domingo, 21 de outubro de 2012

Grindhouse #1: Os Heróis não Choram e Códigos de Guerra, de John Woo

Há coisas que eu, enquanto fã de Cinema (para não dizer cinéfilo, palavra que ultimamente parece que tende a ganhar o estatuto de insulto/palavrão), gosto de fazer. Ou, como diz o ditado, cada maluco tem a sua mania. Uma delas é, tendo oportunidade de o fazer, ver obras de um determinado realizador, que tenham ou não pontos em comum, que possam dar uma imagem da sua obra em diferentes fases da carreira do cineasta, para tentar identificar o que mudou de um filme para o outro. Ou, no caso deste artigo em concreto, dedicado a dois filmes de John Woo («Os Heróis Não Chora», de 1986, quando o realizador era um nome consagrado do cinema feito em Hong Kong, e «Códigos de Guerra», de 2002), já no período norte-americano de Woo), o que mudou de um período da carreira do realizador para outro. Foi um bocado neste espírito que me lembrei de criar esta rubrica, com a análise de dois filmes de um realizador, a que chamarei de Grindhouse, à semelhança das sessões duplas que foram homenageadas há uns anos no projecto homónimo realizado por Quentin Tarantino e Robert Rodriguez.

Seguindo a ordem cronológica e de visionamento, comecemos então por «Os Heróis Não Choram». Realizado no mesmo ano de «Crime em Hong Kong» («A Better Tomorrow»), um dos filmes mais populares da fase de Hong Kong de Woo, este não é um policial, género que fez do realizador um dos nomes consagrados nos anos 1980 naquelas latitudes. É antes um filme de acção, à semelhança de obras que se faziam nos EUA na mesma década e protagonizadas por vedetas como Sylvester Stallone ou Arnold Schwarzenegger, tais como «Comando» ou os dois últimos episódios da série «Rambo». Neste caso, a história centra-se num grupo de mercenários contratado pelo Governo da Tailândia para raptar um poderoso traficante de droga.

Depois de conseguirem levar a cabo a sua tarefa, numa missão que é mostrada logo no início do filme, com todo o esplendor dos filmes de acção, com mortes e explosões por todo o lado, que fazem corpos voar pelo cenário, os mercenários têm de levar o traficante à Justiça e pelo caminho atravessar uma perigosa floresta onde se vão deparar com novos inimigos. Apesar do tom violento que encontramos em «Os Heróis Não Choram» (título curioso, tirado da versão inglesa do filme, pois não há personagem que não tenha uma lágrima ao canto do olho, por mais pequena que seja), onde o sangue é uma constante, esta obra não deixa de ter uma certa faceta poética, tão ao estilo dos filmes que deram fama a John Woo, sobretudo os já referidos policiais. E a comédia é algo que está bem presente em todo o filme, seja em pequenos apartes entre os protagonistas, seja em alguns gags visuais, o que torna o filme um entretenimento garantido para os fãs do género, mesmo que por vezes a história seja pouco mais do que básica, o que, para o propósito deste tipo de filmes, divertir, era suficiente.

Em 2002, data de estreia de «Códigos de Guerra», John Woo já estava praticamente enraizado em Hollywood, onde realizou o primeiro filme em 1993: «Perseguição Implacável», protagonizado por Jean-Claude Van Damme. Vindo directamente do terceiro episódio do franchise «Missão: Impossível», o cineasta asiático foi o responsável por levar ao grande ecrã um filme de guerra inspirado em factos verídicos: o recurso a índios Navajo e ao seu dialecto por parte do Exército dos EUA, na região do Pacífico durante a II Guerra Mundial, para enviar mensagens em código impossíveis de detectar pelos japoneses. Protagonizado por Nicolas Cage, cuja personagem acaba por ser mais importante do que os índios, actor com quem Woo já tinha trabalhado naquele que será o seu melhor filme e o que mais se aproximará dos seus policiais de Hong Kong nesta fase norte-americana («A Outra Face»), «Códigos de Guerra» não poderia ser mais diferente do que «Os Heróis Não Choram».

