«S-21, la machine de mort Khmère rouge», realizado em 2003, leva-nos a um dos centros de detenção dos Khmers Vermelhos, situado em Phnom Pehn e onde terão morrido quase 13 mil pessoas. Depois de um breve enquadramento histórico, o documentário junta dois sobreviventes do S-21 e membros do partido que trabalharam (guardas, fotógrafos, médicos e interrogadores) neste centro de detenção, uma antiga escola que funciona actualmente como um museu em memória das vítimas daquele regime. Ao longo de quase duas horas os sobreviventes questionam os seus captores sobre as razões que os levaram a fazer o que fizeram durante aquele período.
Através destes diálogos tomamos conhecimento dos horrores do regime, com descrições de sessões de tortura e a leitura de relatórios sobre os prisioneiros, relatos impressionantes onde tanto os sobreviventes como os carrascos se questionam quem eram as verdadeiras vítimas: quem tinha o azar de ser considerado inimigo do Partido (e estava à partida condenado não só à morte mas a longas sessões de tortura cujo objectivo era levar os prisioneiros a denunciarem outros inimigos do partido. Na maior parte das vezes bastava ser familiar de alguém que tivesse sido preso para ser considerado inimigo do partido, fosse qual fosse o grau de parentesco, para ir parar às mãos dos Khmers Vermelhos) ou quem era guarda num destes campos e afirmava que preferia morrer na frente de combate a ter de fazer o que o mandavam fazer neste centro de detenção. Há pelo menos um dos guardas que o afirma, apesar de muitos admitirem que o faziam porque tinham medo de ter o mesmo destino dos prisioneiros ou que apenas seguiam a doutrina que lhes era incutida desde sempre e que nunca era posta em causa por ninguém.
Sempre sem intervir directamente nos diálogos, dando destaque aos 'protagonistas' o realizador conseguiu com «S-21, la machine de mort Khmère rouge» fazer um retrato chocante do que se passava num local destes e que ficará marcado para sempre como uma pequena parte de um período negro na História do Século XX. Os sobreviventes, que em diversas sequências do filme questionam o porquê daquelas práticas, apenas pedem que estes acontecimentos não sejam esquecidos, preferindo salvaguardar a memória para as gerações futuras se recordarem do que se passou, em vez de alguém lhes vir pedir perdão por algo que não podem recuperar e que podia ter sido evitado.
Em 2011 Rithy Pahn voltou ao local do crime, desta vez para entrevistar Kang Kek Iew, também conhecido pelo nome de guerra Duch, o director do centro de detenção S-21 e um dos nomes que é referido por diversas vezes no documentário «S-21, la machine de mort Khmère rouge», sem contudo chegar a aparecer directamente no mesmo. Em «Duch, le maître des forges de l'enfer» o estilo é completamente diferente do anterior. Duch (o primeiro membro dos Khmers Vermelhos a ser chamado à Justiça, que o condenou primeiro a 30 anos de prisão por crimes contra a Humanidade, sentença que no início deste ano foi alargada para prisão perpétua) fala na primeira pessoa sobre o papel que teve não só enquanto membro do regime, mas também enquanto líder daquele campo de detenção, considerado um dos mais importantes dos Khmers Vermelhos, pois juntou num mesmo complexo todas as anteriores prisões de Phonm Pehn.
Em vez de imagens dentro do centro de detenção, como acontecia no documentário anterior de Rithy Pahn sobre o S-21, «Duch, le maître des forges de l'enfer» centra-se quase em exclusivo na figura de Duch, que é confrontado com cópias de fotografias dos prisioneiros e de figuras do regime, assim como relatórios escritos e assinados por ele mesmo à medida que vai falando dos acontecimentos. As únicas intervenções externas vão surgindo num ecrã de computador, onde o antigo responsável pelo centro de detenção assiste a imagens de «S-21, la machine de mort Khmère rouge» e relatos de outras pessoas envolvidas nas actividades do S-21, algumas das quais são negadas por Duch, que chega a rir-se das declarações em alguns casos.
As imagens de arquivo, já presentes no documentário de 2003, aqui ganham mais peso e estão bastante presentes ao longo do filme para mostrar alguns dos protagonistas do regime. Ao contrário de «S-21, la machine de mort Khmère rouge», que pretendia mostrar o horror dos campos de detenção dos Khmers Vermelhos, «Duch, le maître des forges de l'enfer» é o retrato de uma das figuras mais sinistras de um regime responsável por um período que tão depressa não será esquecido pela população do Cambodja. Apesar de serem documentários diferentes no seu formato, vistos em conjunto formam um interessante díptico que ajuda a compreender melhor o S-21, apenas um dos vários centros de detenção criados pelos Khmers Vermelhos entre 1975 e 1979, e o que se passou naquele local.
E o visionamento destes filmes, mesmo que por vezes nos deixe com o estômago às voltas devido às horríveis descrições das práticas que são feitas, tanto em «S-21, la machine de mort Khmère rouge», pelos sobreviventes e pelos guardas, como em «Duch, le maître des forges de l'enfer», por um dos líderes do centro de detenção, é fundamental para quem quiser saber mais sobre este período histórico. Quanto ao objectivo de preservar a memória destes acontecimentos, estas obras de Rithy Pahn não falham, mesmo que por vezes sejam difíceis de ver.
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