire Simon (dia 1 de Maio às 15h00 na Sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge)

Apesar de ser autora de uma curta obra, com trabalho provado sobretudo na área do documentário, Claire Simon foi a escolhida para o regresso da secção Herói Independente do IndieLisboa. Uma das propostas que traz ao festival lisboeta é Gare du Nord, ficção que pode ser vista como o outro lado da moeda do seu mais recente documentário Geographie Humaine. Ambos fazem parte da retrospectiva de seis filmes da realizadora que passam no festival, sendo Gare du Nord o filme escolhido para a abertura oficial, no dia 24 de Abril às 19h00 na Sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge.

Al Doilea Joc, de Corneliu Porumboiu (dia 2 de Maio às 23h55 na Sala 3 do Cinema City Campo Pequeno)

O cinema romeno volta a marcar presença no IndieLisboa. Depois de ter sido homenageado há alguns anos, o cinema romeno continua a dar cartas e a fazer questão de estar presente em Lisboa. Desta vez o enviado da Roménia é Corneliu Porumboiu (cujo filme de estreia 12:08 a Este de Bucareste chegou a ter direito a estreia comercial por cá), que apresenta Al Doilea Joc, um documentário que parte de uma partida de futebol arbitrada pelo pai do cineasta que teve lugar no final dos anos 1980, antes da queda de Nicolau Ceausescu, para fazer uma reflexão sobre como poderia ter sido aquele jogo noutras circunstâncias. Promete ser mais um regresso às memórias de um país onde nos últimos anos surgiu uma das mais interessantes cinematografias do continente europeu. Al Doilea Joc repete no dia 25 de Abril às 19h15 e no dia 1 de Maio às 00:00, sempre na Sala 3 do Cinema City Campo Pequeno.

Joe, de David Gordon Green (dia 3 de Maio às 21h45 na Sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge)

David Gordon Green é um dos nomes mais sonantes do cinema independente norte-americano, que ganhou fama logo na sua longa-metragem de estreia: George Washington. Poucos dias após chegar às salas portuguesas Prince Avalanche, o IndieLisboa apresenta Joe, uma outra produção de 2013 do mesmo realizador que conta com Nicolas Cage (esse mesmo, num papel ligeiramente diferente do que tem sido habitual nos últimos anos) e Tye Sheridan (um dos miúdos em destaque em Fuga, de Mike Nicholls) nos papéis principais. Joe tem exibição única no IndieLisboa 2014.

3X3D, de Edgar Pêra, Peter Greenaway e Jean-Luc Godard (dia 4 de Maio às 21h30 na Sala 1 do Cinema City Campo Pequeno)

Para terminar esta lista de sugestões, mais uma proposta em 3D e que também teve origem Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura. Desta feita o resultado foi 3X3D um filme colectivo assinado a seis mãos por Edgar Pêra, Peter Greenaway e Jean-Luc Godard. Para quem anseia pelo novo filme de Godard este poderá ser um aperitivo para o novo filme do realizador francês que tem estreia mundial marcada para a próxima edição do Festival de Cannes e também é uma produção em 3D. 3X3D repete nos dias 26 e 30 de Abril, sempre às 21h30 na Sala 1 do Cinema City Campo Pequeno.

Mais informações sobre o IndieLisboa 2014 no site oficial do festival.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Kubrick em destaque na Take


Já está nas bancas virtuais mais uma edição da Take Cinema Magazine. O número 34 é dedicado à vida e obra de Stanley Kubrick, com artigos e críticas sobre todos os filmes do autor de «Laranja Mecânica». A mais recente edição da Take inclui ainda artigos sobre vários aspectos da vida do realizador, desde os projectos que ficaram por fazer, a sua carreira enquanto fotógrafo que o trouxe inclusive a Portugal, entre outros. Para ler aqui. Podem também aproveitar para fazer like na página do Facebook da Take. Boas leituras e boa viagem rumo ao universo kubrickiano!

sábado, 11 de janeiro de 2014

Um belo final de filme, um belo final de carreira


John Huston faleceu em 1987 e deixou como legado uma grandiosa obra, recheada de pontos altos. Contudo, ao contrário de vários grandes realizadores, que se deixam arrastar em obras menores à medida que se aproxima o final da vida, o final da carreira de Huston ficou marcado por um dos seus pontos maiores. Já bastante debilitado e no hospital, o cineasta realizou uma pequena obra-prima a partir de um conto de James Joyce. «Gente de Dublin» («The Dead», no título original) é uma pequena maravilha e de uma simplicidade assombrosa. Este é um retrato de um jantar de início de ano onde uma comunidade de Dublin recorda os que morreram no passado e celebra os que continuam a viver num espírito de fraternidade que parece já não existir nos dias de hoje. E que termina num fabuloso monólogo, dito sobre imagens da neve que não pára de cair ao longo de todo o filme. Um belíssimo final de filme, para um belíssimo final de carreira.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Cenas #5