A acção também está bastante presente neste filme, mas já não é a mesma coisa em comparação com o filme de 1986. Mesmo com mais meios e com as cenas de guerra mais trabalhadas, à semelhança de outros filmes passados na II Guerra Mundial que foram retratados nos EUA no final da década de 1990 e início da década de 2000, falta a «Códigos de Guerra» uma certa poesia e a forma de filmar das cenas de acção, mais coreográficas, que encontrávamos em «Os Heróis Não Choram» e noutros filmes de Woo no passado. O tom aqui é mais dramático, tudo é muito mais sério, e não é a acção pura e dura dos filmes de John Woo de Hong Kong que nos dão. Mesmo comparando com algumas obras norte-americanas deste período, que têm este conflito como pano de fundo, «Códigos de Guerra» não está certamente entre os melhores exemplos e possivelmente vai entrar para a história como «mais um dos projectos onde Nicolas Cage entrou na primeira década do século XX».

Moral da história: à semelhança de muitos cineastas que trocaram os seus países de origem por Hollywood, esta mudança de ares parece que não fez bem a John Woo. Se em Hong Kong (que não deixa de ter uma indústria com uma realidade completamente diferente da norte-americana, é certo) o realizador conseguia filmar mais do que um filme por ano, nos EUA John Woo apenas conseguiu realizar seis filmes (mais três se considerarmos os telefilmes) em 10 anos. Todo o estilo que criou na primeira fase da sua carreira, cimentado em excelentes policiais e filmes de acção e artes marciais, acabou por desaparecer aos poucos nos EUA, onde a sua marca praticamente apenas se nota nos três primeiros filmes que realizou por lá. «Códigos de Guerra» acaba por ser, neste caso, uma pálida imagem do que foi em tempos o cinema de Woo, cujo exemplo aqui dado é «Os Heróis Não Choram».

4 comentários:

  1. Interessante paralelismo e metodologia de análise. Confesso que não sou tão severo com o Woo da fase americana - "Face Off" e "M:I-2" são grandes filmes, na minha opinião, e devo ser um dos poucos defensores de "Windtalkers". Importa até referir os cineastas (Lang, acima de todos) que na sua fase Tio Sam foram alvo de apreciações apressadas e, nalguns casos, injustas.

    Abraço,

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    1. Obrigado pelo comentário. A ideia é criar uma rubrica regular deste tipo, sempre que se justifique.
      Eu gosto muito do Face Off e considero-o o melhor do Woo nesta fase. Dos restantes (só não conheço o «Perseguição Implacável» ou pelo menos não me recordo de o ver) não fiquei grande fã, mas também confesso que o «M:I 2» só o vi quando estreou e já não me lembro de muito do filme. Este «Windtalkers», que aproveitei para ver esta semana depois de ter visto o «Os Heróis Não Choram», desiludiu-me um pouco. Pareceu-me que lhe faltava um bocado a marca pessoal do realizador, mais presente nos filmes de Hong Kong, na minha opinião. Talvez quando o revir daqui a uns anos a opinião seja diferente.
      A questão dos 'estrangeiros' em Hollywood dava pano para mangas. Este é apenas um exemplo. Mas quando a coisa corria bem, como foi o caso de Lang ou Wylder, um dos meus realizadores favoritos, o resultado era muito bom. Aliás, se calhar nem exageramos muito se dissermos que em muitos casos estes realizadores vindos de fora conseguiram em Hollywood o que muitos realizadores americanos acabaram por não conseguir. Mas isso, lá está, seria tema para outras conversas.

      Abraço,

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  2. Excelente ideia para uma rubrica. Fico a contar com muitos mais :D

    Eu do Woo acho que só vi filmes americanos dos quais destaco o já mencionado Face Off. Este também foi dos que não vi, não tenho nada a acrescentar :P

    Mas queria dizer-te que gostei muito da rubrica.

    Abraço

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    1. Obrigado. Vamos lá ver o que sairá das próximas fornadas :)

      Abraço

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