sexta-feira, 26 de abril de 2013

IndieLisboa 2013, Dia 8: Amor, Morte e Sexo

Depois de um dia mais fraco, o oitavo dia de IndieLisboa foi de emoções fortes: uma história sobre a descoberta do amor («Ma Belle Gosse», de Shalimar Preuss), uma descida aos infernos na Indonésia («Act of Killing», de Joshua Oppenheimer) e as aventuras sexuais de uma mulher europeia à procura de amor numas férias no Quénia («Paradise: Love», de Ulrich Seidl).


«Ma Belle Gosse», um dos filmes presentes na competição internacional do IndieLisboa, marca a estreia de Shalimar Preuss na realização de longas metragens. É um filme sobre a descoberta do amor por parte de uma adolescente de 17 anos que mantém uma relação epistolar com um homem mais velho que se encontra preso. A acção decorre durante umas férias em família e a jovem Maden tenta a todo o custo esconder essa relação, que acaba eventualmente por ser descoberta pelas suas primas. Filmado sempre com a câmara à mão, seguimos a jovem e os seus companheiros de férias como se fossemos um deles, com especial foco na jovem protagonista e num dos seus primos, com quem partilha o segredo no início.

Ao contrário de algumas propostas mais arriscadas que costumam aparecer na competição oficial do festival, «Ma Belle Gosse» é uma antítese desse tipo de obras, tal a simplicidade com que Shalimar Preuss filma a história de Maden. E é essa simplicidade e falta de capacidade para arriscar que acaba por jogar contra o filme, que aos poucos se torna pouco mais do que algo banal, que vemos sem pensar muito no que estamos a ver. Precisava de um pouco mais de garra para nos cativar e tornar «Ma Belle Gosse» uma estreia mais auspiciosa, apesar de ser bastante competente no que pretende ser.

Classificação: 3/5


De uma história de amor, passamos para uma história de terror: o documentário «The Act of Killing», de Joshua Oppenheimer, um dos filmes mais difíceis de digerir nesta edição do IndieLisboa. Estávamos preparados para um filme forte, mas não estávamos de todo preparados para o que iria passar pelo grande ecrã durante as duas horas e meia de duração do documentário, que se debruça sobre o massacre dos comunistas na Indonésia nos anos 1965-1966, massacre esse que vitimou mais de um milhão de pessoas cujos autores continuam sem ser responsabilizados. Estes acontecimentos são relatados por vários dos responsáveis pelos massacres, entre os quais Anwar Congo, 'personagem' principal de «The Act of Killing», que na altura passou de pequeno criminoso local (cuja principal actividade era a venda de bilhetes de cinema na candonga) a um dos principais carrascos e responsável por um esquadrão da morte que matou um número indeterminado de pessoas com a cumplicidade das autoridades oficiais.

Ao longo do filme acompanhamos Anwar Congo e alguns dos seus companheiros da altura, alguns dos quais acabaram por se tornar homens de negócios bem sucedidos e governadores, todos com estatuto de heróis nacionais, na recriação dos acontecimentos que levaram ao massacre de mais de um milhão de pessoas. Para a execução desta recriação o realizador do documentário deu luz verde aos protagonistas para encenarem os acontecimentos como bem entendessem. E o resultado é uma espécie de making of dessas cenas para um suposto filme, cujas sequências acabam por ser mais chocantes do que as horríveis descrições que os protagonistas de «The Act of Killing» fazem dos seus actos ao longo do filme, pois roçam um certo surrealismo. Como o facto de numa dessas sequências um actual ministro indonésio participar na direcção da cena, como se fosse um realizador de cinema.

Apesar de toda a glorificação das suas acções no filme dentro do filme, o comportamento de Anwar Congo vai mudando um pouco ao longo de «The Act of Killing». Começando como um fanfarrão, que se gaba do que fez e como o fazia com total impunidade, e acabando como alguém com enormes sentimentos de culpa que se vai apercebendo de tudo o que fez à medida que recria os acontecimentos. Esse reconhecimento culmina numa das cenas mais difíceis de digerir em «The Act of Killing», quando o protagonista regressa ao terraço de casa, onde anteriormente já tinha exemplificado um dos métodos que utilizava para matar as vítimas. Mas o mal já estava feito e por mais fantasmas que o visitem à noite, os seus actos continuam impunes.