Ter e Não Ter, de Howard Hawks (1944)

Ela entra no quarto dele e pede-lhe lume. Começa assim o primeiro encontro entre Lauren Bacall e 'Bogey' em «Ter e Não Ter», obra-prima de Howard Hawks por vezes comparada (erroneamente) a «Casablanca», de Michael Curtiz, uma outra história de expatriados em terra de ninguém durante a II Guerra Mundial. Podia ter ido buscar a cena do assobio recordada por João Bénard da Costa como «um dos melhores diálogos da história do cinema» («You know you don't have to act with me, Steve. You don't have to say anything, and you don't have to do anything. Not a thing. Oh, maybe just whistle. You know how to whistle, don't you, Steve? You just put your lips together and... blow.»), mas esta parece-me a que melhor espelha a relação amor-ódio (mais amor do que ódio, como sempre nestas coisas) das personagens centrais do filme. E entre trocas de cigarros e lume, nasceu um dos míticos casais de Hollywood, que iria contracenar ainda em mais três filmes: «À Beira do Abismo» («The Big Sleep», de Howard Hawks, 1946), «O Prisioneiro do Passado» («Dark Passage», de Delmer Daves, 1947) e «Paixões em Fúria» («Key Largo», de John Huston, 1948). Mas isso são contas de outro rosário. Aqui celebra-se a magia de «Ter e Não Ter» e as trocas de lume entre Bacall e Bogart. E em tempos politicamente correctos pensamos para com os nossos botões: como seria este belo filme se não houvessem os cigarros?

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

China - Um Toque de Pecado, de Zhangke Jia (2013)

As listas de melhores do ano são tramadas. Perdemos uma enormidade de tempo a recordar as memórias de um ano de estreias cinematográficas para chegar a uma lista com o melhor que vimos em sala e logo a seguir vemos um daqueles filmes que devíamos ter visto a tempo e horas para integrar a dita lista. Serve esta breve introdução para dizer que «China - Um Toque de Pecado», o mais recente filme de Zhangke Jia, com jeitinho bem podia ter integrado a lista de melhores do ano deste blogue. Mas, como não foi visionado a tempo e horas, ficou de fora, talvez injustamente. Ou não.

Para os cinéfilos mais atentos o nome de Zhangke Jia não será de todo desconhecido. Há alguns anos atrás o IndieLisboa dedicou um ciclo inteiro à sua obra, quando o festival lisboeta ainda tinha uma das suas secções mais memoráveis, entretanto extinta. Como Herói Independente homenageado, o festival apresentou nessa edição do certame uma obra curta, mas bastante interessante. Desde então raramente a obra do cineasta chinês ficou de fora do circuito comercial e «China - Um Toque de Pecado» é o seu mais recente filme a ter honra de estreia. Trabalhando sempre na (cada vez mais) ténue fronteira entre a ficção e o documentário, Zhangke tem vindo a apresentar um retrato da China dos dias de hoje um pouco diferente da imagem que poderíamos ter do chamado milagre económico. É que para lá do milagre económico daquela que é uma das grandes potências mundiais, há pessoas, pessoas essas que têm sido retratadas nos filmes deste cineasta através de um olhar ficcional, que bem podia ser oriundo do real.

Em «China - Um Toque de Pecado» (título que consiste num trocadilho, assumido pelo próprio realizador, com «A Touch of Zen», clássico das artes marciais realizado por King Hu) o olhar do cineasta chinês parte de quatro histórias de crimes, todas baseadas em acontecimentos reais, para nos mostrar uma outra realidade da China. Cada episódio, com as suas particularidades específicas, acaba por nos apresentar algo mais do que 'simples' crimes, porque, tal como nas obras anteriores de Zhangke Jia, há muita coisa para desvendar por detrás de cada camada. Neste caso cada crime funciona quase como o ponto de partida para mostrar aspectos de uma sociedade que está por detrás do tal milagre económico chinês, seja a corrupção instalada nas pequenas localidades ou as condições laborais nas grandes fábricas chinesas, retratadas no primeiro e no quarto episódio, respectivamente.