Mesmo sendo um dos melhores filmes passados nesta edição do IndieLisboa, o documentário de Joshua Oppenheimer não é fácil de se ver e prova como a banalização do mal consegue atingir níveis impensáveis. O facto de grande parte da ficha técnica do filme contar com inúmeros elementos anónimos denota que o tema, mesmo passados tantos anos, continua a ser polémico na Indonésia, onde os familiares das vítimas sabem que nada podem fazer contra os carrascos, que continuam protegidos pelas autoridades e ainda gozam com a simples possibilidade de um dia poderem vir a ser julgados em tribunais internacionais, como os criminosos de guerra nazis ou os autores dos genocídios no Ruanda. E pessoas como Anwar Congo continuam a ser vistos como 'heróis'.

Para ficar a conhecer um pouco mais sobre este projecto de Joshua Oppenheimer recomendo vivamente a visita ao site oficial do filme.

Classificação: 4/5


Para terminar o oitavo dia, depois de uma descida aos infernos, um regresso ao Paraíso de Ulrich Seidl para a última parte da trilogia «Paradise», desta vez com o primeiro capítulo da série, dedicado ao tema do Amor. Depois de nos mostrar a Fé de Anna Maria (protagonista de «Paradise: Faith») e a Esperança de Melanie (a personagem principal de «Paradise: Hope»), o cineasta austríaco leva-nos ao Quénia para acompanhar as férias de Teresa, irmã de Anna Maria e mãe de Melanie, que procura a todo o custo o Amor que (muito provavelmente) não encontra em casa, na sua Áustria natal, mas acaba por ter direito apenas a relações sexuais com diversos parceiros. Se de início a turista ocidental ainda quer acreditar que a sua primeira conquista está de facto apaixonada por ela, cedo se apercebe que o que o move é o dinheiro. E quando Teresa deixa de ter dinheiro para lhe pagar, este deixa de a 'amar'. A partir daqui Teresa deixa de ter fé no amor e todas as relações acabam por ser sexuais.

À semelhança do que constatáramos ao ver a terceira parte da trilogia (nota: apesar de lançados em alturas diferentes, os filmes não têm de ser vistos por ordem cronológica), também aqui ficamos com a sensação de que Seidl acaba por filmar o mesmo filme, mas com uma história diferente e com enfoque noutro tema. O que acaba por ser um pouco redutor, pois o efeito do primeiro filme acaba por ser perder aos poucos e acabamos por gostar mais de um ou outro determinado capítulo consoante a história ou o tema abordado. E «Paradise: Love» consegue estar ao nível de «Paradise: Faith», onde o olhar de Seidl volta a ser pouco simpático para as suas personagens (arriscamos mesmo dizer que o cineasta não tem qualquer pingo de amor pelas personagens dos seus filmes), sendo um filme que nos faz reflectir sobre coisas sérias a partir de tons de comédia negra. Como, aliás, provou ser todo o universo de Ulrich Seidl que nos trouxe o IndieLisboa este ano.

Classificação: 4/5

4 comentários:

  1. Destes três só vi o "The Act of Killing" e concordo quando dizes que não é um filme fácil de se ver. Tive partes em que já não sabia para onde me virar com o mal-estar. Mas é um excelente documentário, várias horas depois ainda parece que tenho algumas imagens marcadas na memória. Boa crítica.

    Cumprimentos,
    Aníbal

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    1. Obrigado. Este filme é terrível, acho que nem as piores personagens dos filmes de terror conseguem chegar aos calcanhares destes tipos. E o mal estar foi tanto que às tantas não sabia se havia de me rir com o ridículo e a forma como eles lidavam com o assunto, como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo. Este filme vai-me ficar na cabeça durante muito tempo.

      Cumprimentos,
      PMF

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  2. The Act of Killing: O filme colossal do Indie Lisboa '13! É absolutamente fascinante, ainda não consegui tirá-lo da cabeça. Nem o quero, essa é que é a verdade. Directo, visceral, satírico, original no seu tratamento, enfim tudo o que esperava que fosse e muito mais.

    Cumprimentos,
    Rafael Santos
    Memento mori

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    1. Este também foi dos meus favoritos do festival. Só não estava à espera que fosse tão indigesto, custou-me um bocado a ver certas sequências.

      Cumprimentos,
      PMF

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