E são estes dois, curiosamente, os episódios que melhor funcionam em «China - Um Toque de Pecado», pois não retratam simples crimes, mas algo que vai muito para lá do mero apresentar de um crime violento, apresentando em pano de fundo a tal realidade social de uma China menos conhecida e que nem sempre surge nas notícias. Não que este seja um filme desequilibrado, antes pelo contrário. Apesar de as histórias serem independentes (apenas uma personagem aparece em dois dos segmentos), acabam por formar um todo coerente. E a única diferença em relação às anteriores obras de Zhangke Jia é uma certa violência que salta (literalmente) para a frente do ecrã e pode eventualmente deixar-nos desconfortáveis durante o visionamento, pois este é um elemento que não encontramos em obras anteriores do cineasta, onde a violência talvez estivesse mais 'escondida' nas entrelinhas. Como se nos filmes anteriores do realizador essa violência estivesse de certa forma reprimida e de repente acabasse por explodir. Há muito sangue a jorrar em «China - Um Toque de Pecado», mas esta dose massiva de hemoglobina apenas serve para mostrar que nem tudo é perfeito num milagre económico e as injustiças também existem em certos modelos de sociedades que se dizem perfeitas. Ou quase perfeitas.

Nota: 4/5

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

10 filmes: Boxe

O início do ano cinéfilo no Shut up and watch the movies foi marcado por um clássico realizado por Raoul Walsh: «O Ídolo do Público», ou «Gentleman Jim», no título original. Para comemorar este visionamento regressa mais uma lista de filmes temáticos, desta vez dedicada ao boxe, o desporto praticado pelo protagonista do filme de Walsh. Tal como outras listas desta rubrica, os filmes apresentados não são os melhores ou os piores dentro de um determinado tema, apenas 10 exemplos de filmes que abordam o tema destacado. Por isso outras propostas são sempre bem-vindas na caixa de comentários, quanto mais não seja para promover a partilha ou a descoberta de novos títulos.

Ringue de Boxe, de Alfred Hitchcock (1927)

O Ídolo do Público, de Raoul Walsh (1942)

Nobreza de Campeão, de Robert Wise (1949)

Belarmino, de Fernando Lopes (1964)

Rocky, de John G. Avildsen (1976)

O Touro Enraivecido, de Martin Scorsese (1980)

 O Boxeur, de Jim Sheridan (1997)

Ali, de Michael Mann (2001)

Million Dollar Baby - Sonhos Vencidos, de Clint Eastwood (2004)

The Fighter - Último Round, de David O. Russell (2010) 

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Tal Pai, Tal Filho, de Hirokazu Koreeda (2013)

Há qualquer coisa no olhar de Hirokazu Koreeda que nos fascina. Não serão apenas os belos filmes que nos tem apresentado ao longo dos últimos anos, mas a forma serena e terna como filma as histórias que nos traz e volta e meia temos o prazer de ver em estreia comercial. Pequenas pérolas vindas do Japão, criadas por um dos dignos sucessores do génio de Ozu (recomenda-se o visionamento de «Andando», uma espécie de variação de «Viagem a Tóquio» passada nos dias de hoje, para o confirmar), que quase passam sem darmos por elas, mas que se lhes dermos atenção acabam por ser experiências memoráveis. «Tal Pai, Tal Filho» não é excepção e foi uma das mais agradáveis fitas a passar pelas salas portuguesas no final do ano passado.

A história de um pai que descobre, seis anos depois, que o seu filho foi trocado por outro no hospital, facilmente poderia ser um dramalhão de primeira, com lágrima a espreitar ao canto do olho. Mas Koreeda foge disso como o diabo da cruz e o resultado é algo completamente diferente. Um filme sincero, que retrata o drama de alguém que a dado momento e a partir de uma situação em específico se coloca perante inúmeras questões que no limite põem em causa toda a sua vida. Não só o que fazer quando descobre que o seu filho natural não é o que criou durante seis anos, mas um miúdo criado por uma família de menos recursos do que a dele, mas também o que falhou ao longo dos mesmos seis anos para que se sinta tão longe do menino que criou e ao mesmo tempo incapaz de acarinhar e aproximar-se do seu verdadeiro filho quando este vai viver com o casal natural.

Mais do que um belo filme, «Tal Pai, Tal Filho» acaba por ser um retrato da época em que foi feito (já Fritz Lang na sua extraordinária conversa com Jean-Luc Godard - Le dinosaure et le bébé -  dizia que todos os filmes são como que documentários de uma determinada época), algo que já acontecia nos filmes anteriores de Hirokazu Koreeda, onde a família é sempre o centro da trama. Os dilemas de alguém que sempre deu tudo o que tinha a dar no emprego, descurando dessa forma a família e os que o rodeiam, da esposa ao pai, passam em pano de fundo. O final é aparentemente feliz, mas não sabemos se esta experiência limite pela qual todos passaram será suficiente para algo mudar ou se tudo irá continuar na mesma. O que não mudou, de certeza, foi o olhar sereno de Koreeda perante as suas personagens, que não deixa de nos fascinar desde que vimos pela primeira vez um dos seus filmes. Mais do que recomendável, «Tal Pai, Tal Filho» é um dos filmes obrigatórios em exibição por estes dias.

Nota: 4/5